O Templo, a Igreja e a política
Marcelo Barros*
Marcelo Barros - biblista e teólogo |
Nesses
dias, a Igreja Universal do Reino de Deus inaugurou em São Paulo uma réplica do
“Templo de Salomão”. Os jornais chamam a atenção para a suntuosidade da obra.
Afirmam que a construção tem pedras trazidas de Israel e o altar e a arca da
aliança são cobertos de ouro. O templo custou 685 milhões e pode receber 10 mil
fiéis. Os comentários tocam nesses pontos, mas não se perguntam sobre o sentido
disso tudo. Para que construir, hoje, um templo, concebido a partir de um
modelo de mil anos antes de Cristo e a esse preço?
Não
compete a ninguém julgar a fé de um crente, menos ainda de uma Igreja. Não é
esse o objetivo dessas linhas. No entanto, podemos, sim, tirar de cada fato da
vida uma lição para as nossas vidas e para nossas comunidades.
Desde a
antiguidade, as religiões constroem templos. Antigamente, os reis exibiam o seu
poder com palácios imponentes. E ao lado do palácio, construíam um templo. Além
da finalidade religiosa – ser o lugar dos sacrifícios oferecidos à divindade, o
templo servia para legitimar o poder dos poderosos. O próprio templo de Salomão
foi construído assim. Através do profeta Natã, Deus tinha dito a Davi que não
queria templo. Um ser humano, descendente de Davi, seria, em si mesmo, a morada
divina (Cf. 2Sm 7). Os cristãos interpretam que esse homem no qual Deus
decidiu morar é Jesus Cristo. Jesus partilhou com todos nós a graça de sermos
templos vivos de Deus (1Cor 3).
Os
profetas insistem que Deus é maior do que todo o universo. Como pode caber em
uma casa? (Is 66). Segundo a Bíblia, o templo de Jerusalém não é a casa de Deus
e sim o lugar onde é invocado o seu nome (1Rs 8). Deus aceita o templo como
necessidade cultural do povo, se as pessoas que o frequentam se comprometem em
que o culto se baseie na justiça e na preocupação com os pobres (ver Jeremias
7). Jesus citou esse texto ao expulsar os vendedores do templo de Jerusalém e
afirmar: “Vocês fizeram da casa do meu pai um covil de ladrões” (Jo 2,13 ss).
As pessoas que teriam visto essa cena não a interpretaram no sentido de que
Jesus estivesse zelando pela santidade do templo (interpretação ainda comum
nos sermões das nossas Igrejas).
Tanto
assim que os escribas e doutores da lei perguntaram: “Com que direito ou com
que autoridade você faz isso?” E Jesus respondeu: “Podem destruir esse templo e
eu construirei outro não feito pela mão humana”. E o evangelho de João
acrescenta que ele se referia ao templo do seu corpo ressuscitado (Cf. Jo 2,13 ss).
Com
essa visão de fé, os primeiros cristãos não tinham templos. Os Atos dos
Apóstolos contam que os apóstolos e discípulos iam ao templo de Jerusalém, mas
era para orar e não para oferecer sacrifícios que era o próprio do templo.
Embora
os cristãos tenham, muitas vezes, caído na tentação de sacralizar seus espaços
de oração e, hoje, o Cristianismo tenha basílicas e templos imensos e ricos, a
parte mais consciente dos cristãos sabe que suas igrejas são igrejas, isso é
simples locais para a reunião da assembleia (esse é o sentido original do termo
Igreja, assembleia) e não espaços sagrados e reservados a Deus como se fossem
sua casa. Hoje, nem as comunidades judaicas pensam em reconstruir o templo.
Reúnem-se em sinagogas (casas de reunião).
Ao
sabermos da inauguração desse novo templo de Salomão, o que podemos pedir a
Deus é que outras Igrejas não queiram construir templos para um Deus que não
quer santuários de pedra e sim que sejamos nós mesmos sinais vivos de sua
presença e vejamos todo o universo como seu templo.
Que a
construção desse novo templo em São Paulo não sirva para fazer o Brasil
regredir de país leigo e pluralista para uma neocristandade estreita que queira
dominar a política, não a serviço do povo e sim dos interesses de um grupo
religioso.
* Marcelo Barros, monge beneditino, é biblista de formação e atualmente coordenador latino-americano da Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo (ASETT). É assessor nacional das comunidades eclesiais de base e de movimentos populares. Tem se dedicado especialmente a estudar o pluralismo cultural e religioso e particularmente ao contato com as religiões de matriz afro-descendente. Publicou 44 livros no Brasil, alguns traduzidos em outros idiomas, além de vários livros coletivos, como a coleção “Pelos muitos caminhos de Deus”, sobre teologia pluralista da libertação.
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