«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

''Por trás do escândalo, a intensificação do confronto entre CL e Opus Dei''

Entrevista com 
Ferruccio Pinotti 


Valerio Gigante
Adista
18.02.2012

Para esclarecer mais as razões profundas que movem o vazamento de notícias dos palácios vaticanos à mídia e o conflito em andamento dentro da cúpula eclesiástica, a Adista entrevistou Ferruccio Pinotti [foto ao lado], jornalista investigativo, autor de inúmeros livros de investigação sobre as finanças vaticanas, assim como sobre o Comunhão e Libertação e o IOR [o chamado Banco do Vaticano]. 

O que você pensa sobre o escândalo que estourou depois das revelações feitas pelo canal La7 sobre o caso Viganò?

Parece claro que está em curso um confronto interno ao Vaticano que está chegando a um nível muito elevado e que tem hoje como objetivo principal o secretário de Estado, o cardeal Bertone, e a sua entourage.

Você, portanto, é da ideia de que o episódio não estourou casualmente, mas sim como fruto de uma estratégia interna aos âmbitos eclesiásticos. Um pouco como o caso Boffo de 2009... Além disso (como testemunha a palavra "recebida" estampada na parte superior direita do original mostrada por Gianluigi Nuzzi), a carta de Viganò ao cardeal Bertone saiu da Secretaria de Estado, não do arquivo privado do ex-secretário do Governatorato...

Sim, é uma hipótese muito realista. No Vaticano, há anos, está em andamento uma guerra entre correntes. O conflito, da forma como está se desenvolvendo hoje, me parece um pouco confuso nos resultados e, em todo o caso, muito pouco governável. O vazamento de notícias dada como alimento aos meios de comunicação é testemunha disso. Bertone, na Cúria, sempre teve inimigos. Mas acho que hoje a hostilidade contra ele se agudizou por consequência da operação que o secretário de Estado realizou de forme muito decisiva para a aquisição do [hospital] San Raffaele de Milão.

O projeto de expansão dos interesses vaticanos no âmbito da saúde, por si só, certamente entra em conflito com os históricos interesses nesse setor por parte do Comunhão e Libertação (CL). Mas levar esse projeto justamente para a Lombardia, no coração do poder ciellino [referente ao CL], e ainda mais visando o San Raffaele, um hospital que obtém 450 milhões de euros por ano de reembolso público pelos serviços de saúde prestados, bem, esse talvez foi o risco que Bertone está pagando. E, com efeito, entre os opositores mais acesos da tentativa de escalada de Bertone ao San Raffaele, estava justamente o cardeal Scola, cuja ação se uniu à dos âmbitos próximos à CEI [Conferência dos Bispos da Itália] e a um certo número de expoentes da Cúria que, nos últimos anos, haviam sido postos progressivamente à margem por Bertone.

Bertone foi defendido nestes anos pelo Opus Dei (na cúpula do IOR, senta-se, dentre outros, um dos seus supranumerários, Ettore Gotti Tedeschi - foto ao lado), que teria voltado novamente à fracassada operação de aquisição do San Raffaele junto com o empresário Malacalza. Estaria se repropondo, portanto, em um plano intraeclesial, além do econômico-financeiro, o tradicional confronto entre CL e Opus Dei?

Sim, com uma diferença com relação ao passado: o Opus Dei não tem mais aquela atitude de superioridade e de arrogante indiferença que tradicionalmente teve contra o movimento do Pe. Giussani, quando a Obra se ocupava das altas finanças e deixava ao Comunhão e Libertação os contratos e as relações com os governos locais. Uma mudança que eu pude constatar pessoalmente nas declarações que, no encontro de Rimini de 2009, me foram dadas pelo próprio porta-voz do Opus Dei na Itália, Giuseppe Corigliano, muito atento em buscar um diálogo com o CL, ao enfatizar os carismas que tornavam a Obra semelhante ao movimento de Giussani. Certamente, ao mesmo tempo, se notava também um certo constrangimento de Corigliano diante da exibição de grandeza e de poder que caracteriza as kermesse do CL e que não tem nada a ver com o estilo do Opus. Um desconforto que, para além do desapontamento, talvez escondesse também um certo desejo de imitação.

