Usando o nome de Deus em vão!
Bíblia calibre 38
Patricia Bezerra
Psicóloga, pastora e ex-vereadora em São Paulo (2013-2020)
Líderes
pseudorreligiosos usam Escrituras como instrumento de dominação
PATRICIA BEZERRA |
Alguns desses celebrantes não conseguem se conter. Seguindo alguns perfis de cristãos nominais nas redes sociais, observo com lamento imagens de curso de tiro, fotos ostentando armamento pesado e fazendo uso da justificativa leviana e, principalmente, antibíblica, do “direito à defesa”.
Infelizmente, é comum
encontrar “cristãos” como esses, adeptos da Lei de Talião, do famoso “olho
por olho, dente por dente”. Contudo,
... a
falta de compreensão e estudo do Texto Sagrado, e a manipulação de muitos
líderes, geram distorções como essa.
Quem, ao portar uma arma, pode se achar apto o suficiente para definir quem vive e quem morre, quem é “cidadão de bem” e quem é bandido, quando o próprio Jesus diz que aquele que não ama seu irmão é semelhante ao assassino? [Cf.: Mt 5,21-22; 1Jo 3,14-15]
A Bíblia tem sido utilizada como instrumento de dominação para a manutenção de feudos eclesiásticos, para a condução de uma multidão a um pensamento formatado e padrão. Isso impossibilita o estudo pessoal da Bíblia e o amadurecimento das emoções e do senso crítico dos fiéis à luz das Escrituras.
É triste, mas a tradição oral da nossa fé cristã se tornou em tradução oral, permeada de contaminação institucional e distorcida pela ótica tirânica e hipócrita de muitos líderes pseudorreligiosos.
É evidente que existem homens
e mulheres que são exceção a esse modelo, e isso me traz enorme esperança!
Mas o
Livro Sagrado deixa muito claro que as nossas armas não são “carnais”
(terrenas).
Sendo assim, a forma de um cristão genuíno se manifestar nesse mundo não é —e nunca será— por meio da beligerância, do olho por olho, do enfrentamento corpo a corpo. Mas, sim, através da manifestação da justiça e da equidade por nosso modo de viver.
A Bíblia também nos diz que a
paz “é fruto da justiça”. Mas essa justiça não é aquela da vingança, é a justiça
do reino de Deus.
É
a que ensina que o nosso papel é combater a desigualdade social e a fome;
que afirma o nosso dever de promover oportunidades aos egressos do
sistema prisional; é aquela que demonstra que devemos cuidar dos vulneráveis,
como os dependentes de substâncias psicoativas; aquela que nos ensina a
banir a misoginia, a homofobia, a transfobia e o racismo de nosso quintal.
Pegar um revólver e ser valente é fácil!
Mas o
cristianismo não surgiu para nos tornar valentes. Nós não fomos chamados para
termos armas de fogo.
O argumento de portá-las como proteção ou defesa é um eufemismo para justificar o desejo de fazer justiça com as próprias mãos. Fomos chamados para pacificar, para andar a segunda milha com quem não nos agrada [Mt 5,41], para dar alimento ao inimigo se ele tiver fome [Pr 25,21-22] e para amar os que nos odeiam e maldizem [Mt 5,43-48].
Se não for assim, não se iluda: pode-se até ter simpatia pelo Evangelho, mas se está secularizado demais para ser discípulo de Jesus Cristo. Ser seu discípulo não é ser vingador, mas é estar disposto a ser crucificado ou decapitado por escolher o lado certo.
Para os que não estudam e não se dedicam à verdadeira mensagem do Livro Sagrado, a Bíblia pode ser uma arma: para acusar, condenar e julgar.
Que a espiritualidade cristã
vença o pragmatismo religioso, que a graça vença a condenação e que todo
cristão “manuseie bem a palavra da verdade” e faça uso da...
...
arma mais potente, transformadora e muito mais exigente e rigorosa para seu
porte: o amor ao próximo.
Fonte: Folha de S. Paulo – Tendências / Debates – Quinta-feira, 11 de março de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (acesso em: 11/03/2021).
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