É mais grave do que se pensa
Na Amazônia já existem áreas que produzem mais carbono do que o absorvem
Entrevista
com Luciana Gatti
Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
“Na
Amazônia, a realidade é pior do que disse o IPCC”, conta cientista do INPE responsável
pelo estudo de nove anos sobre a Floresta Amazônica
LUCIANA GATTI |
Foram nove anos dedicados a esse estudo – com uma depressão, como consequência, para sua autora. “A Amazônia é como um ser gigantesco, de uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma saída para o dano que estamos fazendo nela. Quando eu vi que não, isso me baqueou”, diz Luciana nesta entrevista ao Estadão.
Como você avalia os
resultados do IPCC em relação a seu trabalho? Ele não fez parte do relatório?
Luciana Gatti: O início do trabalho está lá. É uma série de nove anos, e a primeira parte, 2010 e 2011, está lá. Naquele momento, não dava para concluir nada porque um ano foi completamente diferente do outro. Em 2010, foi um ano de El Niño, muito quente, muito seco, com muita queimada e a emissão de carbono foi enorme. A gente esperava, como todo mundo, que a Amazônia fosse um sumidouro de carbono. Naquela época, achamos que 2011 não foi porque estava se curando do 2010 dramático. Aí veio o resultado de 2012, 2013 também. E 2014, mais ainda. Em 2017, eu apresentei pela primeira vez esse trabalho. Na época, eu estava deprimida por ver que a Amazônia é realmente uma fonte de carbono e isso foi muito pesado para mim, passei um tempo deprimida.
Deprimida
clinicamente?
Luciana Gatti: Sim. Ver que a Amazônia está emitindo mais do que absorvendo é notícia terrível. Ela está em mudança e uma mudança séria. Isso foi em 2016.
Como isso a
surpreendeu?
Luciana Gatti: Em 2014, meu primeiro movimento foi questionar o nosso método. Comecei a pensar que havia algo errado. Investi anos em melhorar isso. Desenvolvi sete métodos diferentes. O que usamos, o sétimo, é super sofisticado, validado. Foram dois anos de trabalho até publicarmos esse método. É muita responsabilidade você dizer ao mundo que a Amazônia está emitindo mais carbono do que absorvendo. Eu não me sentiria confortável em dizer se não tivesse 100% de certeza.
A que você atribui
essa reação tão forte?
Luciana
Gatti: Tenho uma relação muito forte com a natureza. A Amazônia é
como um ser gigantesco, uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza
toda fosse capaz de achar uma saída para o dano que lhe estamos fazendo.
Quando vi que não, isso me baqueou. Do ponto de vista científico, a Amazônia,
hoje se acredita, está compensando uma quantidade muito grande do quanto a
humanidade está emitindo de CO² na atmosfera. Então, não só não tê-la
ajudando como vê-la contribuindo (para emitir mais CO²)... significa que a
realidade é pior do que o que o IPCC disse. Cerca de 86% das emissões
mundiais vêm da queima de combustível fóssil e 14% das mudanças do uso da terra
e floresta. Se imagina que a Amazônia está contribuindo com 20% de toda a
remoção que é feita na parte continental. Só que não...
Quando digo que a Amazônia está
emitindo mais do que absorvendo, não falo só da floresta, mas de tudo o que
está acontecendo lá.
Quem está emitindo são DESMATAMENTO e QUEIMADAS.
As emissões dessas duas são três vezes maiores que a absorção que a floresta
está fazendo.
A Amazônia ainda remove carbono da atmosfera, mas muito menos do que se acreditava.
O que isso significa?
Luciana Gatti: A média, em nove anos, foi de 130 milhões de toneladas de carbono. Mas desmatamento e queimadas emitem cerca de três vezes esse valor, 410 toneladas. A Amazônia está jogando na atmosfera 290 milhões de toneladas de carbono por ano. Quando eu falo carbono é só carbono, não CO². No balanço (entre emissões e absorção de CO²), o total é de 1,06 bilhão de toneladas de dióxido de carbono lançados por ano. Das emissões (totais), 1,51 bilhão vem de queimadas. A floresta consegue remover 30% desse valor. Essa é a Amazônia total. A parte brasileira, sozinha, é bem pior.
Quais são as regiões
mais afetadas por esse problema?
Luciana Gatti: Uma coisa que nos intrigava é: por que temos áreas com resultados tão diferentes? Nesses nove anos calculamos mês a mês e as correlações só eram fortes para emissões de queimadas. Queríamos entender por que certas regiões funcionavam de forma tão diferente das outras. Aí resolvemos estudar 40 anos de temperatura e precipitações por mês. E também estudei as áreas desmatadas. Aí consegui ver que na média anual as coisas não estão mudando tanto, mas quando você vê determinadas épocas do ano... o impacto é gigante.
Pode dar exemplos?
Luciana
Gatti: Descobri que as áreas mais desmatadas haviam sofrido maior
mudança na precipitação e na temperatura, principalmente a estação seca
(agosto, setembro e outubro). Aí você pega Santarém com 37% de
desmatamento, até na média anual essa região perdeu 9% de chuva. Só
que em agosto, setembro e outubro perdeu 34% de chuva. Um terço de chuva a
menos ao longo de 40 anos. E aumentou 1,9ºC a temperatura. Isso é a
região nordeste da Amazônia. Quando vai para a região sudeste da floresta, com
28% de desmatamento, perdeu 24% de chuva nesses meses de agosto, setembro e
outubro. Só que o aumento de temperatura foi maior ainda: 2,5º C. E se olhar só
agosto e setembro: 3,1º C de aumento em 40 anos.
Agora imagina uma árvore típica de uma floresta tropical úmida, uma árvore com abundância de água e temperaturas amenas.
Que providência
poderia ser tomada nessa situação?
Luciana Gatti: Se a gente conseguir proibir queimada e desmatamento no ano que vem, a Amazônia vai remover mais carbono do que emitir. Então, já vai conseguir se recuperar um pouco. Se ainda fizer projetos de reflorestamento ainda mais. Veja que esse processo está acontecendo na parte leste da Amazônia que tem área, em média, 30% desmatada. O que nosso estudo está mostrando? Que com 30% desmatado a Amazônia é mais fonte do que sumidouro.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Sustentabilidade – Domingo, 22 de agosto de 2021 – Pág. A18 – Internet: clique aqui (Acesso em: 27/08/2021).
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