Certamente, hoje, mais do o confronto entre as duas forças, parece haver um choque entre duas fraquezas, se é verdade que o Opus, no fim, não se deu bem na tentativa de reforçar a sua presença no setor da saúde, e o CL não está passando por um período muito feliz do ponto de vista político e judicial...

Se somarmos a isso a crise econômica, provavelmente conseguiremos explicar também a intensidade que o confronto intraeclesial atingiu nos últimos meses e que é difícil de detectar, pelo menos nessas formas, em épocas anteriores vividas pela Igreja Católica pós-conciliar.

Você considera o papa como espectador, apesar do confronto em andamento, ou como parte interessada, por ter nomeado Bertone [foto ao lado] e ter apoiado a sua ação?

É difícil responder. Historicamente, esse papa teve ótimas relações com o Comunhão e Libertação, do qual sempre admirou o espírito e a ação eclesial. Não por acaso são Memores Domini [membros leigas do CL] que prestam o serviço no apartamento pontifício. Mas o Opus Dei também teve uma relação privilegiada com o papa atual. Alguns chegam a defender que a Obra desempenhou um papel importante na própria eleição de Bento XVI. Portanto, considera que Ratzinger, hoje, prefere mediar entre os diversos interesses em campo. Mas, objetivamente, até pelo nível do que está em jogo e dos atores em campo, a situação lhe escapou das mãos. Em suma, está em andamento na Igreja um projeto disruptivo que, muito dificilmente, o papa ou Bertone poderão levar novamente à unidade.

Mas Bento XVI deu muito poder justamente a essas realidades que, hoje, na Igreja, combatem abertamente a sua própria luta pela hegemonia...

A contradição está justamente aí. Esse papa, hoje, gostaria de levar à ordem justamente lefebvrianos, legionários, neocatecumenais, ciellini, opusdeístas. Mas se trata de estruturas às quais, nos últimos anos, especialmente sob o pontificado de João Paulo II, foi concedida uma autonomia enorme do ponto de vista doutrinário, eclesial e, sobretudo, financeiro.


Hoje, portanto, os impulsos centrífugos, desencadeados pela próprio pontificado wojtyliano (dentro do qual Ratzinger desempenhou um papel nada secundário) parecem muito mais fortes do que os centrípetas, e eu não acredito que o papa conseguirá reconduzir à unidade setores do corpo eclesial que já se tornaram muito influentes, até por causa do enorme poder financeiro acumulado. E que combatem a sua batalha uns contra os outros em projetos muito complexos e diferentes, que vão das estratégias políticas às alianças com os banqueiros e o mundo industrial, das finanças à aquisição de hospitais e universidades, da ocupação dos postos-chave no organograma vaticano às nomeações episcopais.

Tradução de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506574-por-tras-do-escandalo-a-intensificacao-do-confronto-entre-cl-e-opus-dei-entrevista-com-ferruccio-pinotti

Para entender melhor esse conflito interno à Igreja Católica
leia a entrevista abaixo:

''Há um estilo de trabalho maldoso na Cúria''

Entrevista com 
Walter Kasper

Gian Guido Vecchi
Corriere della Sera
13.02.2012

 A história dos "venenos" vaticanos cai em uma semana importante de encontros e reuniões cardinalícias. E o clima não é dos melhores depois da "nota" anônima publicada pelo jornal Il Fatto Quotidiano, na qual se previa um complô contra o papa que "teria apenas mais 12 meses de vida". "Divagações", segundo a Santa Sé. 

