«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Mais uma para ficar na história [Ótima análise!]

CHRISTIAN CARVALHO CRUZ

Em 15 anos de greves de policiais, ainda não entendemos que são um fenômeno social, diz especialista José Vicente Tavares dos Santos


A presidente Dilma Rousseff disse que ficou "estarrecida". O governador Jaques Wagner, que não negociaria nem anistiaria "bandido". Os grevistas, misturando ameaça com galhofa, que "ôôô, o Carnaval acabou". Os analistas, que greve de policial é "motim". E as manchetes, que 148 pessoas foram assassinadas na Bahia durante a paralisação (o dobro do mesmo período em 2011) e que o movimento se espraiara para o Rio de Janeiro.


No meio de tantas aspas, as do sociólogo José Vicente Tavares dos Santos [foto ao lado] são menos inflamadas mas não menos contundentes. Doutor pela Université de Paris X e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele estuda greves no sistema de segurança pública do País desde 1997. Diz que o Brasil perdeu a chance de discutir suas polícias na Constituinte de 1988 e agora paga o preço de uma crise organizacional que chega ao cúmulo de as academias ensinarem cadetes a dobrarem o lençol em vez de mediar conflitos.


Segundo Santos, faz 15 anos que as greves de agentes de segurança pública se repetem - e vão continuar se repetindo. "Pela abrangência e pela constância das paralisações, estamos diante de um fenômeno social. E o que podemos tirar de bom dessa crise é a oportunidade de retomar um debate tão crucial da vida brasileira. Afinal, queremos ter um serviço policial ou uma força policial?" A seguir, suas ideias.


Alguns analistas consideram a Polícia Militar um resquício da ditadura sem lugar numa sociedade democrática. Qual a sua opinião?
José Vicente: O golpe de 1964 abortou um processo que encaminhava as polícias brasileiras para serem órgãos de defesa da ordem pública e do cidadão. Nos anos 50, por exemplo, havia um batalhão no Rio de Janeiro chamado Cosme e Damião - no Rio Grande do Sul o nome era batalhão Pedro e Paulo -, cujos policiais andavam em dupla e tinham todas as funções que os ingleses depois batizaram de polícia comunitária. Mas em 1967 uma lei da ditadura transformou as polícias militares em órgãos auxiliares das Forças Armadas e militarizou o ensino policial. A PM precisa se adequar ao trabalho em uma sociedade democrática.


Quais os caminhos para isso?
José Vicente: O ensino policial é fundamental. Militarismo excessivo, com seus regulamentos disciplinares e rigidez hierárquica, não faz mais sentido. Há academias de polícia em que os alunos são obrigados a arrumar o lençol da cama em forma de estrela num dia, de lua no outro e assim por diante, sob o risco de serem punidos se errarem. O que isso tem a ver com o ofício de policial? Também faltam noções de direitos humanos, de investigação criminal, algo básico mas incrivelmente precário no Brasil. E mediação de conflito. No mundo todo, 70% das ocorrências atendidas pela polícia são conflitos ainda não criminais. Dependendo da abordagem, esse tipo de ocorrência pode se transformar em crime, às vezes com a participação direta do policial. É evidente que temos mais a ganhar ensinando policiais a mediar conflitos do que a arrumar o lençol. Policial deve ser educado, e não adestrado, para executar suas funções. Falo de algo sério, pois estamos desperdiçando recursos humanos e financeiros. Esse é apenas um dos aspectos da crise organizacional das polícias brasileiras.


A questão salarial é outro?
José Vicente: Obviamente. Eu sou a favor de um piso nacional, mas precisamos discutir o valor. A PEC 300 (Proposta de Emenda à Constituição) toma como padrão o salário no Distrito Federal. Mas ali os salários são pagos pelo governo federal. O debate deve levar em conta a sustentabilidade dos Estados. Recursos há, afinal eles não faltam para construir estádios de futebol de bilhões de reais. Outro aspecto, ligado a este, são as condições de trabalho do policial, seja militar, civil, federal, bombeiro, não importa. Nas polícias civis os turnos são de 24 horas por 72 de descanso. Ora, ninguém se mantém atento por 24 horas sem dormir. Isso é um absurdo. Há relatos de turnos de 24 horas em pé. E isso é inumano. Algo mais básico: são raras as policiais que têm coletes à prova de bala adequados à anatomia feminina; nem todas as polícias oferecem seguro de vida aos seus agentes. Enfim, são profissionais fundamentais para a sociedade que não têm o devido reconhecimento por parte dessa mesma sociedade e dos governos. As greves refletem essa insatisfação.


