Militares com sede de poder
Ideia de virada de mesa ronda generais desde a facada em Juiz de Fora (MG)
Marcelo Godoy
Generais
questionaram a legitimidade da eleição de 2018 e houve um grupo que quis virar
a mesa; perspectiva de vitória do capitão impediu o golpe
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JAIR BOLSONARO: um governo de militares com sede de poder! |
Um general amigo de Hamilton Mourão – com quem ele trabalhou – e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, contou em duas oportunidades à coluna os detalhes de um segredo: a intenção de se melar as eleições de 2018. Era, segundo ele, ideia de quatro, cinco colegas favoráveis a virar a mesa, pois acreditavam que, se Bolsonaro morresse, as eleições perderiam a legitimidade. Prevaleceu no Alto Comando a visão do general Eduardo Villas Bôas: Bolsonaro ia se recuperar e tinha grande chance de vencer o pleito. Desnecessário, portanto, o golpe.
Segundo o general, havia um grupo que queria virar o “negócio do avesso”. Se Bolsonaro morresse em razão da facada, repetiu o oficial, “isso virava”, pois havia quatro estrelas de peso que iam “virar o negócio”. Para o militar, tratava-se de uma posição emocional, mas que seria um “grave retrocesso”. Generais de peso são, segundo ele, aqueles que detém o comando de tropas. Pelo menos três dos mais exaltados estavam nessa situação em 2018.
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EDUARDO VILLAS BÔAS - o general que foi um dos maiores articuladores do retorno dos militares ao poder, via Bolsonaro |
Pouco depois da facada, em 9 de setembro, Villas Bôas, então comandante do Exército, disse ao Estadão: “Nós estamos agora construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada”. E completou: “Com relação a Bolsonaro, ele não sendo eleito, ele pode dizer que prejudicaram a campanha dele. E, ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção”.
Villas Bôas admitia o óbvio. E dizia que Bolsonaro contava com simpatias entre os militares. Os comandantes das Forças foram visitar o candidato internado em São Paulo. O relato mostra que conversas sobre ter ou não eleições não são algo estranho entre militares. Alguns dizem que isso é mera manifestação de zap zap, coisa de grupos fechados de redes sociais nos quais valentões, às vezes, dizem que estão preparados para matar ou morrer ou que prendem e arrebentam. Ou ainda que teremos danos colaterais em uma ação do Exército para “reestabelecer a ordem”. Uma ordem que interessa só a esses militares.
O espectro do golpe ronda os militares e é também alimentado pelos civis. Pelos que desejam um novo AI-5 e pelos que acreditam ver em cada general um Olympio Mourão Filho. No atual Alto Comando há integrantes que são constrangidos dia sim e dia sim também a reafirmar o compromisso da Força Terrestre com a defesa da democracia. Não aquela entendida por Bolsonaro, onde somente seus amigos podem se manifestar, mas a outra, a que resulta da soberania do povo.
A República no Brasil parece sofrer daquela maldição que o
professor Roberto Romano dizia que Montesquieu
via na Rússia: países com enormes extensões e populações não poderiam ser
democráticos; apenas despóticos. É que entre a realidade e a consciência há
um intervalo. E nele se insinua não o diálogo, mas a força.
A natureza última do poder para militares envolvidos na
política é justamente esta: a FORÇA. Se um grupo deixar de usá-la, pensam,
inexoravelmente, outro vai utilizá-la.
O agir comunicativo, como imaginado por Jürgen Habermas, não tem cidadania diante das armas.
Villas Bôas já disse que fez seu famoso tuíte contra a libertação de Lula, então preso e condenado pela Lava Jato, porque assistira a manifestações de generais, como Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, ex-presidente do Clube Militar, que diziam que o Supremo poderia se tornar “indutor da violência”, caso libertasse o petista. Da ideia de Lessa à ação de Vilas Bôas foi um pulo. Fenômeno igual se observa com Braga Netto.
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BRAGA NETTO - general ministro da Defesa que representa a politização das Forças Armadas, dando palpite em assuntos que não lhe dizem respeito! |
O ministro da Defesa já subiu no palanque do presidente e assinou
nota com os comandantes das Forças para dar “um pito” no senador Omar Aziz
(PSD-AM), presidente da CPI da Covid.
Ainda que Aziz tenha sido infeliz ao se referir ao “lado podre do Exército”, a reação foi interpretada em Brasília como desproporcional. Agora, ao tentar desmentir a reportagem do Estadão sobre o golpe, o general se vale de nova nota, que, em seus dois últimos parágrafos, faz a defesa do voto impresso. Mas este não é um tema do Ministério da Defesa. A Pasta sob Bolsonaro parece se tornar uma Secretaria de Governo.
Se é assim, em breve seria bom o Ministério responder sobre:
a) os contratos sob suspeita revelados pela CPI da
Covid.
b) E talvez nos dê uma explicação sobre a desfaçatez
de quem cria uma regra para ganhar acima do teto enquanto todos os demais
funcionários estão com salários congelados.
c) Ou sobre os empregos para mulheres, filhos e parentes
em boquinhas de empresas públicas e repartições.
d) Ou ainda sobre a entrega de bilhões do
orçamento deixado às saúvas do Centrão.
e) Podemos ver notas de repúdio ao extremismo de
direita que se infiltrou por meio de uma ralé ressentida no governo e
atacou a Educação, a Saúde e a Ciência e Tecnologia?
f) Ou uma manifestação sobre os mais de 545 mil mortos da pandemia e a volta do lulismo, os dois maiores legados de Bolsonaro?
Para analistas políticos, como o professor José Álvaro Moisés, Braga Netto produziu a nota sobre o voto impresso porque essa é a estratégia desse governo impopular para questionar as eleições. Pouco importa se ele será ou não adotado. O resultado será o mesmo.
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JOSÉ ÁLVARO MOISÉS - professor de Ciência Política da USP |
Sem ele [o voto impresso], o
bolsonarismo questionará as eleições por não serem auditáveis. Com ele, só a queixa mudará. Haverá a
recontagem infinita para não se admitir a derrota do presidente e preparar o
terreno para o golpe.
Não se quer transparência. O que se deseja é uma desculpa.
Os liberticidas procuram sempre produzir exceções. De preferência por meios supostamente legais.
Há uma diferença entre o pleito de 2018 e o de 2022: a perspectiva de poder de Bolsonaro. Se em 2018 os pensamentos golpistas foram esconjurados por que a vitória eleitoral se avizinhava do capitão, desta vez, a certeza do triunfo nas urnas é algo distante do presidente. Em vez de apaziguamento, tudo aponta para a radicalização de um governo que começou a ruir no dia em que o pai resolveu proteger o filho rico, o senador Flávio Bolsonaro. O temperamento do presidente e o radicalismo da extrema-direita e dos oportunistas que o circundam fizeram o restante do serviço.
Hoje, militares procuram se desvincular da criação das urnas
eletrônicas e do processo de verificação dos equipamentos – em ambos os casos,
oficiais das três Forças estiveram presentes. Não percebem que a oportunidade
para uma saída honrosa é cada vez mais estreita? Há Chamberlains demais neste
País. Eles só fortalecem os autoritários de todos os matizes. O Brasil conviveu
muito tempo com os atos antidemocráticos investigados pelo Supremo Tribunal
Federal.
Está na hora de passar do diálogo aos depoimentos e
interrogatórios. É preciso mostrar que o destino que a lei reserva aos
liberticidas é a cadeia.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Política / Cenário – Sábado, 24 de julho de 2021 – Pág. A12 – Internet: clique aqui (acesso em: 24/07/2021).
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