Mas o fato é que o texto, entregue à Secretaria de Estado pelo cardeal Darío Castrillón Hoyos, vazou ao exterior. Tanto que a Gendarmeria Vaticana, chefiada pelo comandante Domenico Giani, investiga para encontrar a "toupeira" ou as "toupeiras". 

Enquanto isso, na próxima sexta-feira, 17 de fevereiro, o Colégio Cardinalício se reunirá às vésperas do consistório de sábado, quando o papa criará 22 novos cardeais. Antes ainda, na quinta-feira, na embaixada da Itália junto à Santa Sé, serão festejados os Pactos Lateranenses, com um encontro entre a cúpula dos dois Estados. E para esta terça-feira, 14 de fevereiro, está prevista uma reunião do Conselho dos Cardeais para o estudo dos problemas organizativos e econômicos.

"Desagrada-me pelo Santo Padre. Desagrada-me muito. Ele deve estar muito triste ao ver como tentam destruir o que ele construiu". O cardeal Walter Kasper (foto ao lado), 78 anos, durante dez anos à frente do Pontifício Conselho para as relações com as outras confissões cristãs e com os judeus, é um dos maiores teólogos vivos. Um dos poucos que Bento XVI citou diretamente em seu Jesus de Nazaré

Ele e Ratzinger se conhecem há mais de 40 anos, também tiveram posições teológicas diferentes, mas estão unidos pela estima recíproca. Neste ano, foi publicado na Itália La Chiesa cattolica. Essenza. Realtà. Missione [A Igreja Católica. Essência. Realidade. Missão] (Ed. Queriniana), obra na qual o cardeal Kasper reflete sobre o futuro da Igreja: "Um novo começo é possível apenas se, de modo semelhante ao que aconteceu com o movimento que levou ao Vaticano II, três coisas concorram: uma renovação espiritual alimentada pelas fontes, uma sólida reflexão teológica e uma mentalidade eclesial". Especialmente esta última parece estar faltando com os contínuos vazamentos de notícias dirigidas, por último a nota anônima sobre o "complô" inexistente contra o papa. "Eu as achei repugnantes", suspira.

Eis a entrevista.

O que está acontecendo, eminência?

Veja, eu não sei se são disputas de poder ou outra coisa, e não me interesso por isso. Não está muito claro o que propõem. Talvez se queira prejudicar o secretário de Estado, atingir outras pessoas também. Certamente, o que está em jogo é a imagem de toda a Igreja. Mesmo que a nota anônima que foi entregue à imprensa esteja fora da realidade, que seja ridícula: todo mundo é consciente disso, é a evidência.

Exatamente: além do conteúdo, o problema é que, dentro do Vaticano, há alguém que faz filtrar essas coisas para o exterior...

Eu não sei nem nunca soube muito sobre os assuntos internos do Vaticano. Nunca quis saber sobre esses lobbies, não me interessam, sou um estrangeiro na Cúria! E eu tentei fazer o meu trabalho. Por isso, sei como o papa se entristece com essas coisas.

Ratzinger passou 30 anos na Cúria Romana. Não deve estar surpreso, não?

O papa nunca entrou nesses subterrâneos. Desde quando era cardeal e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Joseph Ratzinger sempre pensou em fazer o seu trabalho, em prestar o seu serviço à Igreja. Jamais se inseriu nessas disputas internas. Questão de dignidade.

O que não funciona?

É um problema de falta de eclesialidade. Quem se presta a essas coisas não tem o sentido de Igreja, de lealdade à Igreja e ao próprio Vaticano. Não, não se fazem essas coisas. Como cristão e como pessoa, penso que devemos pedir justiça, se considerarmos que sofremos um equívoco. Mas não assim. Há um estilo maldoso.

Um estilo maldoso?

Sim, esse episódio também mostra um clima de burocracia interna, um estilo de trabalho que não vai bem. Não em todos, claro. Muitos trabalham pela Igreja. Mas quem faz essas coisas é um irresponsável.

