O Sínodo 2014 foi apenas o começo
John L. Allen
Jr.
Crux
20-10-2014
Papa Francisco conversa com participantes do Sínodo |
Agora que a poeira está começando a baixar, os significados
das conclusões do tumultuado Sínodo dos Bispos sobre a família também começam a
aparecer. Dadas as claras divisões que se apresentaram durante o evento, não
deveria nos surpreender que as interpretações estejam sendo as mais variadas
possíveis.
Para alguns, o resultado foi uma derrota do Papa Francisco e
da linha mais aberta que se percebe ele representar sobre questões tais como as
das pessoas homossexuais, do divórcio e do matrimônio. Para outros, até mesmo a
linguagem atenuada sobre estes assuntos no documento final do Sínodo representa
um divisor de águas, mesmo se, como disse o cardeal Vincent Nichols (de Westminster,
Inglaterra), estes “não foram suficientemente longe”.
Aqueles que são a favor da permissão para católicos
divorciados e casados novamente no civil de receberem a Comunhão podem
reivindicar um avanço neste sentido, dado que os documentos anteriores do
Vaticano tinham fechado esta porta por completo.
Alguns acreditam que o encontro de duas semanas, com os
conservadores reclamando de uma conspiração para abafar suas vozes e com os
progressistas se queixando sobre a falta de coragem, sugere que o Papa
Francisco tenha saído perdendo.
“Eu não acho que ele foi um grande estrategista”, um cardeal
contou ao Crux no último sábado. “Antes eu pensava que havia um plano por
debaixo do caos (...) Agora fico me perguntando se não será o caos o próprio
plano”.
Outros acreditam que este Sínodo foi início da abertura da
visão papal para o futuro. Ele agora sabe em que pé se encontram os bispos do
mundo, o que eles dizem e, talvez, o que ele precisa fazer para trazê-los junto
de si.
Além de todas estas opiniões contrastantes, eis aqui três
conclusões sobre o Sínodo dos Bispos 2014 que me parecem razoavelmente
objetivas.
[1ª] Este não é o fim, mas apenas o começo. Na verdade, o Sínodo
foi projetado para não fazer outra coisa senão preparar a agenda de um Sínodo
dos Bispos maior sobre a família convocado pelo Papa Francisco a se realizar em
outubro de 2015.
Cardeal Raymond Burke |
É por isso que as conversas no sábado à noite sobre se os
bispos “rejeitaram” os dois parágrafos do documento final ao não conseguirem
dois terços dos votos – um sobre as pessoas homossexuais e outros sobre o
divórcio e o matrimônio –, foram um erro categórico. Na realidade, o propósito
deste encontro não era “aceitar” ou “rejeitar” coisa alguma.
Entre o presente momento e o próximo ano, Francisco
provavelmente fará alguns movimentos importantes em seu pessoal, mudanças que
podem alterar o caráter do próximo grupo que ele reunirá. Por um lado, é
provável que o cardeal americano Raymond Burke, que emergiu como o líder das
forças conservadores durante o Sínodo, não esteja no encontro do próximo ano
porque ele está prestes a ser substituído como chefe do Superior Tribunal
vaticano.
Também é possível que o cardeal alemão Gerhard Müller, outra
voz conservadora de peso no Sínodo, não mais esteja chefiando o principal
escritório doutrinal do Vaticano em outubro de 2015. Dependendo de quem assumir
[o posto de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé], isto também poderá
alterar a química do próximo Sínodo.
Na verdade, se os planos do papa de simplificar o Vaticano
ao eliminar ou consolidar alguns de seus departamentos estiverem em curso,
poderá haver menos autoridades romanas no encontro de 2015.
Cardeal Gerhard Müller |
Nesse mesmo sentido, o cardeal emérito alemão Walter Kasper,
o principal protagonista da linha tolerante à Comunhão para os divorciados e
recasados, se fez presente neste sínodo só por causa de um convite papal
especial, e não há garantias de que ele estará de volta, principalmente após a
polêmica criada por ter dito que os africanos “não deveriam estar nos dizendo o
que fazer”.
