COMPREENDENDO AS ÚLTIMAS ELEIÇÕES - FUNDAMENTAL!
O NORDESTE NÃO
É DO PT
Entrevista
com Marcus André Melo
Ana Clara
Costa
O cientista político
diz que o eleitor mais desfavorecido sempre tende a votar a favor do governo e
que a educação é o fator essencial para aumentar a qualidade da política
Prof. Marcus André Melo - Univ. Fed. de Pernambuco |
No primeiro turno das eleições, a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff se manteve na liderança em todos os estados nordestinos, à exceção de Pernambuco. No Piauí, Dilma levou 70% dos votos, o seu melhor desempenho estadual.
Segundo o cientista político pernambucano Marcus André Melo, contudo, não se pode
definir a região como petista. Professor
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com Ph.D na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e pós-doutorado no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), Melo observa que, nas áreas economicamente
desfavorecidas, não há uma fidelidade mecânica ao partido. O que existe é um
comportamento de adesão a qualquer governo vigente, justamente devido à
dependência que a população dos grotões do Brasil guarda em relação às
políticas públicas.
Qualunquismo é a
expressão usada por Melo para descrever esse fenômeno. Isso significa que o eleitor não está fechado a novas
propostas que, nas palavras do acadêmico, “maximizem o seu bem-estar”.
Como explicar o comportamento do
eleitor que, neste primeiro turno, levou Marina Silva a liderar as intenções de
voto, e depois se voltou para Aécio Neves, permitindo que ele arrancasse e
chegasse ao segundo turno?
Marcus André Melo:
O que marcou esta eleição foi mesmo a desconstrução da imagem de Marina Silva
pelo marketing agressivo do PT. Esse marketing atingiu em cheio a parcela
volúvel do eleitorado. São os indecisos ou neutros, sujeitos a mudar de voto.
Depois da morte de Eduardo Campos, esse eleitorado se voltou para Marina.
Quando os ataques petistas, que miravam, sobretudo, a credibilidade da
ex-senadora, se avolumaram, o grupo se dividiu e migrou para Aécio e para a
própria Dilma.
Mas este é o fato curioso: o marketing do PT beneficiou,
sobretudo, o candidato tucano, pois devolveu-lhe os eleitores que haviam
aderido momentaneamente a Marina, por achar que estavam com ela as chances de
vencer o PT. Observemos que, descontados os volúveis, o eleitorado de Marina se manteve basicamente o mesmo de 2010. Esse eleitorado esposa uma combinação de valores que os cientistas políticos têm chamado de “pós-materialistas”. São jovens preocupados com o meio ambiente, com novos padrões de consumo e que estão em crise com a representação política. Causa perplexidade ao eleitor de Marina, por exemplo, o modelo de coalizão no Brasil, que permite que partidos de extrema direita e de extrema esquerda se aliem sem nenhum receio. É um eleitor que não vota olhando o próprio bolso. Ele está insatisfeito com os serviços públicos, o modelo político e sua representação. Ele personifica um mal-estar institucional muito evidente nos protestos do ano passado.
Que outros grupos se destacam no
eleitorado brasileiro?
Melo: O grupo
mais numeroso, não só no Brasil, é sempre o do “ignorante racional”. O termo
foi criado pelo economista americano Anthony
Downs, no clássico Uma Teoria
Econômica da Democracia [edição brasileira: Edusp, 1999 – fora de
catálogo]. Ele descreve o eleitor médio que, por meio do voto, tenta antes de
mais nada maximizar seu bem-estar. Seu voto é coerente e racional.
Mas ele não entende os indicadores econômicos, não sabe como
as políticas se relacionam umas com as outras e se desdobram a médio e longo prazos.
Só sente que as coisas vão mal quando a crise atinge o emprego ou a renda. Esse eleitor olha ao seu redor e decide se quer ou não mudança de status quo. Não tem nada de ideologia.
Ora, apesar de o mercado de trabalho não ser o mesmo de dois ou três anos atrás no Brasil, o desemprego ainda não aumentou. E, mesmo que a inflação esteja no teto da meta, não se pode dizer que ela tenha afetado de maneira contundente a renda. Isso explica, em parte, a expressiva votação de Dilma.
Qual é o horizonte de tempo no
raciocínio político desse eleitor?