Mas qual é o estilo correto?

Se alguém quer criticar o secretário de Estado ou outra pessoa, pode fazê-lo, se tem argumentos. Fale claramente, apresente as suas objeções ao interessado direto, diga ao papa. Mas não assim, não com essas coisas anônimas que não têm credibilidade e se desqualificam por si sós. Quem tem algo a dizer deve se apresentar com o seu rosto e o seu senso de responsabilidade.

Foi um cardeal, Darío Castrillón Hoyos, que entregou ao secretário de Estado a nota anônima.

Mas isso também pode ser feito. Certamente, a nota está fora da realidade, o conteúdo é risível. Mas há pessoas que têm a responsabilidade de avaliar. Se eu recebo um sinal, informar o secretário de Estado é uma obrigação. Mas há alguém que deu o documento aos jornais; esse é o ponto. Estou muito decepcionado com esses vazamentos de notícias, dos documentos reservados às nomeações que aparecem nos jornais antes que sejam oficiais.

Quais são as consequências?

Eu sempre continuei me encontrando com as pessoas, sempre falei com o povo. Sobre esses episódios, os fiéis ficam escandalizados, e com razão. Quem faz essas coisas provoca confusão entre o povo cristão. O que está em jogo é a imagem da Igreja. E isso justamente enquanto há um pontífice que trabalha pela renovação da Igreja: ele, quando viu abusos, quis pôr ordem.

O que se pode fazer agora, eminência?

Veja, eu saberia o que dizer ao Santo Padre. Posso dizê-lo ao próprio papa, ou escrever-lhe uma carta. Depois, ele avaliará e fará ou não, como quiser. Mas certamente nunca o diria na TV ou nos jornais.

Tradução de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Terça-feira, 14 de fevereiro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506524-ha-um-estilo-maldoso-na-curia-entrevista-com-walter-kasper
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Veja a matéria jornalística e o documento que deram origem a toda essa polêmica:

Complô contra Bento XVI. 
A denúncia de um jornal italiano

Il Fatto Quotidiano
10.02.2012
Uma nota entregue há um mês pelo cardeal Castrillón, sob o conhecimento do pontífice, relata o que foi dito pelo cardeal Romeo, arcebispo de Palermo, na Itália, em novembro passado algumas conversas na China: "Os seus interlocutores pensaram, com horror, que está sendo programado um atentado contra o papa". Também há o nome de Scola como possível sucessor. Lombardi, porta-voz da Santa Sé, afirma: "É tão incrível que não é possível comentar".

Mordkomplotts. "Complô de morte". É impressionante ler claramente, em um documento estritamente confidencial e reservado, publicado com exclusividade pelo jornal Il Fatto Quotidiano, que um influente cardeal, o arcebispo de Palermo, Paolo Romeo, prevê com preocupante certeza a morte do papa até novembro de 2012. Uma morte que, pela segurança com que foi prognosticada, faz com que os interlocutores do cardeal entendam a existência de um complô para matar Bento XVI.

A nota é anônima e está datada de 30 de dezembro de 2011. Foi entregue pelo cardeal colombiano Darío Castrillón Hoyos à Secretaria de Estado e ao secretário do papa nos primeiros dias de janeiro, com a sugestão de realizar investigações para compreender exatamente o que o arcebispo Romeo fez e com quem falou na China.

O pontífice foi informado do conteúdo da nota em meados de janeiro passado, diretamente pelo cardeal Castrillón, durante uma audiência reservada, e o papa deve ter dado um pulo na cadeira. O documento começa com uma premissa em letras maiúsculas: "Estritamente confidencial". Provavelmente, os homens que cuidam da segurança do pontífice – começando pela Gendarmeria Vaticana, liderada pelo ex-agente do serviço secreto italiano, Domenico Giani [foto ao lado] – estão tentando verificar as circunstâncias em que foram pronunciadas essas terríveis previsões e a sua credibilidade.

