«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Refletindo sobre o cristianismo (2ª Parte)

 O Templo e a Igreja em saída

 Flavio Lazzarin

Padre italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

“Settimana News” – 06-07-2021 

O inimigo não é apenas o Templo, mas também o fanatismo dos justos que se tornam massacradores em defesa do nome de Deus, tanto na Bíblia quanto na história dos cristãos

 

Continuando a reflexão sobre o duplo registro da religiosidade católica (cf. aqui), caracterizada pela tensão entre instituição e carisma, entre Templo e história, pareceu-me descobrir a mesma dialética no Tanakh*: parece inegável que mesmo na Bíblia Hebraica se entrelaçam, sem jamais poder se reconciliar:

* a tradição sacerdotal, que coloca no centro o Templo, o culto, o rito, o sacrifício e

* a tradição deuteronomista e profética, que indica o caminho da justiça e da ética, da lei e da doutrina, como caminhos privilegiados do encontro com Adonai.

 Diversidades tão marcadas que podemos ter a impressão da mistura de duas religiosidades ou, exagerando, de duas religiões distintas. 

Ficamos de alguma forma prisioneiros desse dualismo que marca a biografia de muitos crentes, em que algumas fases foram ou continuam a estar ancoradas à tradição do Templo e outras, geralmente, a meu ver espiritualmente e teologicamente mais maduras, marcadas pela busca de um Deus escondido nos caminhos da história. 

Na minha família essas duas tendências se fizeram presentes: na mãe, que vivia e proclamava um cristianismo ortoprático, de origem urbana, e no pai, ligado à tradição camponesa, que privilegiava os espaços sacrais e eclesiais. Eles conviviam no matrimônio e, quando discutiam, esse conflito sem dúvida aparecia entre a disputada hipocrisia da pertencer à tradição católica e a necessidade de uma coerência ética obediente ao Evangelho. E não posso esquecer que, em diferentes épocas da minha vida, também fui seduzido pela sacralidade e pelo poder do Templo.

É importante lembrar que aceitar a conversão para uma “Igreja em saída” é uma opção arriscada, porque, em ambos os Testamentos, o Templo e a Tradição são inimigos mortais dos pequeninos e dos pobres.

O Templo persegue e mata metodicamente todos os profetas até Jesus de Nazaré. E a história da violência da religião não para “no sangue do justo Abel, no sangue de Zacarias” (Mt 23,29-37) e no sangue de Jesus, mas continua a semear morte, como se fosse a herdeira do segundo Templo - aquele de Esdras e Neemias - certamente não herdeira do Crucifixo vitorioso, condenado pelos poderes deste mundo. 

Que bom seria poder reescrever a história revisitando o “antes e depois” que efetivamente nos condiciona:

... antes de Esdras e Neemias e depois de Esdras e Neemias!

Combater com um pouco de fantasia a continuidade entre o segundo Templo e os Templos posteriormente hegemônicos, até hoje. Achamos mais fácil, no entanto, fingir que vivemos no tempo depois de Cristo, supondo que somos inspirados e guiados por sua revolução contra todo poder. 

É evidente, porém, que não podemos fechar os olhos ao zelo homicida que também contaminou o profeta Elias (1Reis 19,14). Em suma, o inimigo não é apenas o Templo, mas também o fanatismo dos justos que se tornam massacradores em defesa do nome de Deus, tanto na Bíblia quanto na história dos cristãos. Este zelo genocida, que secularizado pelas ditaduras de direita e de esquerda, encontra na tradição religiosa os álibis, as justificações “teológicas” e “morais” da opressão e da eliminação do Outro, do “diferente”. 

Em suma, hoje, mais uma vez, sabendo que o conflito é bíblica e historicamente normativo, somos chamados a escolher se estamos do lado de Saulo ou do lado de Paulo.

Do lado dos algozes. Ou do lado das vítimas e das testemunhas.

 N O T A

* Tanakh é o acróstico de Torá (= Lei, Instrução), Neviîm (= Profetas) e Khetuvîm (= Escritos), as três partes da Bíblia Hebraica. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – 8 de julho de 2021 – Internet: clique aqui (acesso em: 14/07/2021).

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