Melo: A educação,
muito mais que a informação, é fundamental para torná-lo mais consciente e
ampliar o horizonte temporal de seu cálculo político. Sem educação, ele não
consegue entender a sustentabilidade das políticas públicas e dispõe de menos
subsídios para avaliar um governo. A educação melhora o debate público, que tem
se mostrado tão deficiente no Brasil.
Existe um momento específico em que
o eleitor que o senhor descreveu como “ignorante racional” começa a pensar a
longo prazo?
Melo: Há estudos
que fazem essa análise, mas nenhum consegue definir um padrão específico. O que
acontece é um movimento contínuo de busca por melhoria de vida e bem-estar.
Quando se está inserido em um processo de mobilidade social, é esperado que as
pessoas queiram sempre mais. As expectativas aumentam.
Quando determinado estrato da sociedade percebe que a
capacidade de avançar estancou, ou não é suficiente para suprir suas ambições,
há um movimento de insatisfação muito grande, como o que foi visto, de certa
forma, nos protestos do ano passado. Isso ocorre quando um indivíduo se dá
conta de que suas demandas vão além do que a velocidade da transformação da
sociedade pode lhe proporcionar. Essa é a origem das grandes frustrações que,
se não racionalizadas, explodem nas ruas, como aconteceu no ano passado nas
maiores cidades brasileiras.
O voto do brasileiro é
fundamentalmente pautado pela economia, então?
Melo: Em boa
parte, sim. Em última instância, o eleitor sempre opta pela mudança ou
manutenção de um governo olhando para a sua realidade e satisfação como
cidadão. É uma percepção bem individualista tanto para o pobre quanto para o
rico.
Quando um eleitor se decide pela mudança, a credibilidade do
novo candidato escolhido é o aspecto mais relevante. Isso explica por que a
estratégia do PT foi desconstruir a credibilidade de Marina Silva, usando
informações completamente irrelevantes para associá-la à imagem de mentirosa.
Isso prejudicou a confiança na candidata e fez com que os eleitores neutros ou
indecisos desistissem de votar nela.
Tanto Marina Silva
quanto Aécio Neves usaram os episódios de corrupção na Petrobras para atacar
Dilma. Até que ponto isso funcionou?
Melo: As
denúncias afetaram mais o rótulo partidário, o PT, do que a própria Dilma
Rousseff. Além disso, é preciso lembrar que nem Aécio nem Marina foram assim
tão incisivos nos questionamentos a Dilma sobre a corrupção em seu governo. De
forma alguma eles chegaram perto em intensidade e frequência dos ataques do PT
no processo de desconstrução de Marina.
Por que razão, na opinião do senhor,
Aécio e Marina falharam em jogar a corrupção do PT no colo de Dilma?
Melo: Primeiro,
porque os candidatos de oposição tiveram muito pouco tempo de TV em comparação
com o tempo dado à candidatura oficial. A informação que ficou gravada é que o
PT está associado à corrupção, mas não Dilma.
A redução das bancadas petistas no Senado e na Câmara pode
ter sido resultado dessa associação do partido com a corrupção. Com tantos
escândalos tendo o PT como centro, algo estaria muito errado com a nossa
democracia se não tivesse havido uma repercussão disso nas urnas. Mas houve.
O bolso pesa mais na hora do voto do
que a corrupção em que circunstâncias?
Melo: As
pesquisas sobre corrupção mostram um cenário clássico de dependência do
ambiente econômico. Um escândalo tem maior potencial de afetar o voto quando a
situação econômica de um país não está boa. Se tudo estiver relativamente bem,
a população estará menos propensa a se indignar e exigir a punição dos
corruptos.
O mapa eleitoral brasileiro sugere
um país dividido em regiões tucanas e regiões petistas. Os partidos são donos
de certas áreas do país?
Melo: Quando se
opõe o voto concentrado do PT no Nordeste e no Norte ao voto do PSDB no
Sudeste, muitos analistas políticos se esquecem de algo fundamental, que eu
chamo de qualunquismo. Essa expressão
vem da palavra italiana qualunque,
que significa “qualquer um”, e está associada a certo cinismo muito comum no
sul da Itália no século passado, que consiste no voto ao governante que está no
poder, seja ele quem for.
