Lojas de livros não conseguirão sobreviver
Ligia Aguilhar
Entrevista com Jason Merkoski
Jason
Merkoski, ex-evangelista da Amazon,
diz
que livros de papel se tornarão raros como discos de vinil
Jason Merkoski |
“As
pessoas da Amazon não se importam realmente com o que você quer como
consumidor.” A frase soa surpreendente ao sair da boca de Jason Merkoski,
primeiro evangelista (responsável por disseminar novas tendências) da Amazon e
um dos membros da equipe que desenvolveu o primeiro leitor de livros digitais
Kindle, lançado em 2007.
Fundador
da startup Bookgenie451, criadora de
um software que identifica interesses de leitura de estudantes para recomendar
livros didáticos, Merkoski mistura
otimismo com alguma cautela quando o assunto são livros digitais.
Na
quinta-feira, 21 de agosto, ele vem ao Brasil participar do 5º Congresso Internacional CBL do Livro
Digital, em São Paulo, no qual vai falar sobre a sua obra Burning
the page: The eBook Revolution and the Future of Reading (ainda sem
título em português – tradução livre: Queimando
a página: a Revolução do Livro Eletrônico e o Futuro da Leitura), na qual
decreta o fim do livro impresso.
Ao Link, ele deu mais detalhes sobre as
mudanças e problemas que prevê para o mercado editorial. Confira os principais
trechos.
Você decreta o fim dos livros
impressos em sua obra, mas as vendas de tablets e leitores digitais começam a
se estabilizar sem que isso tenha acontecido. O que falta para o livro digital
se popularizar?
Jason Merkoski: O que
mais influencia a popularidade é a seleção de títulos. O que vimos acontecer
nos EUA e Japão é que, uma vez que as pessoas consigam encontrar 80% dos
títulos que buscam no digital, a chance delas migrarem para e-books é de 100%.
Quanto tempo demora para essa mudança
acontecer?
Jason Merkoski: Cerca
de três anos depois que os livros digitais estão disponíveis em um país.
Serviços de streaming podem ajudar nessa popularização?
Jason Merkoski: O
problema de serviços de streaming
como o da Amazon é que eles têm vários livros no catálogo que as pessoas não
querem ler. Um dos desafios é definir um
modelo de preços para e-books, que hoje não existe. Até isso ser feito será
difícil tornar o streaming uma experiência satisfatória e o seu custo
sustentável.
Você esperava esses impactos quando
ajudou a criar o Kindle?
Jason Merkoski: Como
indústria, acho que revolucionamos o mercado editorial, o que é assustador e
maravilhoso ao mesmo tempo. Como dono de uma empresa de livros digitais, digo
que é muito difícil trabalhar com
editoras hoje, porque o mundo delas está em colapso. É como se elas
estivessem no Titanic após bater no iceberg, sem coletes salva vidas, com o
barco pegando fogo e naves alienígenas atirando contra o barco. As editoras
estão confusas e com medo.
Teremos problemas com a coleta e uso
de dados sobre nossos hábitos de leitura?
Jason Merkoski: Certamente.
Não vai demorar para começarmos a ver propagandas dentro dos e-books. Mas não
estou realmente preocupado com o que a Amazon e o Google vão saber sobre mim
porque acho que já aceitei que, inevitavelmente, eles saberão das coisas de
algum jeito.
Esses dados também geram recomendações
de leitura. Essa facilidade pode ter um lado ruim, como afastar o leitor de
clássicos em prol de best-sellers?
Jason Merkoski: Algum
conteúdo poderá ser negligenciado com toda certeza. O problema de livros
clássicos é que eles não são sexy e não são promovidos na página de entrada da
Amazon porque a empresa não vai ganhar dinheiro com eles. O que menos gosto da virada do livro para o digital é a cultura do
momento. Recomendamos apenas coisas atuais. Ferramentas de recomendação
precisam melhorar.
Você já declarou em entrevistas que é
difícil amar a Amazon…
Jason Merkoski: Acho
que o papel das empresas maiores não é estar na minha cara enquanto eu estou
lendo. Elas podem ser mais sutis e acredito que esse é um papel que a Amazon
faz mal. Hoje os varejistas conseguem aprender quem você é. Seria interessante
se essas informações fossem repassadas para as editoras criarem conteúdo. Mas
os varejistas retêm todos os dados. É por isso que o sistema está quebrado.
O que acontecerá com a palavra
escrita?
Jason Merkoski: Eu
realmente acho que o futuro da palavra escrita é ser falada, porque a escrita é
devagar. Os livros do futuro serão
falados porque tudo gira em torno da fala hoje em dia. Aparelhos como o
iPhone, com a Siri, permitem que você fale ao telefone o que você quer fazer.
Acredita que bibliotecas e livrarias
vão mesmo acabar?
Jason Merkoski: Não
acho que o futuro será bom. Meus estudos mostram que nos últimos três anos os alunos gastaram 70% menos tempo nas
bibliotecas das universidades. Onde eles estão pegando informação? Na
Wikipédia ou em sites. As lojas de livros não conseguirão sobreviver e vão
desaparecer. Sobrarão apenas algumas, especializadas em livros impressos, como
as que vendem discos de vinil. Vão permanecer no mercado Google e Amazon,
infelizmente. Conheço as pessoas da
Amazon. E elas não se importam com o que você quer como consumidor. Elas se
importam em como conseguir mais lucro. Uma maneira de fazer isso é
empurrando livros populares, negligenciando outros. E infelizmente as pessoas
vão aceitar. A curadoria de títulos está
na mão dos varejistas.
Comentários
Postar um comentário