SÍNODO DOS BISPOS: ABERTURAS E REAÇÕES...
As reações da
frente conservadora sobre matrimônio e sexualidade
Massimo
Faggioli
TheHuffingtonPost.it
15-10-2014
Na Igreja de hoje,
todo mínimo desvio da linha oficial coagulada pelos 30 anos de
Wojtyla-Ratzinger levanta reações escandalizadas de violada ortodoxia.
Wilfrid Fox Napier - Cardeal-arcebispo de Durban (África do Sul) |
O
"esclarecimento" sobre o relatório de segunda-feira
A coletiva de imprensa de terça-feira começou com um "esclarecimento" do cardeal
Baldisseri, lido pelo padre Lombardi, sobre o fato de que o relatório lido no
Sínodo na segunda-feira de manhã pelo cardeal
Erdö é um "instrumento de
trabalho" provisório e não um texto definitivo: claro sinal da reação
da frente conservadora no Sínodo, já na segunda-feira, diante de um texto, o do
cardeal húngaro, que apresenta ênfases novas, mas não propõe soluções radicais
sobre nenhum dos temas candentes; que reconhece o fim do controle total e
exclusivo da Igreja sobre o matrimônio e a sexualidade, mas não propõe novos
ensinamentos doutrinais.
Mas, na Igreja de hoje, todo mínimo desvio da linha oficial
coagulada pelos 30 anos de Wojtyla-Ratzinger
levanta reações escandalizadas de violada ortodoxia. Também por isso a coletiva
de imprensa com os cardeais Napier
(África do Sul) e Filoni (prefeito
da Congregação da Cúria Romana para a Evangelização dos Povos) foi a mais tensa
e nervosa de todas as vistas até agora.
O cardeal sul-africano distanciou-se do texto de Erdö de
modo claro, deixando entrever uma divisão dentro da frente conservadora
liderada pelos cardeais Burke e Müller
– e parando a poucos centímetros antes de acusar o Pe. Lombardi e o papa de
manipularem o Sínodo.
Reinhard Marx - Cardeal-Arcebispo de Munique (Alemanha) |
Alemanha
e Estados Unidos
Os alinhamentos teológico-culturais no Sínodo são
transversais às nacionalidades, mas as nationes
sempre desempenharam um papel nos concílios e nos sínodos da Igreja Católica,
desde que as nações existem (começando pelas europeias no fim da Idade Média).
No Concílio Vaticano II, há 50 anos, na discussão do
documento mais próximo do assunto em discussão hoje, isto é, a constituição
sobre a Igreja no mundo moderno, Gaudium
et spes, os bispos e teólogos alemães (já havia o jovem Ratzinger) estavam
céticos sobre um documento tão aberto à modernidade, enquanto os
norte-americanos eram mais favoráveis.
No Sínodo de 2014, as
partes se inverteram: os alemães estão atrás de Francisco para uma evolução da
práxis pastoral sobre matrimônio e homossexuais na Igreja (o cardeal Marx
publicou na terça-feira uma declaração de satisfação com o trabalho
desenvolvido), enquanto os
norte-americanos são contrários a qualquer mudança.
Mais do que a teologia conseguiu nos Estados Unidos da América,
o impacto do reaganismo [ideologia formada a partir do governo do
Presidente Ronald Reagan] e da
direita conservadora no mundo católico: os bispos europeus também foram
todos nomeados por João Paulo II e Bento XVI nos últimos 35 anos, mas o cenário é muito mais plural e menos
ideologizado do que o norte-americano.
Ativistas
ou jornalistas?
Debate-se muito – especialmente por parte da frente
conservadora – sobre o papel da imprensa no Sínodo, acusada de exagerar ou de
ver novidades mesmo quando elas não existem. Ninguém inverte o discurso e tenta entender que tipo de imprensa
gostariam os bispos e cardeais abertamente contrários ao Papa Francisco.
De fato, ninguém parece ter notado como o papel da imprensa
verdadeira no Sínodo é acompanhado, se não em certos casos obscurecido, pelo
dos ativistas. Uma das coisas surpreendentes (para dizer o mínimo) da coletiva
de imprensa de terça-feira foi ver o
enorme espaço dado, na própria coletiva de imprensa, a jornalistas-ativistas
norte-americanos, como os da iniciativa Voice
of the Family.