Não se pode dizer que há um fenômeno de adesão ao petismo
nos grotões do Brasil. Não houve uma “marcha ao Nordeste” que fez com que, de
repente, essas pessoas tivessem adquirido consciência de classe. O que se observa é que, nas áreas desfavorecidas e mais dependentes de políticas de inclusão, se vota em quem está no governo.
Qualquer governo?
Melo: Desde que o
PT chegou ao poder, essas áreas dependem muito de transferência de renda. Por
isso, seus prefeitos e deputados têm muitos incentivos para apoiar o mandatário
da vez. E é isso que o eleitor vê. Sua fidelidade não é com o partido.
Não à toa, esse mesmo eleitor elegeu Fernando Henrique
Cardoso [FHC] em 1994 e o reelegeu em 1998. Na reeleição, o único estado do
Norte e Nordeste em que FHC perdeu foi o Ceará, que votou em Ciro Gomes. FHC
ganhou porque estabilizou a economia e eliminou a inflação, o que tornou a vida
do pobre muito melhor. Por isso, ele foi premiado nas urnas. É preciso entender
melhor esse eleitor desfavorecido: ele vai se aliar a quem o beneficiar. Isso
acontece no interior do Piauí ou na periferia de São Paulo.
O que explica a clara preferência da
maioria dos eleitores de São Paulo ao PSDB?
Melo: Meu próximo
livro, que deve ser lançado no ano que vem pela Universidade de Princeton, nos
Estados Unidos, analisa justamente os dois valores primordiais na política
atual: a inclusão e a estabilidade econômica.
No Piauí, a preocupação é a inclusão. No Sudeste, há mais
empresas, o setor privado é mais forte. É um cenário em que as questões macroeconômicas
ganham mais peso, e o PSDB tem reputação mais sólida nesse aspecto. Não estou dizendo que todo eleitor do PSDB seja um exímio conhecedor de contas públicas. Mas a agenda de preocupações já é outra.
Tenho muitas ressalvas ao pensamento que associa comportamento eleitoral a classe socioeconômica de forma mecânica. Isso simplifica o debate. Mas aqui é útil pensar na classe C, não só paulista, mas como um todo. Essa classe se beneficiou da expansão do crédito e do crescimento econômico de 2002 a 2009. Para ela, a questão fundamental são os serviços.
A classe C está satisfeita, então?
Melo: A classe C
saiu do SUS e teve acesso a planos de saúde privados, mas, como a
regulamentação desses planos é deficiente, está muito insatisfeita.
Com a educação, acontece o mesmo. A classe C comprou carro,
mas agora fica parada no trânsito. Agora, ela começa a captar os indícios de
que a economia vai mal. Não é preciso saber o que é superávit primário para sentir os sinais de enfraquecimento da economia. Quem trabalha em construtoras, por exemplo, percebe que a quantidade de empreendimentos entregues em 2014 é menor que em outros anos. Em todas as empresas, os funcionários estão vendo que projetos são abortados ou adiados.
Como os eleitores que vivem agora um
embate entre o cansaço com a atual gestão e o medo de perder suas conquistas
podem resolver essa contradição?
Melo: A classe C
não é o alvo primordial das políticas de transferência de renda, como o Bolsa
Família, mas se beneficiou de cotas na universidade, crédito e outras políticas
de inclusão. Ela tem mais informação que aquele eleitor dos grotões do Brasil e
sabe que a inflação está alta e que as coisas não estão bem. Isso a faz oscilar
entre o governo e a oposição. O PSDB lucra com isso, porque tem credibilidade
quando se trata de estabilidade econômica.
Existe uma escolha certa para esse
eleitor?
Melo: É
complicado. Mas poderia ser mais simples se os partidos tivessem um papel
diferente na sociedade.
Em muitos países europeus, os partidos políticos fazem a
intermediação entre os formadores de opinião e a população. Há uma
identificação partidária forte na Inglaterra, na França e na Alemanha. Os
partidos funcionam como atalhos cognitivos para o “ignorante racional”. Eles
ajudam a educar.No Brasil, essa identificação é mínima. Há, inclusive, cada vez mais aversão a partidos. Não há debate de políticas, mas acusações e uso deslavado de mentiras, como as usadas pelo PT nos ataques a Marina.
