Refletindo sobre o cristianismo (2ª Parte)
O Templo e a Igreja em saída
Flavio Lazzarin
Padre
italiano fidei donum que atua na Diocese de Coroatá, no Maranhão, e
agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
“Settimana News” – 06-07-2021
O
inimigo não é apenas o Templo, mas também o fanatismo dos justos que se tornam
massacradores em defesa do nome de Deus, tanto na Bíblia quanto na história dos
cristãos
* a tradição
sacerdotal, que coloca no centro o Templo, o culto, o rito, o
sacrifício e
* a tradição
deuteronomista e profética, que indica o caminho da justiça e da
ética, da lei e da doutrina, como caminhos privilegiados do encontro com
Adonai.
Diversidades tão marcadas que podemos ter a impressão da mistura de duas religiosidades ou, exagerando, de duas religiões distintas.
Ficamos de alguma forma prisioneiros desse dualismo que marca a biografia de muitos crentes, em que algumas fases foram ou continuam a estar ancoradas à tradição do Templo e outras, geralmente, a meu ver espiritualmente e teologicamente mais maduras, marcadas pela busca de um Deus escondido nos caminhos da história.
Na minha família essas duas tendências se fizeram presentes:
na mãe, que vivia e proclamava um cristianismo ortoprático, de origem urbana, e
no pai, ligado à tradição camponesa, que privilegiava os espaços sacrais e
eclesiais. Eles conviviam no matrimônio e, quando discutiam, esse conflito sem
dúvida aparecia entre a disputada hipocrisia da pertencer à tradição
católica e a necessidade de uma coerência ética obediente ao Evangelho. E
não posso esquecer que, em diferentes épocas da minha vida, também fui seduzido
pela sacralidade e pelo poder do Templo.
É importante lembrar que aceitar a conversão para uma “Igreja em
saída” é uma opção arriscada, porque, em ambos os Testamentos, o Templo e a
Tradição são inimigos mortais dos pequeninos e dos pobres.
O Templo persegue e mata metodicamente todos os profetas até Jesus de Nazaré. E a história da violência da religião não para “no sangue do justo Abel, no sangue de Zacarias” (Mt 23,29-37) e no sangue de Jesus, mas continua a semear morte, como se fosse a herdeira do segundo Templo - aquele de Esdras e Neemias - certamente não herdeira do Crucifixo vitorioso, condenado pelos poderes deste mundo.
Que bom seria poder reescrever a história revisitando o “antes
e depois” que efetivamente nos condiciona:
... antes de Esdras e Neemias e depois de Esdras e Neemias!
Combater com um pouco de fantasia a continuidade entre o segundo Templo e os Templos posteriormente hegemônicos, até hoje. Achamos mais fácil, no entanto, fingir que vivemos no tempo depois de Cristo, supondo que somos inspirados e guiados por sua revolução contra todo poder.
É evidente, porém, que não podemos fechar os olhos ao zelo homicida que também contaminou o profeta Elias (1Reis 19,14). Em suma, o inimigo não é apenas o Templo, mas também o fanatismo dos justos que se tornam massacradores em defesa do nome de Deus, tanto na Bíblia quanto na história dos cristãos. Este zelo genocida, que secularizado pelas ditaduras de direita e de esquerda, encontra na tradição religiosa os álibis, as justificações “teológicas” e “morais” da opressão e da eliminação do Outro, do “diferente”.
Em suma, hoje, mais uma vez, sabendo que o conflito é bíblica
e historicamente normativo, somos chamados a escolher se estamos do lado de
Saulo ou do lado de Paulo.
Do lado dos algozes. Ou do lado das vítimas e das testemunhas.
N O T A
* Tanakh é o acróstico de Torá (= Lei, Instrução), Neviîm (= Profetas) e Khetuvîm (= Escritos), as três partes da Bíblia Hebraica.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – 8 de julho de 2021 – Internet: clique aqui (acesso em: 14/07/2021).
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