Esses
jornalistas-ativistas incitaram abertamente o cardeal Napier na coletiva de
imprensa (e nestes dias sabe-se lá quantos outros membros do Sínodo) a uma aberta rebelião contra o Sínodo, a relatio [o relatório de trabalho] e a sua gestão. Isso diz muito sobre
um fenômeno importante que está vindo à tona com o pontificado do Papa
Francisco: no mundo anglo-saxônico
especialmente, nas últimas duas décadas, uma geração de cristãos conservadores
(muito mais consistente do que os "ateus devotos" italianos) se aproximou da Igreja de Roma como o
último refúgio do pensamento conservador.
O Papa Francisco
colocou novamente em discussão tudo isso: é compreensível que muitos
convertidos ao catolicismo neoconservador (tanto política quanto
teologicamente) devem se convencer que
não está mudando nada com esse paradigma.
É menos compreensível que personagens como Michael Voris, agitador profissional da
Church Militant TV, que recentemente
acusou o cardeal Dolan, de New York,
de ser "um bispo diabólico nas garras do diabo" por ter admitido os
gays na parada de St. Patrick, sejam
convidados para desviar as coletivas de imprensa do Sínodo dos bispos no
Vaticano.
Traduzido por
Moisés Sbardelotto.
Fonte: Instituto
Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 16 de outubro de 2014 –
Internet: clique aqui.
Uma porta
aberta para todos e proximidade aos divorciados
Entrevista
com Víctor Manuel Fernández
Gian Guido
Vecchi
"Não, pelo que eu
o conheço, não acho que o Santo Padre esteja preocupado. Ele sabe que as coisas
amadurecem ao seu tempo..."
Víctor Manuel Fernández - Arcebispo e Reitor da Universidade Católica Argentina (UCA) |
O arcebispo Víctor Manuel Fernández, de
52 anos, sorri serenamente na entrada do Sínodo. Reitor da Universidade Católica Argentina, é um teólogo e
colaborador de Bergoglio desde os tempos de Buenos Aires. Francisco o nomeou
para a comissão que vai escrever o relatório final.
Eis a entrevista.
Como o senhor vê a situação?
Victor M. Fernández:
O papa gosta que se fale com sinceridade. Um dos seus princípios é que "o tempo é superior ao espaço".
Aquilo que agora não se pode ver com clareza se verá melhor depois. O essencial é que os processos comecem,
caso contrário não se chega nunca.
E então, excelência?
Victor M. Fernández:
Talvez algumas coisas amadurecerão no Sínodo de 2015, talvez nem lá. Mas
algumas surgiram já agora com um consenso bastante importante.
Emerge uma ideia de Igreja que
"escuta" o presente e as suas feridas...
Victor M. Fernández:
Sim, a ideia central de que a Igreja é uma família com a porta sempre aberta a
todos e devem ser buscados os caminhos para que todos se sintam acolhidos,
apesar dos seus problemas. Eu diria que é uma consciência geral. Podem ser poucos, cinco ou seis, aqueles
que insistem para que as coisas nunca mudem. Além disso, por exemplo,
ninguém pode dizer que se queira tirar a doutrina da indissolubilidade.
É uma objeção clássica...
Victor M. Fernández:
Mas nós sabemos como é grande e belo o valor do matrimônio, todos nós
concordamos! Estamos falando de outra
coisa: de estar perto de quem sofreu um fracasso, de quem não consegue cumprir
totalmente a norma da Igreja, mas busca fazer o bem possível na sua própria
situação, quer crescer, é sincero e ama a Deus.
A famosa "gradualidade"?
Victor M. Fernández:
Os teólogos a entendem de modos diferentes, por isso prefiro falar daquilo que
o Catecismo diz: mesmo nas situações
objetivamente "imorais", a responsabilidade das pessoas é diferente,
há circunstâncias atenuantes. E então há um bem possível, a contabilidade
não é a mesma para todos.
O Catecismo não está em discussão, mas sobre as
consequências é possível discutir. Tomás de Aquino, na Summa Theologica, também dizia que a vontade de Deus se torna cada vez mais obscura quanto mais se desce
aos pormenores. Qual é a Sua vontade na situação concreta? O ideal do
Evangelho tem uma plenitude a que tentamos chegar. Nas situações reais, cada um faz o que pode naquele momento da
sua vida.
Traduzido por
Moisés Sbardelotto.
Fonte: Instituto
Humanitas Unisinos – Notícias – Quinta-feira, 16 de outubro de 2014 –
Internet: clique aqui.
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