Fonte: Revista VEJA –
Páginas amarelas – Edição 2395 – Ano 47 – nº 42 – 15 de outubro de 2014 –
Páginas 15 a 17 – Edição impressa.
Retrato de um
momento
Entrevista
com Wagner de Melo Romão
Professor do Departamento de Ciência
Política da UNICAMP
Juliana
Diógenes
Reflexo das Jornadas
de Junho, o Congresso mais conservador desde 1964 define o que somos hoje – mas
somente hoje –, avalia sociólogo
Prof. Wagner de Melo Romão - UNICAMP |
Há quase um ano e meio, o gigante acordou. Parece ter
despertado de um sono inerte com berros de “vem
para a rua” ecoando ao fundo. Hoje, o mesmo gigante que protestou com
cartazes de “desculpe o transtorno, estamos mudando o País” em junho de 2013
está disposto a arrefecer.
Deu mostras disso nas eleições para o Congresso Nacional no
último domingo, 5 de outubro, quando elegeu
uma bancada de viés tão conservador quanto a dos idos de 1964, na avaliação do
Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Para o sociólogo
Wagner Romão, professor do departamento de Ciência Política da Unicamp, o
Brasil não ocupou as ruas motivado apenas por pautas de centro-esquerda e
esquerda, como de costume em sua história política. A população alinhada com a ideologia de centro e de direita, diz Romão,
também saiu do Facebook e se uniu à massa.
O eco das ruas
fortaleceu a pluralidade de opiniões. Sinal de que a democracia está em
pleno funcionamento, defende. Ao mesmo
tempo favoreceu o acirramento, e devemos ter um Parlamento com menos jogo
de cintura para pautas mais progressistas. O
Congresso, enfim, está mais parecido com o atual momento da democracia
brasileira. Define o que somos e o que queremos hoje - e apenas hoje.
Amanhã, não se sabe.
Com o resultado das urnas no
Congresso, começamos a entender o significado das Jornadas de Junho?
Wagner de Melo Romão:
Junho acabou sendo símbolo do momento que vivemos na nossa democracia. Foi
diverso, foi plural. As ruas sempre foram ocupadas pela centro-esquerda ou pela
esquerda. Isso aconteceu no início das manifestações. Depois, em meio à festa,
as ruas foram tomadas por pessoas de centro e de direita. Então não dá pra pensar no significado dos
protestos de maneira unívoca. Aquele foi um momento de acirramento de
posicionamentos na sociedade brasileira. As eleições, sobretudo para o
Congresso, expressaram esse acirramento. Havia o sentimento de que alguma coisa
não estava indo bem e era preciso mudar, tanto em relação aos serviços públicos
(saúde, educação e transporte) como em relação aos políticos ou ao sistema
político como um todo, aí incluída a corrupção. O problema é: mudar em que direção? Numa direção progressista ou
numa direção conservadora? Então, de novo: o significado de Junho é plural. Mas
tem limites quando a gente pensa numa eleição de 140 milhões de brasileiros. Se uma massa de pessoas foi às ruas, uma
massa muito maior não foi. Mas foi votar. É preciso fazer essa
diferenciação para não considerar o epifenômeno das manifestações como algo
estrutural na sociedade brasileira.
Mas os protestos impactaram as
eleições do Legislativo no último domingo?
Wagner Romão: Não
existe a opinião da sociedade brasileira. Existem segmentos que têm opiniões
muito fortes. Embora a gente possa pensar em argumentos para dizer o contrário,
há uma certa vitalidade da nossa democracia. Nestas eleições, alguns temas que
não apareciam nos debates, como a homofobia, os direitos das minorias, a
questão do racismo, surgiram com mais força. A própria estratégia dos
candidatos à Presidência com menos voto, os chamados nanicos, foi de tentar se
posicionar nessas posturas mais polêmicas. É a estratégia de muitos candidatos
a deputado estadual e federal. Ser a favor de posições mais conservadoras no
que se refere à moral pode trazer voto. Assim como posições marcadamente
progressistas também podem trazer voto. A
maioria desses candidatos que tiveram uma expressiva votação já é deputado
federal e tem histórico de construção de uma imagem polêmica. Esse é o caso
do Jair Bolsonaro, do Jean Wyllys, do Marco Feliciano.
