A elite brasileira diz a Bolsonaro: Basta!
A sociedade mais do que perdeu a paciência
Marcelo Godoy
Jornalista
Entrevista com Luiz Felipe d’Avila
Cientista político e fundador do Centro de Liderança Pública (CLP)
Cientista político vê
uma “mobilização cívica” para ocupar o “vácuo de poder” deixado pelo governo do
presidente Jair Bolsonaro
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LUIZ FELIPE D'AVILA |
Qual
o significado da carta de economistas, banqueiros e empresários pedindo
mudanças nas ações contra a pandemia?
Luiz Felipe d’Avila: O primeiro significado importante é o chamamento de urgência. O Brasil precisa levar a sério a crise, tomar medidas concretas e desviar do caminho da irresponsabilidade de como a pandemia foi tratada. O segundo é a união em torno da questão fundamental, que é criar condições para a retomada do investimento, do emprego e da renda. Bolsonaro gosta de culpar o lockdown pela paralisação da atividade econômica, mas esse não é o único problema. Se a agenda da reforma estivesse andando – as reformas administrativa e tributária –, o País estaria em outra situação.
Pode-se
dizer que a sociedade civil perdeu a paciência?
Luiz Felipe d’Avila: Com certeza. É um alerta de que a sociedade mais do que perdeu a paciência, está perdendo a confiança no governo. O que a sociedade civil está tentando fazer hoje é ocupar o vácuo da ausência do governo. Quando se une com prefeitos e governadores, há um novo arranjo político para enfrentar o desgoverno do País. E a essa equação se juntou o Congresso, com a declaração do Arthur Lira, mostrando que, se tiver de escolher entre ficar com o presidente ou com a sociedade civil, o Congresso vai ficar com a sociedade. O recado foi claro.
O
“sinal amarelo” de Lira significa que a palavra impeachment voltou ao
ar?
Luiz Felipe d’Avila: Acho que está um pouco cedo para a palavra impeachment. Depende de como as coisas vão acontecer. O processo de impeachment no meio da pandemia seria muito ruim, pois aumentaria a tensão quando precisamos de união em torno do combate à crise. Agora, o impeachment será inevitável se começarmos a ter grandes movimentações populares. Pode-se caminhar para esse ponto se, nessa fase crítica, Bolsonaro continuar na estrada do desgoverno. Enfim, é cedo para se falar, mas não se pode mais descartar.
O
que mais a sociedade civil pode fazer neste momento para que o País enfrente
essa crise?
Luiz Felipe d’Avila: Ela começou a trabalhar bem com o setor público. Não só para levantar recursos, mas também na logística, como na entrega de cestas básicas. Há uma mobilização cívica para ocupar o espaço deixado pelo governo federal. E Bolsonaro encara tudo isso como um complô. Critica governadores e prefeitos e todos, achando que estão criando um governo paralelo.
Em
busca de pacificação, Bolsonaro encontrou os presidentes dos demais poderes. Mas
ele é capaz de compreender que a paz não consiste na ausência da guerra, mas na
união e na concórdia?
Luiz Felipe d’Avila: Infelizmente, não vejo isso como um
traço da personalidade do presidente. Ele aposta na fidelização do seus 30%
e – o que é triste dizer – colocar fogo no resto. Ele acha que, com esse
contingente de 30%, chegará ao segundo turno. Na cabeça dele, o adversário é
o Lula, sem chance de terceira via. E aí, todo mundo de mau humor com o
governo acabaria votando nele, para evitar Lula. A lógica dele é essa. Toda
ação dele é minar qualquer atividade de conciliação, de tolerância e de união.
Na PEC Emergencial, para agradar aos PMs, ele cedeu aos funcionários públicos,
mantendo as promoções, o que tirou quase R$ 50 bilhões da proposta original,
sacrificando o auxílio emergencial em detrimento da defesa do interesse
corporativista, principalmente, das PMs. Ele vai fazer isso o tempo todo.
Ele coloca o País em risco para fidelizar os 30% que o seguem.
Bolsonaro fez um pronunciamento e tentou se pôr como o campeão da vacinação. Qual o impacto do pronunciamento?
Luiz Felipe d’Avila: O impacto pode ser demonstrado pela
intensidade do panelaço na hora em que ele falava. Ninguém mais o escuta.
Alguém que criou animosidade, polaridade durante tanto tempo, que enxerga seus
adversários políticos como inimigos a serem abatidos, não tem espaço para
diálogo. Nem ele dá espaço para um voto de confiança, pois logo foi ao
Twitter criticar os governadores.
