«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Saber perder [Não deixe de ler!]

RENATO MEZAN


Os que melaram a apuração se equiparam àqueles brasileiros para quem só o sucesso interessa – não importa como foi conseguido


Os episódios que marcaram a apuração das notas ao final do Carnaval de São Paulo vêm dando o que falar. Alguns comentários comprovam mais uma vez a conhecida tendência nacional a desfocar o debate do que realmente interessa, trazendo para ele alhos, bugalhos e o que “malhos” houver por perto – “o Carnaval da cidade acabou, está encerrado”, “a cidade não tem condições de organizar eventos dessa magnitude”... Se queremos refletir com propriedade sobre esses lamentáveis acontecimentos, convém começar por estabelecer – na medida em que isto é possível no momento em que escrevo – o que de fato ocorreu.


Segundo os jornais, a sequência teria sido essa: dois jurados passaram mal durante o desfile, e, de acordo com o regulamento, foram substituídos. Isso desagradou a alguns dirigentes, que suspeitaram de manobra para favorecer a escola Mocidade Alegre: Darly Silva, da Vai-Vai, teria comentado “está tudo vendidinho. Não vamos aceitar”. Presidentes das escolas se reúnem e chegam a um acordo – não está muito claro qual: ou bem este ano não haveria campeã, ou nenhuma escola seria rebaixada. O que é claro é a impropriedade de tal acordo, que de qualquer modo não teria sido comunicado aos jurados. Faltando duas notas para completar o julgamento, e com a Mocidade Alegre vencendo a disputa, dirigentes de algumas escolas são filmados invadindo o local da apuração, onde dois energúmenos rasgam votos, chutam envelopes e dão início ao sururu.


Nos depoimentos à polícia, cada qual tenta jogar a culpa nos outros, inclusive inventando balelas das mais improváveis: segundo o advogado de um dos envolvidos, seu cliente não teria rasgado cédulas, mas “envelopes vazios”, pois teria entrado no local da apuração para “tentar resgatar os votos dados à sua escola”...


Do ponto de vista psicológico, duas coisas chamam a atenção: o desrespeito às regras por parte dos tais dirigentes, e a impulsividade da sua reação à substituição dos jurados. O presidente da Vai-Vai tinha todo o direito de suspeitar dos novos, mas nenhum direito de fazer o que fez. Poderia ter questionado se havia algum laudo médico sobre o mal-estar dos jurados anteriores, poderia pedir que a apuração fosse adiada até que o assunto se esclarecesse, ou qualquer outra medida conforme ao do regulamento. Por outro lado, se este prevê a troca de jurados, não há o que discutir – suplentes existem para ser chamados em caso de necessidade, ponto final.


Ora, em vez de agir como adultos civilizados, os dirigentes se reúnem para fazer um acordo. O nome disso é motim, e nos navios ingleses de antigamente era motivo de enforcamento. Eles se comportaram como crianças mimadas a quem se nega um brinquedo. Sua ação lembra os pitis delas, segundo o ciclo bem conhecido pelo qual a frustração desencadeia raiva, e esta impele a um ato irrefletido, que visa a “matar” a causa da frustração.


Em adultos, a ocorrência deste ciclo sugere que algo está falhando no sistema interno de controle a que a psicanálise chama superego. Parece razoável supor que aqui se combinem dois fatores, um de ordem conjuntural – a intensidade daquela frustração específica e da raiva que a acompanha – e outro de natureza estrutural, a fragilidade dos freios de que depende o autocontrole, em particular dos ligados aos valores e ideais.


Em situações de competição, um dos valores centrais a determinar o comportamento dos participantes é o fair-play (literalmente, jogo bonito, ou limpo). Não é por acaso que a expressão está em inglês: ela designa o que diferencia os esportes modernos dos antigos, medievais e renascentistas. A origem de quase todos eles está nas escolas onde, no século XIX, os jovens da elite britânica eram preparados para governar (e preservar) o império mais poderoso do planeta. Saber manter o sangue frio em situações tensas faz parte das capacidades requeridas de um líder, e o fair-play era visto como um dos meios para a desenvolver.


O fair-play é mais do que simplesmente não trapacear: implica respeitar o adversário como um igual, e, ao não agir de modo desleal, de certo modo o levar ter para comigo a mesma atitude. Daí provêm as exigências de cumprimentar o oponente antes e depois do jogo, de acatar as decisões do juiz durante a partida, de saber ganhar com elegância e perder com dignidade.


Que o carnaval tenha se convertido numa competição não é segredo para ninguém, e não me parece um grande problema. O desfile das escolas é o ponto culminante de todo um sistema que confere às comunidades envolvidas um senso de identidade de grande importância emocional. Daí as paixões que o cercam, e o natural desejo de levar o troféu: é evidente o reforço que isso traz no plano da autoestima e do prestígio.


Mas esses ganhos só podem ser obtidos se a vitória for limpa, e portanto incontestável. “Estragaram nossa festa”, disse a presidente da Mocidade Alegre, Solange Bichara – que, segundo os jornais, na tal reunião agiu de acordo com o fair-play, votando pela recusa das notas dos jurados sobre os quais pesava a suspeita (não importa se justa ou não) de que iriam favorecer a sua escola.


Ao contrário da dirigente Solange, os que melaram a apuração se comportaram como trogloditas: todo o resto é retórica para ocultar esse fato. Não souberam perder, assim como provavelmente não saberiam ganhar. E nisso, para concluirmos, se equiparam a muitos de nós, brasileiros, para quem só o sucesso interessa, sem olhar para como foi conseguido.


Exemplos não faltam, dos incompetentes e corruptos que se agarram como carrapatos às suas cadeiras ministeriais ao enlameado presidente da CBF, acusado de levar dinheiro público numa nebulosa negociata, e a um ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, que se autoconcedeu uma indenização milionária.


Que Darly Silva, Tadeu Faria e Cauê Ferreira e companhia sejam castigados pelo vexame que provocaram, que as escolas a que pertencem recebam alguma punição que desestimule outros dirigentes a desrespeitar as regras da sua própria Liga, que torcidas facilmente inflamáveis sejam impedidas de presenciar a apuração dos próximos desfiles – e que os lamentáveis incidentes que mancharam o carnaval de 2012 sirva para todos nós pensarmos um pouco mais antes de agir precipitadamente.


RENATO MEZAN É PSICANALISTA, PROFESSOR TITULAR DA PUC/SP E AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE INTERVENÇÕES (CASA DO PSICÓLOGO).


Fonte: O Estado de S. Paulo - ALIÁS - Domingo, 26 de fevereiro de 2012 - Pg. J6 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,saber-perder,840408,0.htm

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