A partir destas eleições, o
Congresso adquire o perfil mais conservador desde 1964, segundo o Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar. O senhor concorda com esse
diagnóstico?
Wagner Romão: Aparentemente,
sim, é um Congresso mais conservador. Podemos esperar para os próximos quatro
anos um Legislativo mais refratário a mudanças na ampliação de direitos
humanos, na questão da homofobia ou do aborto. Ele vai rechaçar mudanças que tenham impacto “na moral e nos bons
costumes”. Haverá também uma bancada
mais a favor de modificações quanto à maioridade penal. Foi um pouco o que
já ocorreu no período anterior, de 2011 a 2014. As pautas mais progressistas do
governo Dilma foram sistematicamente barradas no Congresso Nacional. Quer
dizer, já havia dificuldades, que devem se acentuar. Ao mesmo tempo, houve um crescimento de partidos com pouca
consistência programática. São eles que vão aceitar fazer parte do governo,
seja qual for.
Um ano e quatro meses depois, é
possível dizer que os movimentos sociais falharam na tentativa de dialogar com
a massa?
Wagner Romão: No
caso do Movimento Passe Livre, havia uma necessidade de dialogar com a massa,
sim, porque eles já vinham de uma trajetória de derrotas recentes nas suas
mobilizações em São Paulo. Acabaram conseguindo ampliar seu leque e escopo de
penetração, seja na mídia, seja no conjunto da população, exatamente quando
sofreram violência policial naquela noite de 13 de junho. Aí foi aberta a
possibilidade de diálogo com a massa. Mas, quando a massa chega às
manifestações, os movimentos organizados que iniciaram os protestos tendem a se
afastar das ruas. Isso ocorreu em São Paulo e Goiânia. Aqueles movimentos que
lideravam as manifestações já não lideram. E também não querem que os eventuais
danos e resultados desses grandes movimentos de massa sejam lançados em sua
conta. É uma relação meio dialética essa.
Que linhas partidárias conseguiram
incorporar com mais habilidade as demandas das ruas?
Wagner Romão: O
PSOL cresceu de 3 para 5. É um crescimento muito pequeno. Os partidos mais conservadores acabaram galvanizando um pouco mais o
sentimento de mudança das ruas, tanto eles como partidos que eram pequenos
ou medianos na configuração do Congresso anterior e hoje assumiram status mais
elevado. Tem também uma questão relativa ao funcionamento das eleições
proporcionais. Veja o caso do Celso
Russomano. O PRB atualmente tem dez deputados. [1] Terá 21.
Dobrou de tamanho, e Celso Russomano levou com ele oito deputados aqui em São
Paulo. Ele teve 1,5 milhão de votos e os outros candidatos do PRB conseguiram
votações muito pequenas. Esses partidos de centro e centro-direita tendem a ser
aqueles que usam mais essa prática de lançamento de candidatos polêmicos que certamente terão um grande número de
votos, como é o caso do Russomano.
Marcelo Freixo - Prof. de História e Deputado Estadual (PSOL-RJ) |
No Rio, o candidato tido como
símbolo da intolerância (Jair Bolsonaro) foi o deputado federal mais bem
votado. Já o deputado estadual com maior número de votos foi o candidato
símbolo da defesa dos direitos humanos (Marcelo Freixo). Não é uma contradição?
Wagner Romão: Não.
O Freixo foi um candidato muito bem
votado a prefeito do Rio. Esse fato já o cacifaria para ter uma votação
expressiva como deputado. Além disso, também galvaniza uma corrente importante,
que é a de defesa dos direitos humanos, e um posicionamento bem à esquerda,
inclusive crítico ao governo Sérgio Cabral. Já o Jair Bolsonaro consegue galvanizar um segmento da sociedade
fluminense que entende que a ditadura militar teve seus aspectos positivos, que
a vida era melhor naquele período. Esse grupo tem posições mais claras de
repressão policial e posições bastante conservadoras na questão de ampliação de
direitos humanos. As eleições
proporcionais têm exatamente esse objetivo de expressar as diversas correntes
da sociedade. Dessa forma, não é uma contradição. É inclusive algo que
precisamos ressaltar do nosso atual sistema. É bom que uma democracia possa
acolher essas opiniões, sejam elas conservadoras, progressistas ou radicais.
