«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 11 de julho de 2023

CARTA AO PRESIDENTE DANIEL ORTEGA

 Um dos mais renomados e reconhecidos teólogos da Espanha escreve ao presidente da Nicarágua

 José Ignácio González Faus

Teólogo jesuíta espanhol – publicado por: Religión Digital – Miradas cristianas: 29/06/2023

Daniel Ortega e sua esposa, Rosario Murillo

“A humanidade já teve Neros demais, Calígulas demais e Somozas demais para o senhor, apenas, aspirar a ser mais um nessa lista”

Meu caro Sr. Presidente e irmão:

Ainda te chamo de irmão porque, apesar da maldade e da crueldade de algumas de suas ações, acredito que o senhor ainda é melhor do que seu comportamento.

O Tribunal Penal Internacional acaba de ordenar a soltura do bispo Rolando Álvarez, por motivos de mera humanidade e saúde. Se o senhor desconsiderar essa ordem, muito mais coisas serão negadas em todo o mundo do que já são.

Vamos supor que o senhor, através de sua ditadura política, acredita estar defendendo uma causa justa e trabalhando por ela. Mas a vida me ensinou uma lição que não canso de repetir:

... mais dano se faz a uma boa causa defendendo-a mal por dentro do que atacando-a por fora.

É o que mais de uma vez chamei de “a irracionalidade de nossa razão”. E nós, os humanos, somos tão cegos que não percebemos quanto isso nos afeta.

Se deixarmos por um momento a querida Nicaraguita, o senhor verá até que ponto o que lhe digo está acontecendo hoje em todo o mundo:

... as esquerdas não percebem que o atual crescimento da extrema direita (que tanto as surpreende) foi gerado em grande parte por si mesmas por causa de quão mal elas defenderam a razão que tinham.

E a mesma coisa vai acontecer com essa reação de extrema-direita: não vai durar muito porque defendem mal a (pouca ou grande) razão que tenham.

Sempre uma reação totalmente individualista como se a revolução fosse “eu”, o socialismo fosse “eu”, a democracia fosse “eu” ou o sandinismo fosse “eu”. Nesta Catalunha de onde escrevo, há um ditado que diz: “há tantos chapéus quantas cabeças”. E isso não é importante quando se trata de chapéus, mas é gravíssimo quando se trata das grandes causas e objetivos da vida: porque é simplesmente a fonte de todas as ditaduras.

Prisão de Dom Rolando Álvarez bispo de Matagalpa (Nicarágua), dia 19 de agosto de 2022

Desconfio que um fator que pode contribuir para esses seus erros de hoje é o que nos faz cometer tantas bobagens: o medo oculto. O senhor já tem 77 anos, seu governo não pode durar muito. E o senhor, com todo o poder que tem agora, não consegue parar de se perguntar o que pode acontecer a seguir. O senhor sabe melhor do que eu como Somoza morreu. E em algum momento o senhor se lembrará de como manchou e desacreditou aquele esperançoso e nobre sandinismo de 1979, quando gritavam que “os olhos do mundo estão voltados para a Nicarágua” e cantavam que “nosso povo é o dono de sua história”. Talvez até tenha chegado aos seus ouvidos que a Nicarágua já cantou em voz baixa que “nosso Ortega é o dono da minha história”...

Todas essas coisas acabam explodindo em algum momento, como a história já mostrou mil vezes. São verdades que assustam; e hoje ainda mais:

... porque a cultura dominante de hoje passou a acreditar que o sofrimento do carrasco é a verdadeira reconstrução da vítima.

Sem perceber que esse princípio, ao invés de reconstruir a vítima, a degrada ainda mais.

Tudo isso deve ter passado pela sua cabeça em algum momento: a humanidade já teve Neros demais, Calígulas demais e Somozas demais para o senhor, apenas, aspirar a ser mais um nessa lista. A reação espontânea então é rejeitá-lo rapidamente. Mas isso não elimina essas verdades. E elas retornarão de novo e de novo, aumentando seu medo inconsciente ou não confessado. Eu gostaria apenas de lhe dizer: irmão Daniel, o senhor ainda tem tempo para se arrepender.

Se o senhor me pedisse um conselho, eu lhe diria: vá ver o bispo Rolando; admiro sua fidelidade e coragem ao decidir não deixar a Nicarágua, por mais que isso o incomodasse. Tente conversar (não sei se por meio de alguns mediadores) para ver que acordos podem ser feitos. Peça-lhe perdão pelo modo mal com o qual o tratou, sem esquecer que Rolando é agora também um símbolo que inclui milhares de outras vítimas. E se ele perdoar ao senhor, essa será sua melhor defesa.

Dom Rolando Álvarez é bispo da diocese de Matagalpa e uma das vozes mais críticas da hierarquia católica da Nicarágua. Seus sermões frequentemente atacavam violações de direitos humanos, perseguições religiosas e abusos de poder. Como não aceitou ser deportado para os Estados Unidos, juntamente com outras 222 pessoas, foi preso e condenado a 26 anos de prisão.

Para facilitar isso, tente olhar para Rolando como um ser humano e não como um eclesiástico. Neste momento, pouco me importo com as críticas e objeções que o senhor possa ter ou levantar contra a Igreja: posso assegurar-lhe que (fora do Senhor Jesus) ninguém sabe melhor do que os cristãos o quão maus cristãos nós, cristãos, somos. Talvez também ninguém saiba melhor do que nós o que significa sentir-se plenamente aceito sendo quem você é: talvez seja a única coisa que realmente nos faz querer mudar. E o senhor já deve ter ouvido aquela frase de Jesus de Nazaré:no céu há mais alegria por um pecador convertido do que por 99 justos que dizem não precisar de conversão”.

Anime-se então. A ordem do Tribunal Penal Internacional pode ser uma oportunidade para facilitar um caminho para o senhor que evite que suas coisas terminem da pior maneira possível. 77 anos são muitos e já não há desculpa de que o fim está longe.

Só posso terminar expressando meu medo: se o senhor não prestar atenção a essas pobres (mas fraternas) palavras, acho que um dia o senhor se arrependerá. Só peço que o senhor pense muito, muito seriamente, sobre tudo o que tentei lhe dizer. 

Traduzido do espanhol por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo. A versão original desta carta é encontrável aqui.

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