Greve de profissionais autorizados a trabalhar armados é motim ou instrumento político?
José Vicente: Em 2012 completamos 15 anos de greves de policiais no Brasil. Elas abrangeram todas as categorias e nenhum Estado passou incólume. Foram 150 greves organizadas por policiais civis, 34 por policiais militares (incluindo bombeiros), 18 por policiais federais, 22 por guardas civis e 60 por agentes penitenciários. Nesse período somente Amapá e Amazonas tiveram uma greve cada. Na Bahia foram 14. Em São Paulo, 17. Pela abrangência e pela constância, estamos claramente diante de um fenômeno social. Há enorme dificuldade do poder público e da imprensa de reconhecer a legitimidade dessas mobilizações como luta social de uma categoria por melhores condições de vida. Essas greves mostram que as pessoas estão se sentindo desrespeitadas nos seus direitos de cidadãos e trabalhadores.


Mas na Bahia líderes grevistas incentivaram atos de vandalismo e suspeita-se que policiais encapuzados tenham invadido ônibus. Não houve excessos?
José Vicente: Claro que houve. Inclusive os trabalhadores devem reconhecer que fazem parte de um processo político. Sua legitimidade depende disso. Alguns métodos adotados na Bahia passaram longe da política. Por outro lado, é inútil discutir se tal partido apoiou a greve quando era de oposição e agora é contra porque está no governo. Ou se tal liderança grevista é filiada a esse ou àquele partido. É inútil porque partido brasileiro nenhum tem uma agenda de segurança pública. O máximo que conseguem fazer é apelar ao discurso repressivo de "mais polícia na rua" em época eleitoral. Trata-se de um vácuo que remonta à Constituinte de 1988. Na ocasião as forças democráticas de esquerda já não tinham propostas de segurança pública a não ser a condenação da violação aos direitos humanos praticada pelas polícias. Agora que as greves de policiais estão aí é preciso reconhecer nelas uma forma de luta social como tantas outras. Negar esse fato valendo-se de palavras como "motim", ou tentando partidarizar a questão, é um desserviço à democracia. A crise na Bahia traz mais uma vez a oportunidade de elevar o nível da discussão sobre as nossas necessidades em termos de segurança pública. Afinal, queremos ter um serviço policial ou uma força policial? Este é o debate que se impõe.


* JOSÉ VICENTE TAVARES DOS SANTOS, SOCIÓLOGO E PROFESSOR TITULAR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL.


Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. ALIÁS - Domingo, 12 de fevereiro de 2012 - Pg. J4 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mais-uma-para-ficar-na-historia,834804,0.htm
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Uma outra análise e visão:


AS FRONTEIRAS DA AÇÃO POLICIAL

JOSÉ DE SOUZA MARTINS *

A greve na Bahia e o despejo no Pinheirinho expressam as imperfeições da ordem e o desprezo elitista pelo Brasil da margem
A greve da Polícia Militar da Bahia ocorre na mesma conjuntura da intervenção da Polícia Militar de São Paulo no despejo dos ocupantes do Pinheirinho, em São José dos Campos [foto acima]. As motivações são opostas e os silêncios também. Mas os sujeitos não diferem. Na greve da Bahia, a PM priva a sociedade da segurança da ordem e, por meio da coação, força o governo petista a atender suas pressões. A PM de São Paulo, para cumprir ordem judicial e impor o primado da lei e da ordem, viu-se instrumento do que parecia e é uma injustiça praticada em nome do direito.


Apesar do fato de que as duas ocorrências se deem em territórios de governos de partidos antagônicos, elas oferecem a oportunidade de um exame das questões além do limitado horizonte do partidário. O país tem sido refém de um pendularismo ideológico que dificulta a compreensão de anomalias políticas, como essas. É que são elas expressões das estruturas profundas de uma sociedade carregada de heranças do pretérito e do atraso pré-político. A história não é petista nem tucana.


