4º Domingo da Páscoa – Ano C – Homilia
Evangelho: João 10,27-30
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Ninguém arranca o povo das mãos
de Jesus
Sempre que Jesus, o filho de Deus, e o próprio Deus, está no templo de Jerusalém, o lugar mais santo da terra, o lugar mais sagrado de Jerusalém, o lugar onde se acreditava que o próprio Deus se fizesse presente, bem, toda vez que Jesus está no templo é sempre uma situação de conflito. Na passagem que veremos, é a última vez que Jesus se encontrará no templo, no santuário de Jerusalém, e desta vez, inclusive, tentarão apedrejá-lo.
Vamos ver o que aconteceu. Devemos inserir esses poucos
versículos da liturgia de hoje no contexto mais amplo em que o
evangelista os coloca. É uma das festas mais importantes de Israel, a Festa
da Dedicação, ou seja, a reinauguração do templo, feita por Judas, o
Macabeu, em 165 a.C. [cf.: 1Mc 4,36]. Para a ocasião, um enorme castiçal
foi aceso e foi chamado de festival das luzes. Claramente, há um conflito
entre esta festa das luzes e Jesus que se apresenta como a LUZ DO MUNDO.
Ele já havia dito isso.
De fato, quando Jesus entra no templo é imediatamente cercado
pelas autoridades que, literalmente, lhe perguntam: “Até
quando tu tirarás a nossa vida?” (Jo 10,24).
A missão de Jesus de devolver a vida ao povo, significa tirá-la das
autoridades que dominam este povo.
Bem, desta vez Jesus dirigiu palavras muito severas às
autoridades religiosas, os representantes de Deus. Jesus diz: “Vós,
porém, não credes, porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10,26). Jesus se
apresentou como o verdadeiro pastor enviado por Deus para reunir o povo,
o rebanho, mas Jesus diz que há alguns que não fazem parte desse rebanho.
Precisamente as autoridades religiosas, os líderes espirituais, aqueles que acreditavam, por direito, estar mais próximos de Deus, Jesus diz que estão excluídas. E, aqui, estão os versículos que a liturgia deste domingo nos apresenta.
João 10,27a:** «Minhas ovelhas
ouvem a minha voz.»
Jesus diz: “Minhas ovelhas”, então Jesus enfatiza mais
uma vez que as ovelhas são suas, ele é o verdadeiro pastor, porque o
pastor é aquele que dá a vida pelas suas próprias ovelhas. “Minhas ovelhas
ouvem a minha voz.” A voz de Jesus, que é a voz de Deus, é a
resposta de Deus à necessidade de plenitude de vida que cada pessoa carrega
dentro de si.
O que caracteriza a voz de Jesus é que a mensagem de amor não é imposta, mas oferecida, simplesmente proposta.
João 10,27b: «Eu as conheço e elas me seguem.»
O uso do verbo “conhecer” é importante nesta passagem. Indica um conhecimento verdadeiramente íntimo e profundo de suas ovelhas. “E elas me seguem.” Elas o seguem porque encontram em Jesus a resposta ao seu ideal de vida, algo que os líderes religiosos não encontram, porque Jesus havia dito: “mesmo que não queirais crer em mim, crede nas minhas obras” (Jo 10,38). Mas eles não podem acreditar nessas obras porque as obras de Jesus são todas destinadas a restaurar a vida das pessoas. E são eles que, justamente, sufocam esta vida.
João 10,28a: «Eu dou a elas a vida eterna.»
E Jesus continua: “Eu dou a elas a vida eterna”. Este é um tema caro ao evangelista. A vida eterna não é um mérito, mas é um dom de Deus e é chamada eterna não tanto por sua duração indefinida, mas pela qualidade, que é indestrutível.
João 10,28b: «Elas nunca se perderão e ninguém vai arrancá-las da minha
mão.»
Aqui, Jesus faz uma advertência muito severa, muito clara para as autoridades religiosas não tentarem arrebatar essas ovelhas da sua mão. Ele será o pastor que dará a vida pelas suas ovelhas.
João 10,29: «Meu Pai, que as deu a mim, é maior do que todos, e ninguém
pode arrancá-las da mão do Pai.»
Este é um versículo um tanto difícil e complexo. Existem
cinco variantes porque o problema é entender o que é maior, o pai ou o
rebanho? O sentido, o significado, basicamente não muda. Propomos a versão
em que o que é maior, mais importante é o REBANHO, que o Pai deu ao
filho. Portanto, o Pai deu este povo a Jesus, este é o maior presente que
ele poderia lhe dar. E, se antes, Jesus havia falado da mão dele, que
ninguém pode arrancar as ovelhas da sua mão, agora, ele vem dizer: “e
ninguém pode arrancá-las da mão do Pai”. Portanto, não se pode
distinguir entre Jesus e Deus como faziam as autoridades religiosas. Deus
e Jesus são o mesmo.
E o rebanho está na mão de Jesus que é a mão do Pai. E que ninguém tente roubar este rebanho novamente como as autoridades fizeram.
João 10,30: «Eu e o Pai somos um.»
E aqui está a sentença que será fatal para ele, a blasfêmia,
logo após a qual será desencadeada a ação de linchamento e apedrejamento de
Jesus. Jesus diz: “Eu e o Pai somos um”. Um no simbolismo bíblico
é o número que indica a divindade. Ou seja, Jesus está dizendo que ele é
Deus, assim como o Pai é Deus: “Eu e o Pai somos um”. Isso é uma
blasfêmia insuportável.
