Qual reforma da Previdência precisamos?

Reforma da Previdência, um debate necessário

Nelito Dornellas*

A população brasileira precisa saber que por detrás da proposta de reforma da Previdência está a intenção de privatizar a nossa aposentadoria, atendendo aos interesses dos grandes banqueiros


Quando pensamos em reformar nossa casa somos invadidos por um espírito de euforia e entusiasmo. A família toda participa. Os palpites surgem de forma inesperada. Cada membro da família quer dar sua opinião e manifestar seus sonhos e desejos. É um exercício de cidadania. Reforma inspira sempre a busca do melhor.

Mas não é assim que está acontecendo com o Brasil, nossa casa comum, com a proposta de reforma da Previdência elaborada no gabinete do senhor Paulo Guedes, ministro da economia. Ela está tramitando na Câmara dos Deputados como a Proposta de Emenda Constitucional - PEC 06 /2019. Por uma questão ética a sociedade brasileira não pode deixar que esta PEC seja aprovada sem que haja um amplo debate.

Apresento aqui algumas questões muito graves que precisam ser resolvidas antes de qualquer votação.

Idade mínima para aposentadoria: 62 anos para as mulheres e de 65 anos para os homens.

Tempo de contribuição: 40 anos de contribuição para receber 100%. O mínimo de contribuição é de 20 anos para receber 60% do salário.

Servidor público: 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens. Terão que contribuir por 25 anos, ter 10 anos como servidor público e 5 anos no cargo em que se der a aposentadoria e o salário será reduzido em 60%.

Trabalhador e trabalhadora rural: exige-se que cada família do campo contribua, pelo menos, com R$ 600 (seiscentos reais) anuais, mesmo que não haja produção. A idade é de 60 anos para as mulheres e com 20 anos de contribuição e de 65 para os homens.

Benefício de Prestação Continuada – BPC: esse benefício é pago para os idosos e as pessoas com deficiência que estão em situação de miséria. Propõe-se uma contribuição de apenas R$ 400 (quatrocentos reais) por mês.

Professores e professoras: terão que contribuir por 30 anos e ter no mínimo 60 anos de idade e vão receber somente 80% do salário.

Pensão por morte: a pensão deve ser de 50% da aposentadoria do falecido e mais 10% por cada dependente e quando não tiver filhos será de 60% do salário.

Capitalização: a proposta prevê a capitalização da Previdência, que é uma forma de privatizar a aposentadoria. As contribuições mensais dos trabalhadores e trabalhadoras serão administradas individualmente pelo título de capitalização dos bancos. Este sistema está em vigor no Chile e Argentina e o resultado foi um fracasso total, pois os fundos de capitalização são insuficientes para uma vida digna, pagando abaixo de um salário-mínimo para quem começou recebendo 3 salários mínimos, provocando inúmeros suicídios entre os idosos.

Regra de transição: para quem está prestes a se aposentar, a proposta apresenta uma regra de transição, uma espécie de pedágio.

Privilégios e justiça social: a propaganda é de que a reforma da previdência é para acabar com os privilégios. Na verdade, a Previdência Social está diretamente relacionada à distribuição de renda e de riqueza em nosso país. Ela não gera privilégio, gera justiça social e política pública. É o sistema público solidário e universal que integra vários direitos, como: pensão, licença-maternidade, licença-médica remunerada, seguro desemprego, aposentadoria por tempo de serviço. Ela garante o direito aos trabalhadores a se aposentarem depois de uma vida inteira trabalhando e contribuindo. A maioria dos beneficiários da Previdência, que corresponde a 22 milhões e 500 mil trabalhadores e trabalhadoras brasileiros recebem um salário mínimo. Isso mostra que o regime geral da Previdência não gera privilégio, mas promove justiça social.

Privilégio e injustiça: para acabar com os privilégios, o caminho não é a reforma da Previdência como está sendo proposta para aumentar ainda mais a penalidade dos pobres. Deveriam cobrar a dívida dos grandes devedores da Previdência que são os banqueiros, os donos do agronegócio e do hidro negócio, também deveriam rever as super aposentadorias dos políticos, dos juízes, dos promotores e dos militares. Isso não aparece em momento algum na proposta.

O que a população brasileira precisa saber é que:

Por detrás da proposta de reforma da Previdência está a intenção de privatizar a nossa aposentadoria, atendendo aos interesses dos grandes banqueiros, engordando ainda mais seus planos de previdência privada, enquanto que a população mais pobre ficará ainda mais pobre, desprotegida pela Previdência social pública, será reduzida a condição de miseráveis.

Qual é a solução que propomos?
Para resolver o problema da Previdência, de forma justa, é preciso:

1- cobrar das grandes empresas que devem ao INSS em torno de R$ 476,7 bilhões;

2- taxar as grandes fortunas gerando 14 milhões de reais em contribuições;

3- rever a reforma trabalhista que tirou direitos da população e aumentou a informalidade, para que os trabalhadores e trabalhadoras voltem a contribuir com o INSS, pois depois da reforma trabalhista já são 37 milhões de pessoas que deixaram de contribuir com a Previdência;

4- auditoria da dívida pública. Em 2018 foram pagos R$ 1,065 trilhão com juros, serviços e amortizações da dívida pública, que corresponde a 40% do orçamento Federal;

5- cortar privilégios de políticos e militares que contribuem proporcionalmente menos e se aposentam antes que a maioria da população trabalhadora;

6- denunciar a compra de voto para a reforma da previdência no valor de R$ 40 milhões para cada deputado que votar a favor.

7- dizer não à proposta de reforma da Previdência, participando do abaixo assinado, cobrando de seu deputado que vote contra esta proposta.

Neste contexto, façamos valer as proféticas palavras da CNBB, em sua Mensagem ao povo brasileiro:

«As necessárias reformas política, tributária e da previdência só se legitimam se feitas em vista do bem comum e com participação popular de forma a atender, em primeiro lugar, os pobres, “juízes da vida democrática de uma nação” (Exigências éticas da ordem democrática, CNBB – n. 72). Nenhuma reforma será eticamente aceitável se lesar os mais pobres. Daí a importância de se constituírem em autênticas sentinelas do povo as Igrejas, os movimentos sociais, as organizações populares e demais instituições e grupos comprometidos com a defesa dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito. Instâncias que possibilitam o exercício da democracia participativa como os Conselhos paritários devem ser incentivadas e valorizadas e não extintas como estabelece o decreto 9.759/2019».

* Nelito Dornellas é padre da Diocese de Governador Valadares, Minas Gerais, pós-graduado em Teologia Pastoral pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG) e assessor da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Quarta-feira, 15 de maio de 2019 – Internet: clique aqui

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