Sempre circulam lendas sobre conspirações vaticanas, e foram escritos muitos livros sobre a morte suspeita de João Paulo I. Mas aqui estamos diante de um ineditismo absoluto. Ninguém jamais havia colocado preto no branco a hipótese de um complô para matar o papa. Um complô que poderia se realizar daqui a novembro próximo e que está inserido no documento dentro de uma análise inquietante das divisões internas da Igreja, que veem contrapostos o papa e o secretário de Estado, Tarcisio Bertone, às vésperas de uma suposta sucessão, que esperamos que, ao contrário, esteja distante no tempo.

O complô e os protagonistas

Segundo a reconstrução atribuída pelo documento ao arcebispo Romeo (foto ao lado), Angelo Scola, arcebispo de Milão, seria o sucessor designado pelo Papa Ratzinger. O documento em posse do jornal Il Fatto Quotidiano está escrito em alemão, provavelmente para que seja plenamente compreendido apenas pelo papa e pelos mais próximos seus colaboradores e conterrâneos, como o Mons. Georg Gänswein [secretário pessoal do papa]. Ele começa com um longo "objeto" em negrito: "Viagem do Cardeal Paolo Romeo, Arcebispo de Palermo, a Pequim, em novembro de 2011. Durante as suas conversas na China, o cardeal Romeo profetizou a morte do Papa Bento XVI dentro dos próximos 12 meses. As declarações do Cardeal foram expostas, como alguém provavelmente informado de um sério complô criminoso, com tal segurança e firmeza que os seus interlocutores na China pensaram, com horror, que esteja sendo programado um atentado contra o Santo Padre".

Depois dessa premissa explosiva, o texto se articula em três parágrafos, cada uma com um título em negrito. O primeiro é Viagem a Pequim; o segundo, Secretário de Estado, Cardeal Tarcisio Bertone, e o terceiro é Sucessão do Papa Bento XVI.

No primeiro parágrafo, reconstrói-se a estranha viagem à China realizada pelo arcebispo de Palermo, Paolo Romeo, um personagem influente na Igreja: 73 anos, nomeado cardeal no consistório de 20 de novembro de 2010 pelo papa, ele irá participar do próximo conclave. Nascido em Acireale em uma família rica e numerosa, Romeo é uma pessoa extrovertida, que gosta da boa cozinha e das tecnologias, tanto que, no site da sua arquidiocese, lê-se: "Siga-nos no Twitter", que, segundo ele, "o Senhor poderia ter usado para os Dez Mandamentos".

Depois de uma longa carreira que o levou às Filipinas, Venezuela, Ruanda, Colômbia e Canadá, ele foi nomeado núncio na Itália e, em 2006, quando devia ser nomeado presidente da Conferência Episcopal Italiana, promoveu uma consulta entre todos os bispos italianos, nunca autorizada e repudiada por Bento XVI.

O cardeal Castrillón Hoyos (foto ao lado) também foi repudiado pelo papa por uma carta sua de 2001, na qual se congratulava com um bispo francês condenado por não ter querido denunciar às autoridades civis um dos seus sacerdotes, culpado por abuso sexual de menores. Castrillón, mais velho do que Romeo, pertence à corrente mais tradicionalista da Igreja e, em 2009, como presidente da Comissão "Ecclesia Dei", quando se ocupava dos lefebvrianos, não assinalou ao papa o perigo representado pelas posições antissemitas do bispo Williamson. Aos 80 anos completados em 2010, ele está aposentado e não participará do próximo conclave.

