Natureza morta
Projeto de lei deixa licenciamento ambiental de mãos atadas e faz boiada de Bolsonaro avançar
Reinaldo José Lopes
Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de “1499: O Brasil Antes de Cabral”
Proposta
que vai para o Senado é uma pata de boi pisoteando a biodiversidade brasileira
para sempre
Na quinta-feira (13 de maio), com a aprovação de um projeto sobre o tema a toque de caixa na Câmara dos Deputados, o berrante que convoca essa boiada das profundezas do Hades soou mais forte do que nunca. Se depender dos parlamentares que hoje sustentam o governo zumbi de Jair Bolsonaro, a imagem do futuro será a pata de um boi pisoteando a biodiversidade brasileira para sempre.
Exagero? Bem, a proposta ainda precisa passar pelo Senado (e pelo crivo do presidente, mas aí são favas contadíssimas). Em sua versão atual, de qualquer modo, o texto-base do projeto de lei já é o suficiente para transformar boa parte do licenciamento ambiental no país em letra morta.
Ao contrário do que dizem os
300 picaretas do bolsonarismo no Congresso, o sistema de licenciamento não é
“só burocracia”.
Trata-se,
na verdade, do principal instrumento que permite aos gestores públicos organizar
a ocupação do território brasileiro levando em conta a necessidade de minimizar
danos ambientais.
Em outras palavras, o licenciamento não é um simples “não plante”, “não crie gado”, “não abra estradas”, mas sim “melhor abrir essa estrada alguns quilômetros para oeste, onde não existe uma espécie criticamente ameaçada de extinção”; “vamos fazer essa linha de transmissão, mas vamos compensar o impacto criando uma reserva em outro lugar”.
O mal que faz o projeto que passou na Câmara
O que o projeto de lei que passou pela porteira da Câmara faz? Elimina essa necessidade no caso das diferentes formas de agricultura e pecuária, desde que sejam “de pequeno porte”.
Essa é a primeira grande escorregada (obviamente proposital): a coisa mais fácil do mundo é desmembrar CNPJs de propriedades rurais. Assim, o que parece ser uma coleção de pequenas propriedades que não precisam de licenciamento ambiental na verdade é um enorme conglomerado, que o proprietário poderá encher de boi a seu bel-prazer.
Se a proposta de legislação
passar pelo Senado, ela também acabará com o licenciamento em áreas
indígenas ou territórios quilombolas que ainda não tenham sido
demarcados ou titulados. O problema aqui é que parte significativa das
terras ocupadas por essas populações tradicionais ainda não passou por esse
processo de oficialização, o que é um prato cheio para abusos.
E já
está estabelecido que tais áreas estão entre as mais preservadas no Brasil e
no mundo.
É claro que os suspeitos de sempre dirão que os críticos não querem que comida barata e picanha farta cheguem à mesa do brasileiro. Cascata, gentil leitor: a picanha barata, se vier, não deve durar mais do que uma geração.
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NERI GELLER (PP-MT) deputado federal que relatou o projeto aprovado a toque de caixa, flexibilizando e extinguindo, na prática, o licenciamento ambiental |
Isso porque, se os planos dos
líderes da boiada forem colocados em prática, estaremos trocando a fartura
no curto prazo (e, claro, os bolsos deles cheios de dólares) pelo risco
elevado de:
* chão empobrecido,
* falta d’água,
* clima enlouquecido e
* biodiversidade perdida para sempre —todas coisas
que dependem da floresta em pé.
Estamos falando de gente
perfeitamente disposta a matar a galinha dos ovos de ouro, desde que ela demore
algumas décadas para bater as botas.
Não são homens do campo, mas gafanhotos.
P.S.: «Sob a Pata do Boi: Como a Amazônia Vira Pasto» é também o título de um documentário dirigido por Marcio Isensee e Sá. Competente e aterrador, o média-metragem pode ser encontrado em diversas plataformas digitais.
Clique sobre a imagem, abaixo, para assistir ao trailer desse documentário:
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