POR QUE O PARTIDO DO GOVERNO ESTÁ NA FRENTE?
Voto de
cabresto oficial
João Bosco
Rabello
A primeira pauta pós-eleições será necessariamente a Petrobrás, diante da perspectiva da
publicidade da delação premiada do ex-diretor de Abastecimento da estatal,
Paulo Roberto Costa, cujos vazamentos parciais indicam um escândalo político sem precedentes.
Juntados esses vazamentos, que incluem nomes expressivos do
quadro partidário brasileiro, com o depoimento de Costa não submetido ao
segredo de justiça, tem-se um duto de
recursos públicos desviados para irrigar campanhas e políticos de PT,PMDB e PP,
o que pode alcançar as campanhas da presidente Dilma de 2010 e a atual, ainda
que à revelia da candidata.
É um quadro que seria avassalador para qualquer governo em
campanha pela reeleição, dado que o tempo de mandato do PT [Partido dos
Trabalhadores] soma 12 anos, dando-lhe o monopólio dessa gestão marginal em
favor do partido e de aliados. Com um
tesoureiro cumprindo pena pelo mensalão, o partido já tem o segundo na mira da
justiça.
O que diferencia o esquema sob investigação de outros ao
longo da história política nacional é a sua característica sistêmica, como pilar de um processo de sustentação
política de um projeto de permanência no poder, abrangendo três grandes
partidos da base governista.
A recente informação de que a Petrobrás poderá sofrer
sanções nos Estados Unidos, onde a legislação prevê consequências mesmo para
empresas estrangeiras lá sediadas, estende as investigações ao plano
internacional, um sólido sinal de consistência
do conteúdo da delação do ex-diretor da estatal no Brasil.
Tal cenário leva a outra questão: como o governo, em condições tão adversas que inclui ainda a economia
em recessão técnica e alta rejeição da candidata, pode alcançar índice próximo
a 50% na disputa e aponto de torná-la tão acirrada?
Aqui entra o dado essencial: o bolsa família. O programa
dá ao PT o conforto de um patamar de largada eleitoral de 34,6% em qualquer
eleição. São 13.738.798 famílias beneficiadas, estimando-se 1,6 eleitor por
cada uma, e considerando-se que 85% dos
beneficiários votam com o governo, tem-se aí 14,9 milhões dos 43,3 milhões de
votos obtidos por Dilma no primeiro turno, já subtraídas as abstenções
totais.
É o maior voto de cabresto de que se tem notícia e que explica a falsa conotação ideológica no
confronto sul-sudeste versus nordeste, que o PT explora como a luta entre ricos
e pobres, a partir do monopólio do programa que se tornou arrimo eleitoral
do partido.
Por isso, a oposição
considera indispensável que já no próximo ano seja feita uma reforma conceitual
no programa Bolsa Família, de maneira que ele se torne uma ação de Estado e não de governo, via emenda
constitucional.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Política – Domingo, 19 de outubro de 2014 – Pg. A14 – Internet:
clique aqui.
UM RICO DEBATE
SOBRE A POBREZA
Roldão Arruda
Polêmica simplista
sobre fim ou não do Bolsa Família oculta diferentes visões do PT e do PSDB
sobre problema
O debate sobre políticas e programas sociais do governo
subiu para um patamar mais elevado nesta eleição. Debaixo da poeira da velha
polêmica sobre a manutenção ou não do Programa Bolsa Família - tema de
compreensível interesse de parcelas mais pobres do eleitorado e que obriga o
candidato do PSDB, Aécio Neves, a repetir até quatro vezes em cada confronto na
TV que vai mantê-lo -, corre outro debate, mais elaborado. Envolve formas de melhorar e dar sustentabilidade ao que já foi
conquistado.
Marcelo Reis Garcia Assistente Social - Assessor do PSDB |
Segundo os tucanos,
após retirar milhões de famílias das situações de pobreza e extrema pobreza, o
que é elogiável, os governos petistas não teriam elaborado ainda políticas
claras para dar sustentabilidade à mobilidade social. Em outras palavras, se a
transferência direta de renda acabasse amanhã, as famílias voltariam à extrema
pobreza, segundo os assessores de Aécio.