Da parte dos bispos africanos, estes ficaram surpresos
quando nenhum deles fora nomeado para a comissão de elaboração do documento
final, e provavelmente eles não irão esperar chegar a Roma da próxima vez antes
de deixar claro que esperam ter um lugar na mesa desde o início dos trabalhos.
Noutras palavras, não devemos supor que, ao colocar as
mesmas interrogações no Sínodo do próximo ano, Francisco vá receber as mesmas
respostas. O Sínodo 2015 não será um retrocesso, e sim um avanço.
[2ª] O Sínodo 2014 marcou uma grande vitória da transparência.
Aqui, aqueles prelados do lado conservador dos debates sinodais podem
reivindicar a maioria dos créditos.
Cardeal Lorenzo Baldisseri |
No começo, o cardeal italiano Lorenzo Baldisseri, secretário
geral do Sínodo, anunciou que os textos das falas dos prelados não seriam
divulgados e que os porta-vozes do Vaticano dariam somente impressões gerais à
imprensa sem citar os nomes dos oradores. Isto levou a uma enxurrada de
protestos por parte dos conservadores, que suspeitaram de uma campanha para
abafar as críticas da linha mais liberal defendida por algumas figuras-chave no
encontro.
O descontentamento veio a público na última segunda-feira quando
um relatório provisório continha uma linguagem marcadamente positiva sobre as
pessoas homossexuais, sobre viver junto fora do casamento e sobre o divórcio.
Os conservadores se opuseram, e com razão, dizendo que que o relatório estava
sendo considerado como contendo as conclusões de todo o Sínodo, quando nem
todos concordavam com elas.
Daqui em diante, as coisas se tornaram mais abertas.
Baldisseri se obrigou a tornar público todos os relatórios internos dos 10
pequenos grupos (os círculos menores) durante o Sínodo, e no fim Francisco
decidiu publicar não só o documento final sinodal, mas também os totais de
votos para cada parágrafo – e em tempo recorde.
Parece provável que o próximo Sínodo vá ser bem mais
transparente desde o início, porque ninguém irá querer passar por isso
novamente.
(Para constar: também é uma aposta segura dizer que alguns
prelados podem, discretamente, sugerir ao Papa Francisco que considere
encontrar um outro trabalho para Baldisseri, que deixou muitas pessoas
desapontadas com o seu desempenho.)
[3ª] O Papa Francisco não recua nos momentos importantes. O
pontífice fez um discurso no final do Sínodo que todos, praticamente, concordam
estar entre os melhores de seu papado. [Para ler este discurso, clique aqui.]
Ele apresentou a visão de um pontífice moderado, exortando a
Igreja a afastar-se tanto de uma “rigidez hostil” quanto de uma “falsa
misericórdia”. Atraiu muitíssimos aplausos, inclusive dos prelados que, pouco
antes, estavam em grande desacordo entre si.
Com efeito, este foi o tipo de discurso com que tanto um Raymond
Burke quanto um Walter Kasper poderiam ir embora se sentindo como se o papa os
entendesse, e pareceu permitir terminar com bons fluídos aquilo que foi, em
princípio, uma semana desgastante.
Por mais puro que este momento tenha sido, ele pode empalidecer-se
em comparação com os desafios de manter a Igreja unida na medida em que as
coisas avançam.
No sábado à noite, o Papa Francisco simplesmente teve que se
preocupar em suavizar os sentimentos na sequência de um debate acidentado de
duas semanas de duração e que não resolvia, na realidade, coisa alguma. Na
próxima vez, não será suficiente apenas agradecer os bispos por falarem
abertamente, porque os participantes estarão esperando que ele – o papa – tome
algumas decisões.
Por enquanto, o apelo do papa à “unidade e harmonia” pareceu
ressoar, mas a questão é se as pessoas ainda estarão inclinadas a abraçar este
apelo quando ele parar de colecionar conselhos e começar a agir.
Traduzido do
inglês por Isaque Gomes Correa.
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