E AGORA... COMO FICA O BRASIL?
VIDA QUE SEGUE
Roberto Pompeu
de Toledo
Dilma Rousseff discursa após a divulgação do resultado das eleições (26/10/2014) |
[. . .]
O primeiro desafio para o vencedor, seja quem for, será
lidar com o país rachado ao meio. Não que lhe incumba unir o país. O sonho da
ordem-unida é próprio das ditaduras. Democracia é desunião. O que lhe incumbe é
inspirar a tolerância entre contrários e construir espaços de convergência.
Sobretudo, cabe-lhe não aprofundar a desunião até limites fatais, como na
Venezuela.
O perigo maior vem do PT. A quarta vitória seguida embute a
ameaça de embriagar-lhe as alas bolivarianas a ponto de acharem que chegou a
sua vez. Em caso de derrota, a tentação de sair às ruas e incendiar o país com
greves e manifestações para inviabilizar o novo governo será forte. [...] Será
imperioso governar com a consciência de que metade do país votou contra.
Segunda-feira é dia de enrolar as faixas, arrancar os
adesivos dos carros e deixar de comer as unhas a cada rodada de pesquisa
eleitoral. Dia de não se aborrecer mais com o horário eleitoral – seja porque
ele atrasa a hora da novela, seja pela intragável presença do safado, mentiroso
e mais desaforado dos seres que é o candidato adversário.
É dia até de começar a pensar em visitar aquele amigo que se
evitou durante todas estas últimas semanas porque sua orientação política era
oposta. O veneno da campanha desceu dos candidatos até a alma do eleitorado. A
hora é de calma – calma, minha gente, porque a vida segue e o Brasil continua.
Fonte: VEJA –
Edição 2397 – Ano 47 – nº 44 – 29 de outubro de 2014 – Pg. 122.
Cinco desafios
econômicos do novo governo
Ruth Costas
Seja quem for o
vencedor da votação deste domingo, dia 26, este terá de tomar decisões-chave
sobre questões que afetam o seu bolso.
PT e PSDB podem divergir em muitos temas, mas a
desaceleração do crescimento parece ter criado um certo consenso de que a
economia está em uma encruzilhada.
Como os tucanos costumam enfatizar, a expectativa oficial é
que o país cresça só 0,9% este ano e analistas do mercado são ainda mais
pessimistas, estimando uma expansão de menos de 0,3%.
Por outro lado, como ressaltam os petistas, o desemprego tem
se mantido em patamares historicamente baixos, o que tem evitado que a
população seja duramente afetada - embora não esteja claro por quanto tempo
esse cenário positivo no mercado de trabalho pode ser mantido sem uma retomada.
Economistas de diversas linhas teóricas concordam que
impulsionar a economia depende tanto de uma agenda de curto prazo, que inclui o controle da inflação e ajuste
das contas públicas, quanto de uma de longo prazo, ligada a reformas
estruturais.
Confira abaixo os cinco desafios que, na opinião deles, o
novo governo deve enfrentar na área econômica:
Otaviano Canuto |
1)
Inflação
Boa parte dos brasileiros já sente o peso da alta de preços
no bolso e caberá ao próximo governo evitar um descontrole nessa área.
Aécio Neves, do PSDB, diz que perseguirá uma meta de 3% de
inflação e a presidente Dilma Rousseff, do PT, garante que será
"duríssima" contra o problema.
Espera-se que a alta de preços deste ano fique próxima do
teto da meta do Banco Central – de 4,5%, com margem de dois pontos percentuais
para cima e para baixo.
Para muitos economistas, porém, a meta só será alcançada com
o adiamento dos reajustes de preços administrados (definidos ou influenciados
por órgãos públicos).
"Em 2015, será difícil evitar a recomposição de alguns
desses preços, o que deve ser um desafio a mais no controle da inflação",
diz o conselheiro senior e ex-vice presidente do Banco Mundial Otaviano Canuto.
Entre os que podem subir estão o preço da energia, as tarifas
de ônibus e combustíveis.