O governo, por
seu lado, sustenta que a transferência de renda por meio de programas como o
Bolsa Família é apenas parte de uma política social muito mais ampla, que já
garante a sustentabilidade das mudanças ocorridas. Essa política, segundo o
governo, vai do esforço de valorização
do salário mínimo a programas de qualificação profissional voltados
especificamente para famílias mais vulneráveis.
Em entrevista ao [jornal] Estado, um dos principais assessores da campanha de Aécio na
questão dos programas sociais, o assistente
social Marcelo Reis Garcia, disse que o principal erro do governo é basear
suas ações sobretudo na ausência de renda das famílias. Isso o levaria a
privilegiar os programas de transferência de renda. Ainda segundo o técnico,
que chefiou a Secretaria Nacional de Assistência Social no governo de Fernando
Henrique Cardoso e assessorou Aécio no governo de Minas, seria melhor se fosse adotado o conceito de pobreza multidimensional,
que, além da renda, leva em conta fatores como educação e saúde.
"Propomos que a discussão sobre a pobreza saia da
simplificação monetária e passe a considerar um conjunto de privações. Seriam
incluídos na análise qualidade da casa, escolaridade, saúde, capacidade para
trabalhar e renda", disse Garcia. "A gestão da pobreza apenas pela
renda não tem sustentabilidade. O que aconteceria se, por acaso, a
transferência de renda para as 36 milhões de famílias que saíram da extrema
miséria acabasse hoje? Elas voltariam para a extrema pobreza? Provavelmente
sim. Para evitar isso é preciso levar em conta outras privações que as famílias
precisam superar."
Ensino
Tereza Campello - Ministra do Desenvolvimento Social |
Outro argumento apontado por Garcia para a revisão do atual
modelo é a existência de 11 milhões de
brasileiros na faixa de 18 a 29 anos que não concluíram o ensino fundamental e
outros 9 milhões sem o ensino médio. "São 20 milhões de brasileiros
que sempre terão dificuldade para conseguir emprego. O que eu vou fazer com
essas pessoas? Aposentá-las aos 20 anos? Mantê-las como beneficiárias dos
programas de transferência de renda até a morte? O que estamos propondo é uma
metodologia que permita acompanhar cada família, isoladamente, para que superem
suas dificuldades."
Critérios de análise multidimensional da pobreza já são
utilizados por instituições como o Banco Mundial e a Organização das Nações
Unidas (ONU). Segundo Garcia, o que se propõe para o Brasil é algo semelhante
ao usado pela ONU na elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
A ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, diz que a crítica contida no programa de Aécio é
falha, porque tem foco apenas nos programas de transferência e ignora que foram combinados com outras políticas de
curto e de longo prazo, destinados a dar sustentabilidade à superação da pobreza.
"Não entendo por que insistem em localizar a discussão no Bolsa
Família", disse ela ao Estado. "Já se sabe que o Bolsa Família teve
até agora um peso de 30% na redução da pobreza no País. Outros fatores, entre
eles a valorização do salário mínimo, a redução da informalidade no trabalho, o
acesso a crédito e à assistência técnica rural, o acesso a bens, a expansão da
rede de creches, os cursos de qualificação profissional, são responsáveis pelos
outros 70%."
A ministra também lembrou estudos recentes do Banco Mundial
e da ONU, que, ao analisar a questão da pobreza no País do ponto de vista
multidimensional, apontaram avanços significativos. O Banco Mundial, que
trabalha com sete fatores, além da renda, considerados estratégicos para
definir mobilidade das famílias, apontando sua capacidade para superar a
pobreza e os riscos de voltar a estágios anteriores, apontou avanço em todos os
grupos observados - dos que vivem em estado de pobreza crônica aos que são
pobres transitórios. Entre 1999 e 2011, a porcentagem de pobres na população
brasileira passou de 35% para 17%, segundo a instituição.
"De lá para cá os resultados melhoraram ainda mais. Se
considerarmos apenas as famílias que vivem em estado de pobreza crônica, no
núcleo duro da pobreza, onde a chance de evoluir é menor, entre 2003 e 2013
houve uma redução de 8% para 1%, segundo informações obtidas da PNAD (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE)", afirmou.
No fundo, o que se
observa é que a discussão tende a superar o Fla-Flu entre os que são a favor e
contra o Bolsa Família.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Política/Eleições 2014 – Segunda-feira, 20 de outubro de 2014 – Pg.
A9 – Internet: clique aqui.
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