Castrillón, talvez, perceba como uma invasão de campo a visita de Romeo à China. Um país em que está em andamento uma duríssima repressão sobre a comunidade cristã, que se recusa a se submeter ao regime. Segundo o que está escrito no documento, no entanto, Romeo não teria se ocupado com isso: "Em novembro de 2011, o Cardeal Romeo se dirigiu com um visto de turista a Pequim, onde, de fato, não se encontrou com nenhum expoente da Igreja Católica na China, mas sim com homens de negócios italianos, que vivem, ou melhor, trabalham em Pequim, e alguns interlocutores chineses. Em Pequim, o Cardeal Romeo declarou ter sido enviado pessoalmente pelo Papa Bento XVI para prosseguir, ou melhor, para verificar as conversações iniciadas pelo Cardeal Darío Castrillón Hoyos em março 2010 na China. Além disso, ele afirmou ser o interlocutor designado pelo papa para se ocupar no futuro com as questões entre a China e o Vaticano".

Os três parágrafos do documento

No primeiro parágrafo, o escritor anônimo do documento entregue aos homens do secretário de Estado, Bertone, e do papa por Castrillón traça substancialmente um Romeo um pouco vaidoso e gabola. O arcebispo de Palermo é creditado como um antigo amigo do cardeal Castrillón, especialista em relações com as Igrejas clandestinas desde os tempos da sua experiência nas Filipinas e até mesmo como membro de uma espécie de diretório secreto que governaria a Igreja de Ratzinger. 

"O Cardeal Romeo surpreendeu os seus interlocutores em Pequim, informando-lhes que ele – Romeo – formaria, juntamente com o Santo Padre – Papa Bento XVI – e com o Cardeal Scola, uma troica. Para as questões mais importantes, portanto, o Santo Padre se consultaria com ele – Romeo – e com Scola".

Depois, vem o parágrafo sobre as críticas que Romeo teria dirigido contra o chefe do governo da Igreja, o secretário de Estado, Tarcisio Bertone

"O Cardeal Romeo criticou duramente o Papa Bento XVI, porque se ocuparia principalmente da liturgia, ignorando os 'assuntos cotidianos', confiados pelo Papa Bento XVI ao Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado da Igreja Católica Romana"

E não só isso: Bertone e Ratzinger são descritos como uma dupla de litigantes forçados a conviver entre os muros leoninos: "A relação entre o Papa Bento XVI e o seu secretário de Estado, o Cardeal Tarcisio Bertone, seria muito conflitante. Em uma atmosfera de confidencialidade, o Cardeal Romeo informou que o Papa Bento XVI literalmente odiaria Tarcisio Bertone e o substituiria com muito prazer por outro Cardeal. Romeo acrescentou, porém, que não haveria outro candidato adaptado para ocupar essa posição e que, por isso, o secretário de Estado, Cardeal Tarcisio Bertone, continuaria desempenhando o seu cargo".

Nesse ponto, depois de observar que "a relação entre o secretário de Estado e Cardeal Scola também seria igualmente adversa e atormentada", chega o parágrafo que trata da sucessão do papa, que vê em posição privilegiada justamente o cardeal Scola, desde sempre próximo ao Comunhão e Libertação. 

"Em segredo, o Santo Padre estaria se ocupando da sua sucessão e já teria escolhido o Cardeal Scola como candidato idôneo, por ser o mais próximo da sua personalidade. Lenta mas inexoravelmente, ele o estaria preparando e formando para assumir o cargo de papa. Por iniciativa do Santo Padre – segundo Romeo –, o Cardeal Scola foi transferido de Veneza para Milão, para poder se preparar de lá com calma ao seu papado. O Cardeal Romeo continuou surpreendendo os seus interlocutores na China – continua o documento entregue pelo cardeal colombiano ao papa – continuando a transmitir indiscrições".