Canuto explica que, em 2015, uma possível desvalorização do
real também pode ter um impacto inflacionário adicional (em função da alta dos
importados).
"Caberá a nova
gestão achar uma solução para a questão da inflação, que até pode ser via
política monetária. Mas, como os juros já estão relativamente elevados, o ideal
seria que se tentasse uma política fiscal mais retraída", opina.
André Martins Biancarelli |
2)
Investimentos
O consumo interno e o estímulo ao crédito estiveram entre os
principais motores do crescimento brasileiro nos últimos anos.
Os investimentos, porém, não acompanharam essa expansão (e
caíram do patamar de 20% para 17% do PIB), o que contribuiu para a freada.
Economistas veem diferentes razões para tal descompasso.
Alguns culpam a falta de reformas para amenizar problemas
como a complexa burocracia do país, as deficiências de infraestrutura e
gargalos de mão de obra – que inibiriam investimentos.
Outros criticam o governo por supostos erros de gestão que
teriam atrasado projetos importantes (como o pré-sal) e afastado empresários de
parcerias na área de infraestrutura.
Há certo consenso de que a falta de investimentos também
estaria ligada a "expectativas negativas".
Para o governo, porém, esse "pessimismo" seria
politicamente motivado e intensificado pela crise internacional. Já
consultorias econômicas o atribuem a incertezas relacionadas à condução da
política econômica.
Sem destravar os investimentos é difícil pensar que a
economia possa voltar a crescer no patamar dos 4% da década passada.
"Por isso,
impulsionar os investimentos privados na produção e em infraestrutura será um
dos principais desafios do novo governo", diz o economista André Biancarelli, da Unicamp.
Otto Nogami |
3)
Contas públicas
Analistas calculam que as contas públicas fecharão 2014 com
um "déficit nominal" superior a 4% do PIB – o pior resultado em mais
de uma década.
O cálculo de tal déficit contabiliza receitas e despesas do
governo, além do pagamento dos juros da dívida pública.
O governo se comprometeu a poupar 1,9% do PIB para pagar
esses juros, mas há dúvidas sobre se atingirá a meta.
Para Otto Nogami,
do Insper, a expansão dos gastos e deterioração das contas públicas têm tido um
impacto negativo na inflação, além de abalar a credibilidade do país frente a
investidores.
Muitos economistas também vêm denunciando que, em uma
tentativa de se aproximar da meta, o governo teria lançado mão de uma
"contabilidade criativa" - manobras contábeis que fariam parecer que
se estaria economizando recursos, quando isso não ocorreria.
"Para colocar as
contas públicas em dia, o novo governo poderia adotar basicamente duas
estratégias: aumento de impostos ou corte de gastos", explica Lourdes Sola, professora da USP
especialista em economia política.
A primeira seria extremamente impopular. A segunda precisaria
ser planejada com cautela - cortar em gastos sociais e investimentos, por
exemplo, poderia ser um "tiro no pé".
"A questão das metas fiscais é uma discussão de curto
prazo, mas não podemos perder de vista seu objetivo de longo prazo, que é
tornar o Estado mais eficiente para investir no que interessa", diz
Biancarelli.
Lourdes Sola |
4)
Inclusão social
O aumento da renda dos trabalhadores, a formalização do
trabalho e programas sociais ajudaram milhares de pessoas a cruzar a linha da
pobreza nos últimos anos.
Mas se o país se mantiver com um nível de crescimento baixo,
em algum momento o emprego pode ser afetado, colocando em risco esses ganhos.
A campanha do PT tem defendido que o partido seria o mais
apto a impedir retrocessos - "protegendo o emprego" e investindo no social.
Já a campanha do PSDB acabou na defensiva, repetindo à
exaustão que não pretende cortar gastos sociais ou fazer um ajuste drástico, ao
custo de uma escalada do desemprego.
Nogami admite que
de fato é possível que um ajuste, ainda que gradual, tenha algum efeito sobre o
nível de emprego. "A questão é que
ele é inevitável e, ao adiar essas reformas, também podemos estar aumentando
seus custos", opina.
