O ''silêncio'' do Papa Francisco e a má consciência dos católicos neoconservadores
Massimo Faggioli
HuffingtonPost.it
11-08-2014
Massimo Faggioli - historiador italiano |
Cresce
em volume e em agressividade verbal, junto aos círculos neoconservadores
italianos e a renomados jornalistas de direita, a acusação contra o Papa
Francisco de estar silente ou aquiescente diante das perseguições de que os
cristãos (católicos ou não) e outras minorias religiosas no Iraque são objeto.
A
questão foi respondida eficazmente por um editorial da revista Famiglia
Cristiana [1], que lembra aos propagandistas da guerra preventiva de Bush o seu
silêncio e desprezo, em 2003, contra a advertência do Papa João Paulo II. Mas
há algo mais do que o silêncio dos neoconservadores de 11 anos atrás, e se trata de uma
questão que diz respeito a hoje.
De
fato, é evidente que o embaraço da Igreja Católica diante dos massacres no
Iraque é semelhante ao embaraço dos norte-americanos diante das convulsões
desse país "refundado" pela guerra desejada pela presidência
Bush-Cheney. Obama não pode responder pelos desastres provocados pelo governo
anterior. De maneira semelhante, o Papa Francisco não pode responder pelos
desastres provocados pelos grupos de pensamento e de pressão neoconservadores,
cuja ascensão deve ser enquadrada cronologicamente dentro do pontificado de
Bento XVI.
Os
católicos e os observadores dotados de memória e consciência podem (e, a meu
ver, devem) convidar ao silêncio e a um exame de consciência os acusadores do
"silêncio" do Papa Francisco sobre o Iraque. São círculos que
conseguiram impor, não poucas vezes, a Bento XVI as suas próprias manipulações
ideológicas sobre a questão do Islã: nem todos se esqueceram do opróbrio (do
ponto de vista litúrgico, acima de tudo) do batismo de Magdi Cristiano Allam,
em São Pedro, durante a vigília de Páscoa de 2008 [2].
Mas
seja o que for que o Papa Francisco pense do pontificado de Bento XVI, é
evidente que o papa eleito depois da renúncia do antecessor deve observar
medidas de cautela extraordinárias quando se trata da herança do pontificado
anterior. A Igreja Católica ainda está fazendo as contas com a transição de
2013.
Tende-se
a considerar o ato de renúncia de Bento XVI como um evento já ocorrido e,
portanto, no passado: na realidade, Bento XVI ainda está vivo, e aquela
renúncia de fevereiro 2013 ainda está acontecendo.
As
perseguições anticristãs e contra as minorias religiosas no Iraque e em muitos
outros países do Oriente Médio são a conta apresentada ao cristianismo pela
história de relações inter-religiosas complicadas. Já o haviam sido antes de
2003, e essa guerra as tornou ainda mais intratáveis.
O
aspecto trágico dessa prestação de contas é que quem está pagando a conta, de
forma direta, são aquelas minorias étnicas e religiosas que os neoconservadores italianos
queriam "libertar". Essa falsa consciência não deve surpreender. A
escola neoconservadora – mesmo a neoconservadora católica – é feita de
revolucionários, ex ou fracassados.
Como
disse Boris Pasternak mediante o seu alter ego, o Dr. Jivago, "aqueles que
inspiraram a revolução só são capazes de provocar convulsões. Não têm
capacidades reais, são sem qualidade. Eles derrubaram a velha ordem em poucas
horas ou poucos dias (…) e por décadas, desde então, por séculos, veneram como
sagrada aquela estreiteza de espírito que levou à sublevação".
Se há
um silêncio do Papa Francisco, certamente não é um silêncio sobre o que está
acontecendo no Oriente Médio. O silêncio do papa é um silêncio – repleto de
caridade, mas também de prudência – em relação aos ideólogos do catolicismo
neoconservador e à sua falsa consciência.
Traduzido
por Moisés Sbardelotto.
* Massimo Faggioli, historiador
italiano, professor de História do Cristianismo da University of St. Thomas, em
Minnesota, nos Estados Unidos.
N O T A S :
[1] Traduzindo: Família Cristã, revista de publicação semanal por parte dos padres paulinos italianos.
[2] Em 23 de março de 2008, domingo da ressureição recebeu o batismo das mãos do Papa Bento XVI na Vigília Pascal. Adotou o nome cristão de Magdi Cristiano Allam. Nascido no Cairo, estudou em uma escola dos salesianos em que muitos professores eram italianos. Em 1972 imigrou para a Itália. Licenciou-se em sociologia na Universidade La Sapienza de Roma, e se ocupa de temas relacionados com o Oriente Médio e suas relações com o Ocidente. Trabalhou nos jornais Il Manifiesto e La Repubblica. Atualmente é subdiretor do diário italiano Corriere della Sera (Fonte: clique aqui).
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