Aqui, o evangelista concretiza o que havia escrito no início
de seu evangelho, no prólogo, quando disse que ninguém jamais viu Deus,
somente o filho é sua revelação.
Jesus não é um enviado de Deus, Jesus não é um profeta de Deus,
Jesus é a manifestação visível e terrena do que Deus é.
E é por isso que Jesus diz: “Eu e o Pai somos um”.
Bem, depois disso, todo o inferno acontece. O evangelista escreverá que as autoridades,
os líderes, pegarão pedras para apedrejá-lo e dirão o motivo: “Não queremos
apedrejar-te por uma boa obra, mas por causa da blasfêmia, pois tu, sendo
apenas homem, te fazes Deus” (Jo 10,33).
Aquilo que era o plano de Deus para a humanidade, para que cada criatura se tornasse seu filho e tivesse sua própria vida divina, para as autoridades religiosas que tinham que dar a conhecer esse plano ao povo, era na verdade uma blasfêmia a ser punida com a morte.
*
Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 3. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2019.
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Entre
vós não seja assim. Quem quiser ser o maior, no meio de vós, seja aquele que
vos serve, e quem quiser ser o primeiro, no meio de vós, seja o servo de todos.”
(Jesus
Cristo: Mc 10,43-44)
Quantos não tentam, ainda hoje, arrancar o rebanho, arrancar o povo das mãos de Deus, das mãos de Jesus?!!! Quantos não tentam se fazer passar por santos, bons e protetores pastores do rebanho, mas não são mais do que lobos vorazes, desejando alimentar-se, enriquecer-se, ganhar poder e fama às custas do rebanho, do povo que deveriam proteger e bem pastorear!!!
Mais do que nunca, é bom repetir: O povo é de Jesus! Foi Deus, o Pai, quem lhe deu e não deixará ninguém lhe arrancar este presente! Os falsos pastores, os exploradores do povo tentam controlá-lo mediante o MEDO, mediante a AMEAÇA DA CONDENAÇÃO ETERNA. É irônico isso, pois Jesus deixa bem claro, no evangelho deste domingo, que aquilo que lhe distingue e lhe certifica como um BOM PASTOR de suas ovelhas é o fato de dar “a elas a vida eterna” (Jo 10,28a). Jesus é o dom maior de AMOR de Deus à humanidade, não o algoz divino que vem realizar um castigo para os seres humanos!
Não é de hoje que alguns
seres humanos buscam apossar-se daquilo que é de Deus! Alguns profetas
do Antigo Testamento já haviam chamado a atenção, por exemplo:
“Ai dos pastores de Israel, que se
apascentam a si mesmos! Acaso os pastores não devem apascentar as ovelhas?” (Ez
34,2b).
Por isso, Deus mesmo lhes
ameaça:
“Eu mesmo me ponho contra os pastores.
Vou reclamar deles as minhas ovelhas e lhes cassar o ofício de pastor” (Ez
34,10).
O modelo de relação que Jesus propõe entre ele e seus discípulos, portanto, entre ele e a sua Igreja, baseia-se em três verbos que surgem no texto do Evangelho:
1º) Escutar/ouvir
(grego: akoúo): os verdadeiros discípulos de Jesus escutam o seu pastor!
E “escutar” tem o sentido de interessar-se vivamente por aquilo que o pastor
diz e obedecer ao àquilo que se escuta (cf.: Jo 10,3.16.27).
2º) Conhecer
(grego: guinôskô): indicando uma relação de mútua compreensão e
aceitação: pastor – ovelhas (cf.: Jo 10,27b).
3º) Seguir (grego: akolouthéo): é o seguimento que “define a forma de vida do discípulo, o qual se fia em Jesus (cf.: Jo 10,27), deixa tudo por ele, identificando a sua vida com a do pastor, assim como o pastor identifica a sua com a daqueles que pastoreia” (M. Hengel).
Concluamos com uma bela
síntese que J. M. Castillo faz do evangelho de
hoje:
«Jesus se faz presente onde se
oferece um modelo alternativo na relação líderes e comunidade. Quando
todos eles se fundem na unidade, então, a Igreja oferece a possibilidade
de um mundo que nos possa seduzir. O mundo que tanto necessitamos.»
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Pedimos-te,
Senhor, de manifestar-te a cada um de nós, como o Bom Pastor, que na força da
Páscoa reconstitui, reanima os teus, com toda a delicadeza da tua presença, com
toda a força do teu Espírito. Pedimos-te para abrir os nossos olhos, para que
possamos conhecer como tu nos guias, sustenta a nossa vontade de seguir-te em
todos os lugares que nos conduzirdes. Concede-nos a graça de não sermos
arrancados das tuas mãos de Bom Pastor e não estar à mercê do mal que nos
ameaça, das divisões que se escondem no interior do nosso coração. Tu, ó
Cristo, és o Pastor, o nosso guia, o nosso exemplo, o nosso conforto, o nosso
irmão. Amém!»
(Cosimo
Pagliara, O.Carm. 3ª Domenica di Pasqua.In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura
di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui vangeli festivi.
Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 266)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – IV Domenica di Pasqua – 12 maggio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 04/05/2022).
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