SÍNODO SOBRE A FAMÍLIA: ACOLHIDA AOS GAYS E DIVORCIADOS
Igreja busca
acolher gays e comunhão de divorciados
Adriana Ferraz
e Marcelo Godoy
Texto preliminar do
Sínodo destaca que não se trata de abdicar da doutrina sobre a família, mas
admite que os homossexuais têm “qualidades a oferecer” e os católicos que se
separaram não podem ser discriminados, mas convidados a participar da
Eucaristia
Papa Francisco durante o Sínodo sobre a Família |
Pela primeira vez, o
Vaticano sinaliza que a Igreja pretende "garantir um espaço de
fraternidade em sua comunidade" aos gays e rever o veto à comunhão
existente hoje para os divorciados. Em uma mudança clara, segundo teólogos,
de tom, onde a condenação passa a dar
lugar à conciliação e à acolhida, o texto diz que os homossexuais têm
"dons e qualidades a oferecer" e que os católicos que se separaram
não podem ser discriminados, mas convidados a participar da Eucaristia.
Ainda preliminar, o
documento divulgado ontem resume os debates ocorridos ao longo do Sínodo da
Família, encontro iniciado há uma semana com a participação de 200 bispos,
e atende ao pedido feito pelo papa Francisco de discutir abertamente assuntos
controversos para a Igreja. Ao mesmo em que acena com a mudança, o texto
assinado pelo cardeal húngaro Péter Erdö,
relator do Sínodo, reafirma a oposição
ao casamento gay e ao uso de métodos contraceptivos, conforme definido pela
encíclica Humanae Vitae.
Os temas polêmicos tratados durante o encontro deverão ser
levados às comunidades com uma série de questionamentos. Em relação aos homossexuais, a pergunta principal é como a Igreja deve aceitar o desafio de
encontrar um espaço fraternal para eles sem abdicar da doutrina católica sobre
família e matrimônio.
Se a conclusão for positiva, o acolhimento deve ser
estendido às crianças que vivem com casais do mesmo sexo. Mas Erdö alerta que
em primeiro lugar deve estar sempre as necessidades e os direitos das crianças.
Sobre a participação de casais gays na comunidade católica,
o texto do cardeal Erdö - especialista em lei canônica - afirma que, "sem
negar o problema moral ligado à união homossexual", é preciso tomar
consciência de que há casos em que o sustento mútuo (desenvolvido dentro do
relacionamento) até o sacrifício se constitui "um apoio valioso para a
vida dos parceiros".
Para o padre José
Oscar Beozzo, que também é historiador, a publicação indica que a Igreja pode assumir uma postura mais pastoral.
"Há uma infinidade de situações em que se deve optar pela misericórdia,
pelo acolhimento e pelo cuidado com as pessoas. É o que o papa tem nos
ensinado. Temos de estar abertos a
compreender o que está acontecendo e não simplesmente condenar",
afirma.
Divórcio
Apesar de não estipular novas regras, ao menos por enquanto,
o documento preliminar do Sínodo revela
uma disposição da Igreja em alterar a forma de tratar católicos que se
divorciaram. Entre as propostas em estudo está a descentralização dos
processos de nulidade matrimonial. Hoje, a decisão final sobre esses casos é
tomada por Roma e costuma demorar. A ideia agora, defendida por parte das
autoridades, é delegar essa tarefa a bispos diocesanos, mais próximos dos
envolvidos.
Uma das propostas analisadas diz que "seria necessário considerar a possibilidade de dar importância à
fé dos noivos para determinar a validade do sacramento do matrimônio".
Além de acelerar a dissolução dos casamentos, evitando o
divórcio, é cogitado também iniciar o acolhimento a casais que não são casados
nem na Igreja nem na esfera cível e autorizar pessoas já separadas a voltar a
receber a Eucaristia - hoje, ela é vetada aos divorciados. Em outra proposta,
mesmo pessoas no segundo casamento poderiam ter essa chance, desde que acompanhadas
de perto pela comunidade após cumprir uma etapa penitencial sob
responsabilidade de um bispo.
"O que foi divulgado é quase um rascunho, mas revela
avanços. A Igreja está propondo um formato novo, de acolhimento sem
preconceito, tanto para o gay como para o divorciado. Nesse caso, a mudança
deve ser grande. Há milhares de católicos divorciados aguardando por essa
oportunidade. Afinal, não é possível
fazer da comunhão um sacramento de desunião", diz o teólogo Fernando Altemeyer.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Metrópole/Religião – Terça-feira, 14 de outubro de 2014 – Pg. A15 –
Internet: clique aqui.
Igreja começa
a olhar o mundo sem focar na doutrina
Francisco B.
Ribeiro Neto
Coordenador do Núcleo Fé e Cultura (PUC-SP)
Até este Sínodo sobre a família, o objetivo básico das
reflexões do Vaticano sobre o tema era deixar claro quais eram os valores que
deviam ser preservados na família. Basicamente, o amor gratuito e o dom de si
ao outro, em oposição ao individualismo e ao utilitarismo dominantes na
sociedade.
O rigor normativo, que agrada a poucos e entristece muitos, era justificado por sua função pedagógica. Normas claras, valores precisos - e a interpretação e aplicação dos preceitos bíblicos fundamentais - se orientavam nesse sentido.
Agora, percebe-se que esse enfoque não está adequado. Uma excessiva
preocupação doutrinal
ofuscou os próprios valores que se buscava preservar. O novo enfoque se
preocupa mais em demonstrar do que em justificar esses valores. Com isso, a Igreja obriga-se a olhar o mundo a partir
desse amor, perguntando-se se ele chega às pessoas e como se manifesta em suas
relações.
Não se nega os valores, o relatório é claro nisso, mas se
muda o enfoque de sua aplicação. A proposta não é tão nova assim, mas o caminho
é longo e delicado, exige coragem e abertura para o novo, respeito e
valorização da tradição. A Igreja sempre
avança por sínteses entre o velho e o novo. Parece que o momento é adequado para uma nova síntese com relação à
família.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Metrópole/Religião – Terça-feira, 14 de outubro de 2014 – Pg. A15 – Internet: clique aqui.
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