E eis que, depois de examinar o quadro das relações conflitantes dentro do Vaticano em vista da sucessão de Ratzinger, Romeo, segundo a nota, teria jogado uma bomba diante dos seus interlocutores: 

"Seguro de si, como se o soubesse com precisão, o Cardeal Romeo anunciou que o Santo Padre teria somente outros 12 meses para viver. Durante as suas conversas na China, ele profetizou a morte do Papa Bento XVI dentro dos próximos 12 meses. As declarações do Cardeal foram expostas como alguém provavelmente informado de um sério complô criminoso, com tal segurança e firmeza que os seus interlocutores na China pensaram, com horror, que está sendo programado um atentado contra o Santo Padre"

Para confirmar a veracidade dos fatos relatados, o documento afirmou maliciosamente: 

"O Cardeal Romeo se sentia seguro e não podia imaginar que as declarações feitas nessa rodada de conversações secretas poderiam ser transmitidas por terceiros ao Vaticano".

Sucessão, negações e o emaranhado vaticano

O encerramento é dedicado ao tema central que evidentemente angustia o autor da nota: a sucessão de Ratzinger: 

"Também seguro de si, Romeo profetizou que, já agora, seria certo, embora ainda secreto, que o sucessor de Bento XVI será, em todo caso, um candidato de origem italiana. Como descrito antes, o Cardeal Romeo enfatizou que, depois do falecimento do Papa Bento XVI, o Cardeal Scola [foto ao lado] será eleito Papa. Scola também teria inimigos importantes no Vaticano". 

O jornal Il Fatto Quotidiano, na noite desta quinta-feira, 9 de fevereiro, telefonou para o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi, para perguntar a posição oficial do Vaticano sobre esse documento, mas a sua resposta foi: "Publiquem o que vocês acreditam, mas assumam a responsabilidade. Parece-me uma coisa tão fora da realidade e pouco séria que não quero nem levá-la em consideração. Parece-me incrível e eu não quero nem comentar".

Uma atitude de total negação dos fatos que parece ser discutível, porque o documento levanta questões importantes não só sobre a saúde e a segurança do papa, mas também sobre a situação no mínimo desconcertante em que a Igreja se encontra

Bento XVI é o líder da religião mais difundida sobre a Terra. Para os 2 bilhões de católicos, ele é o guardião da doutrina e – para além da veracidade das afirmações contidas na nota que deve ser totalmente confirmada –, esse texto deve ser levado à atenção da opinião pública. Uma carta do gênero não é uma questão que pode permanecer confinada no circuito de correspondência entre gendarmes, Secretaria de Estado e cardeais, mas deve ser explicada aos cristãos, cada vez mais atônitos com o que leem nos jornais. 

O Il Fatto Quotidiano já publicou, no dia 4 de fevereiro, a carta do núncio nos Estados Unidos, Carlo Maria Viganò [foto ao lado], ex-secretário do Governatorato da Cidade do Vaticano, na qual o arcebispo formulava acusações gravíssimas da corrupção, dos furtos e dos faturamentos falsos ocorridos dentro dos muros leoninos, e acusava de supostos crimes o monsenhor Paolo Nicolini, diretor dos Museus Vaticanos. 

Depois, publicamos um documento exclusivo sobre as relações AIF-UIF [Autoridade de Informação Financeira do Vaticano e Unidade de Informação Financeira italiana] que documentava a escolha do Vaticano de não fornecer informações bancárias anteriores a abril de 2011 às autoridades antilavagem de dinheiro

Agora, desdobre-se um documento em que se fala sem remorso da morte certa do papa e até se fantasia um possível complô para matar o pontífice. 

Por isto a nota sobre a morte do papa deve ser publicada: para que se confirme coram populo a sua origem e a sua veracidade, e, sobretudo, para que finalmente a Santa Igreja Romana saia do silêncio e explique aos seus fiéis (e não só a eles) como é possível que, entre os cardeais e o papa, circulem previsões certas de morte e hipóteses homicidas que, só de ler, sentem-se calafrios.

Leia o documento original, em alemão, aqui: 

Tradução de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sábado, 11 de fevereiro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/506427-complo-contra-bento-xvi-ele-ira-morrer-dentro-de-12-meses

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