Ele quer manter
os que o apoiam mesmo que isso custe ao Brasil o drama da recessão, do
desemprego. Tudo é sacrificado em nome da lealdade dos 30%.
Essa é uma estratégia muito perigosa e vai exigir a união do centro e da sociedade civil para evitarmos uma crise institucional antes das eleições de 2022.
Como
separar nessa situação a responsabilidade do presidente e a da pandemia pela
crise?
Luiz Felipe d’Avila: A melhor forma de separar o joio do
trigo nessa questão pode ser ilustrada pelo que aconteceu nos Estados Unidos,
com a mudança do governo Trump para Biden. De repente, vem um governo que, com
o mínimo de organização e coordenação, consegue fazer com que mais de 2 milhões
de pessoas sejam vacinadas por dia. A curva começa a cair rapidamente.
Quando se tem uma crise dessa magnitude, é preciso governo. Não
adianta pensar que só o mercado resolve.
É preciso coordenação do governo para fazer as coisas funcionarem. E isso não vai existir, pois Bolsonaro enxerga os governadores como inimigos mortais a serem derrotados.
O
senador Rodrigo Pacheco pediu a saída do chanceler Ernesto Araújo. Essa reação
contra a atual política externa é reflexo do movimento da sociedade?
Luiz Felipe d’Avila: Com certeza está ligada. Desde Rio
Branco, a política externa brasileira sempre foi vista como política de Estado,
e não partidária. Começou a ter intromissão ideológica com Lula, desandou com
Dilma e, no governo Bolsonaro, virou o palanque favorito do radicalismo
bolsonarista. No mundo globalizado essas falas desastrosas têm consequências
gravíssimas. Isso afeta o que precisamos nessa crise: vacinas.
Uma política
externa errática e ideológica tem consequências na geração de empregos,
na atração de investimentos e na retomada do crescimento.
O Brasil está quebrado. Temos uma relação dívida/PIB de 90%, o maior endividamento entre os emergentes. A reação do Senado é importantíssima.
O
ex-governador Ciro Gomes disse ao jornal “O Estado de S. Paulo” que Bolsonaro
deve derreter e não estará no 2º turno em 2022. O sr. acredita que essa é uma
possibilidade real?
Luiz Felipe d’Avila: As pesquisas mostram que o índice de
rejeição de Bolsonaro dificulta muito a reeleição. Ele e Lula só conseguirão
estar no segundo turno se o centro estiver inteiramente fragmentado. Mas
Lula entra com uma bola de chumbo no pé, tendo de explicar o maior escândalo de
corrupção do mundo.
E Bolsonaro vai entrar como o coveiro da esperança no Brasil.
Sepultou o maior número de cadáveres, sepultou o crescimento econômico,
destruiu o emprego e a renda e colocou 20 milhões de brasileiros de volta na
miséria.
Não será o Bolsonaro de 2018.
Qual
o impacto da anulação das condenações de Lula para que esses atores se
mexessem, de Bolsonaro aos economistas?
Luiz Felipe d’Avila: Lula aumentou o senso de urgência. Se o centro não se unir, teremos uma polarização Lula e Bolsonaro. E essa é uma escolha desastrosa para o País. A decisão do Supremo ajudou a catapultar a mobilização da sociedade civil. Bateu desespero total. O Brasil não quer ter como opção voltar o pêndulo para a outra forma de populismo. A ação dos economistas pode se juntar agora à ação dos movimentos, como MBL e o Vem Pra Rua, para que o centro tenha força de mobilização política. Só a união do centro permitirá ao País ter uma escolha diferente daquela polarização.
Nos
dois anos de Bolsonaro, a elite econômica foi vista como leniente e paciente
até demais com o governo. Essa elite está descolando agora de Bolsonaro?
Luiz Felipe d’Avila: Está descolando e isso é um fato
histórico interessante. Ela está preocupada. A elite econômica brasileira é
adesista a governos, parece o Centrão. Veja: 40% do PIB passa pelo
Estado, portanto, capturá-lo – manter contratos, obter benefícios e receber
privilégios – é fundamental para os negócios. É uma elite que não quer se
indispor com o governo ou brigar com o presidente. Ela elogiou Lula, foi
condescendente com Dilma e com Bolsonaro.
Mas, agora, a situação
dos negócios está de tal sorte afetada pelo desgoverno que até essa
elite começa a insuflar contra o governo.
A situação está tão grave que é melhor se unir por um futuro melhor.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Política – Domingo, 28 de março de 2021 – Pág. A6 – Internet: clique aqui (acesso em: 28/03/2021).
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