A greve da Bahia violou os direitos humanos da população baiana ao pô-la em situação de risco, concretizado nos decorrentes assassinatos e saques. E na violência generalizada do terror do amotinamento dos agentes de uma instituição essencial à manutenção da ordem. Encerrar a greve, como se os mortos vitimados pela omissão da PM baiana fossem apenas produtos defeituosos e descartáveis da linha de produção de uma fábrica, seria confissão de criminoso desprezo pela vida do outro. Em princípio, cúmplice de homicídio, mesmo decorrente de uma greve, tem seu crime capitulado no Código Penal, e não na legislação trabalhista. A greve na Bahia desandou, ainda, para o deboche, que lhe revelou o sentido último, ao aliciar a simpatia do general comandante da operação de imposição da lei, subornando-lhe as lágrimas com um bolo de aniversário.


Às pressas, a presidente da República desenterra projeto de regulamentação do direito de greve no serviço público, o que abrange as polícias. É medida que se torna urgente. Quando a liberalidade da lei é fator de abuso, violência e anulação das próprias condições de afirmação do direito, a regulação torna-se necessária. A greve é historicamente a indicação de um limite, não um direito de abuso.


É significativo que o atual governador, que foi um dia experimentado líder sindical, tivesse sido surpreendido, em visita a Cuba, por uma greve que correu fora dos canais sindicais de convenção e fora das expectativas da reivindicação negociável. Crianças e mães e o bolo do general são indicativos de reclamo pautado longe da racionalidade própria das relações de trabalho. Toda a população do Estado foi feita refém de uma chantagem. A reivindicação salarial justa deixou de sê-lo quando veiculada por meio de técnicas de intimidação e de extorsão.


As mudanças que vem ocorrendo no País no último meio século indicam claramente que o eixo da reivindicação de classe foi deslocado pela própria dinâmica da economia moderna e, sobretudo, pela dinâmica da sociedade. A sociedade se fragmentou e já não há fatores que deem unidade, visibilidade e eficácia política ao pressuposto da classe social como agente das demandas sociais. Hoje, as entidades e movimentos de reivindicação, mesmo os profissionais, estão mutilados pela interveniência de subjacentes demandas estranhas à situação de classe, como as raciais, religiosas e corporativas.


Os grupos desfavorecidos falam como grupos de interesse que expressam demandas informadas pela rusticidade das ideias da economia moral, como fazem os PMs da Bahia e como faz o MST, arrastando para o cenário de seus conflitos mulheres e crianças, aquém do sindicato e do partido e, portanto, aquém do neoliberalismo de negociação que os preside. Ou seja, a família como sujeito pré-político de carências. O que o historiador inglês E. P. Thompson chamou de economia moral retorna do fundo dos tempos, dando nova e diferente entonação às lutas sociais. Esse é o ponto que junta os problemas impostos aos respectivos governos pelas PMs na Bahia e em São Paulo.


Numa entrevista infeliz a Débora Bergamasco, a secretária da Justiça de São Paulo alinhavou argumentos de radical legalismo para justificar a ordem judicial do despejo no Pinheirinho e o emprego da PM para executá-la. O país da bem-vinda Constituição liberalizante de 1988 omitiu-se em relação a questões essenciais, como a dos limites morais na execução da lei. A própria ditadura militar, no governo Costa e Silva, em face da violência dos despejos de posseiros na Amazônia, baixara ato complementar instituindo a audiência prévia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária na decretação de despejos pela Justiça, antepondo o primado social da reforma agrária às formalidades da lei, dada a possibilidade da desapropriação e da regularização fundiária. O caso da Bahia e o caso de Pinheirinho expressam as imperfeições da ordem e o desprezo elitista pelo Brasil da margem.


* JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP, AUTOR, ENTRE OUTROS, DE A POLÍTICA DO BRASIL LÚMPEN, MÍSTICO (CONTEXTO, 2011).


Fonte: O Estado de S. Paulo - Supl. ALIÁS - Domingo, 12 de fevereiro de 2012 - Pg. J4 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,as-fronteiras-da-acao-policial,834795,0.htm

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