A soma de votos brancos, nulos e
abstenções é a maior desde 1998. É sinal de que a democracia representativa não
esteja conseguindo assimilar a insatisfação do povo brasileiro?
Wagner Romão: Houve
um aumento no número de abstenções, mas foi pequeno. Também não houve uma
hecatombe de votos nulos. Por outro lado, se há uma onda conservadora causada
pelo acirramento de posições no último período, as instituições de
representação - as eleições - conseguiram dar vazão a isso. Ter representantes com muita votação dessas
posições polarizadas mostra que a democracia representativa, se não está
conseguindo assimilar a insatisfação, consegue pelo menos dar vazão à forte
polarização de opiniões da sociedade brasileira nestes últimos anos. As
instituições permanecem em funcionamento, e a população de maneira geral não
fugiu ao chamado das instituições políticas para as eleições. Mas, pensando em democracia representativa, acho que há
uma debilidade. Embora existam conselhos, conferências e outras experiências de
participação mais direta, isso sobretudo em nível local, ainda há pouca
penetração junto à população em geral.
Em que medida a internet contribui
para acirrar as posições da sociedade?
Wagner Romão: Pensando
na política, ela permite que pessoas com identidade política ou interesses
políticos mais ou menos próximos possam dialogar e se organizar para
concretizar esses interesses. É um elemento positivo e emancipador. Por outro
lado, essa comunicação mais fluida e o anonimato geram uma situação em que as
pessoas se expressam como são, sem os freios que a vida em sociedade impõe.
Pessoas que afirmam certas coisas na internet não o afirmariam numa praça
pública ou no seu local de trabalho. É incrível, mas muitas pessoas ainda não
compreenderam que não existe um mundo virtual separado do mundo real. Um
resultado não previsto da internet é que ela possa contribuir para o
acirramento de situações de intolerância ou a expressão de posicionamentos
preconceituosos na sociedade que não são permitidas em espaços públicos. Não
tínhamos candidatos a presidente da República que se posicionassem como o Levy
Fidelix se posicionou nos últimos debates. E mesmo outros candidatos, como o
Pastor Everaldo. Por mais paradoxal que
possa parecer, há maior tolerância com a intolerância. Há maior tolerância
com preconceito.
No rescaldo das manifestações, em
dezembro de 2013, o senhor afirmou que o Brasil seguia a tendência de países
como Alemanha e França, que nas décadas de 70 e 80 viram a insatisfação das
ruas se transformarem no surgimento dos partidos verdes e dos
ultraconservadores. Com o resultado das eleições no Congresso, confirmou-se a
teoria?
Wagner Romão: Quando
há movimentos que se contrapõem ao sistema político de maneira geral, você pode
ter na esteira deles o crescimento de grupos ou partidos políticos que se
colocam como antissistema. Foi o que
se viu em parte na campanha da nova política da Marina. Por outro lado, o fato
de as pessoas irem para a ruas em junho foi algo absolutamente inédito e se
esperava uma outra via. Parece que os
protestos de junho reforçaram a ideia de que não há espaço para o não
posicionamento. Tivemos partidos ultraconservadores da Europa que se
fortaleceram nesses períodos e partidos que buscaram alternativas ao próprio
sistema, como os verdes na Alemanha. Isso demonstra que, nessas situações, não ha mais espaço para não se posicionar.
O que sai daí é uma situação de polarização, de acirramento. O Brasil não tem um partido forte de
ultradireita ou de ultraconservadores, mas está muito próximo disso. Estamos
chegando cada vez mais perto.
N
O T A
[1] - Partido Republicano Brasileiro (PRB) é um partido político brasileiro.
Em organização desde 2003, o registro definitivo foi emitido em 25 de agosto de
2005. É presidido por Marcos Antônio Pereira desde dia 9 de maio de 2011. Seu
código eleitoral é 10. Pequeno partido fundado por partidários do falecido
vice-presidente da República José Alencar Gomes da Silva, então presidente
honorário do Partido Liberal, o PRB é considerado por alguns o paravento
político da Igreja Universal do Reino de
Deus devido ao grande número de dirigentes ligados à instituição (Fonte: Wikipédia, clique aqui).
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 12 de outubro de 2014 – Páginas E2 e E3
– Internet: clique aqui.
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