"O grande desafio não é simplesmente crescer, mas sim
crescer com estabilidade e emprego", resume Carlos Melo, cientista político do Insper.
5)
Problemas estruturais
Há certo consenso de que, para garantir o crescimento da
economia no médio e longo prazo, é preciso atacar os problemas estruturais que
afetam a competitividade das empresas no país.
Entre eles estão a complexa
burocracia e sistema tributário
brasileiro e as deficiências de
infraestrutura.
"Trata-se de uma agenda de médio e longo prazo, mas que
precisa começar a ser colocada em prática o quanto antes", diz Canuto.
O objetivo seria ampliar o chamado PIB potencial do país,
que leva em consideração a sua capacidade instalada para estimar quanto ele
pode crescer sem que sejam criadas pressões inflacionárias (por falta de
oferta).
"O próximo
governo precisará fazer reformas estruturais para realmente mudar o ambiente de
negócios no Brasil, porque só isso lançará as bases para um crescimento
sustentado", diz Canuto.
Fonte: BBC Brasil
– 23 de outubro de 2014 – Internet: clique aqui.
Seis por meia
dúzia
JOSÉ ROBERTO
DE TOLEDO
José Roberto de Toledo - jornalista político |
Milhões nas ruas protestando; sete em cada dez eleitores
declarando desejo de mudança no governo. O cenário no qual transcorreram as
eleições de 2014 prenunciava uma transformação profunda da política brasileira.
O resultado não poderia ser mais contrastante. O Congresso Nacional terá poucas
caras novas e com sobrenomes velhos. Os Estados continuam sendo governados, na
imensa maioria, pelos mesmos caciques de sempre. E Dilma Rousseff (PT) segue
sendo presidente do Brasil, após derrotar o PSDB no segundo turno: 2002, 2006 e
2010 “reloaded” [recarregada,
reabastecida].
Das 27 eleições para
governador, só dá para dizer que houve algum tipo de renovação em quatro.
Nas outras 23, o atual governador se reelegeu, como em São Paulo, Rio de
Janeiro e Paraná, ou fez o sucessor, como em Pernambuco e na Bahia, ou o eleito
é um ex-governador, como no Espírito Santo, Tocantins e Piauí. Na melhor das
hipóteses, o novo governador pertence a um grupo político que, não faz muito
tempo, mandava no Estado.
A maior renovação aconteceu no Maranhão, com Flávio Dino
(PC do B), que desalojou o clã dos
Sarney. No Mato Grosso, Pedro Taques (PDT) é um procurador
tornado senador que se elegeu governador. Não foi eleito por ter parentes
políticos. No Distrito Federal, a
eleição de Rodrigo Rollemberg (PSB)
acabou com a polarização entre o PT e o grupo de Joaquim Roriz. No Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja (PSDB) põe fim a uma
era do PMDB no poder. Só.
Em todo o resto, a troca de comando, quando houve, foi de
seis por meia dúzia. Ou, no máximo, por um terço de 18.
Dos 513 deputados federais,
401 tentaram se reeleger e 290 conseguiram. Sua taxa de sucesso foi de 72%.
Nada se correlaciona mais com a vitória na eleição parlamentar do que já ser um
parlamentar. Por outro lado, se “apenas” 290 estarão de volta a Brasília no
próximo ano, quer dizer que 223 são novos, certo? Não exatamente. Pelo menos 25
não são novatos, mas redivivos. Já foram deputado antes, só tinham dado um
tempo.
A Câmara terá 198 neófitos que terão seu primeiro gabinete
brasiliense. Formalmente, é a maior taxa de renovação desde 1998: 39%. Mas o
exame da lista de eleitos revela que grande
parte das caras novas têm sobrenomes ou nomes de guerra velhos conhecidos do
Congresso, como Covas, Cardoso e Garotinho.
Mudam só os prenomes: Bruno em lugar de Mario, Clarissa em
vez de Anthony. Às vezes nem isso, basta acrescentar um “júnior”, um “neto” ou
até um “bisneto” no final. São todos
herdeiros do poder, como Newton Cardoso Jr., Expedito Netto e Arthur
Bisneto. A hereditariedade do poder é um
dos legados da monarquia que a república brasileira conserva com mais afeto e
zelo.
Entre os neófitos, quem não chegou lá por ser parente se
encaixa em pelo uma dessas categorias:
-
já passou por outro cargo eletivo (prefeito, deputado estadual etc),
- exerceu alguma função pública (policial, promotor etc),
- é celebridade – com as exceções que confirmam a regra.
Por que os gritos e
cartazes não se converteram em votos de protesto? Não em quantidade
suficiente para mudar os donos do poder. Por quê? Há várias respostas, esta é
apenas uma.
Porque quem foi às ruas protestar foi um segmento
expressivo, mas um segmento, não toda a população. Eram majoritariamente jovens
que tiveram mais oportunidades de estudo do que qualquer outra geração anterior
à deles na história do Brasil. Mas que não conseguem equiparar esses anos de
estudo a cifrões nos seus salários. Estão mais frustrados do que as gerações
anteriores. Foram essas gerações mais
velhas que decidiram a eleição.
Os mais velhos
votaram na continuidade. Não arriscaram porque, mesmo sem tanto estudo
quanto os filhos, experimentaram um incremento de renda que nem seus pais nem
avós experimentaram. Para eles não era seis por meia dúzia.
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Especial/Eleições 2014 – Segunda-feira, 27 de outubro de 2014 – Pg.
H23 – Internet: clique aqui.
Reeleita,
presidente precisa se reinventar
Carlos Melo*
Carlos Melo - cientista político |
Que não haja ilusão: a
eleição não somou, dividiu - se não fragmentou. Qualquer que fosse o
resultado, seria assim. Agora, o desafio para reunir os cacos do diálogo e de
algum consenso que a intemperança dos últimos tempos estraçalhou. A oposição
poderia ter sinal trocado, mas o mesmo dedo em riste e faca nos dentes,
ressentida, esperando a volta. Que não haja ilusão: o pleito definiu o vencedor
ao estilo Machado - “ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. Esta eleição não termina com a votação:
segue hoje e amanhã, com temperatura e pressão elevadas.
A presidente reeleita não é a Dilma de 2010, cercada de boa
vontade e esperança. As expectativas a respeito de seu novo governo são
defensivas: defender o emprego, a inclusão, o partido; defender o governo. Terá
a desconfiança de setores econômicos que não se limitam aos demonizados
“banqueiros”. Há a classe média, a mídia, os críticos melindrados. E, claro, um
Congresso mais fisiológico e fracionado por interesses diversos, divergentes,
difusos, e um governo com menor margem fiscal para saciar apetites
fisiológicos.
Atender e recompor a credibilidade demandará morder a
língua, desdizer o que se disse, capitular ao inimigo que venceu. Há pouco
espaço político para isso, pois a base social, criada e cevada na crença de
soluções simples, não compreenderá a complexidade da política, obliterada pelo
debate. Dilma não é Sarney, para, no dia seguinte, praticar estelionato e
passar o resto do mandato com cara de paisagem. Seus custos e princípios são
maiores. Ao mesmo tempo, fazer suavemente o ajuste não contornará os espíritos
mais sectários. “Crise” é o nome dessa
sinuca.
Os desafios econômicos são grandes, mas os obstáculos
políticos são maiores - a política mal manejada pode pôr a perder avanços
econômicos. Limitar o necessário ao medíocre possível não é saída. O País
pressionará por mudança logo. O desafio requer uma presidente que de modo algum
divida a galera em duas torcidas, mas que recomponha a unidade do cristal trincado.
Que não haja ilusão, o País carecerá de
liderança política de altíssimo nível. A presidente terá de se reinventar.
* Carlos Melo é
cientista político e professor do Insper (São Paulo).
Fonte: O Estado de S.
Paulo – Especial/Eleições 2014 – Segunda-feira, 27 de outubro de 2014 – Pg.
H7 – Internet: clique aqui.
Comentários
Postar um comentário