Anarcocapitalismo – uma ideologia perigosa!
ATÉ
ANARCOCAPITALISTAS GANHAM ESPAÇO
NO GOVERNO BOLSONARO
João Filho & Alexandre Andrada
Há gente sendo paga
pelo Estado, mas com a finalidade de
eliminar e enfraquecer
o próprio... Estado!
Entenda o perigo do
anarcocapitalismo!
HÉLIO BELTRÃO FILHO Um dos maiores propagandistas do anarcocapitalismo no Brasil Fundador do Instituto Millenium e Presidente do Instituto Von Mises |
O MERCADO DAS IDEIAS
alucinógenas anda saturado. É terraplanismo [= gente que pensa que o
planeta Terra seja plano, não redondo!!!!], é negacionismo climático [=
gente que não concorda que o ser humano esteja provocando o aquecimento da
Terra e comprometendo o futuro do planeta], é movimento antivacina [=
gente que deseja convencer os pais a não vacinar seus filhos!!!], é olavismo
[= gente que se deixa levar pelas ideias perigosas de Olavo de Carvalho]. Há
groselhas para todos os gostos no submundo do pensamento. O mais novo hit é o anarcocapitalismo,
um engodo teórico que vem fazendo sucesso na internet entre os jovens de
direita, entre empresários e no governo Bolsonaro. Há o incrível caso de um
diretor no Ministério da Economia que ganha dinheiro do estado, veja só, para
defender o fim do … estado.
O anarcocapitalismo é uma
visão extremada do libertarianismo, o
qual, por sua vez, é uma visão extremada do liberalismo clássico. Prega o fim do estado —
considerado fonte de toda a opressão — e liberdade irrestrita para o
capitalismo. É uma tentativa esquizofrênica de misturar a teoria
política do anarquismo individualista, de esquerda, com a teoria
econômica ultraliberal da Escola Austríaca de Ludwig von Mises, em sua
versão mais vulgar possível, propagada por liberais nanicos que fazem sucesso
na internet. O uso do prefixo “anarco” também não faz o menor sentido,
já que o anarquismo clássico busca a supressão do capitalismo. É uma
contradição em si.
Na internet, o estereótipo
do anarcocapitalista é o adolescente de classe média revoltado com o
preço dos games encarecidos pela taxação, que sai pelas redes sociais
repetindo o bordão “imposto é roubo”. Há
uma rede de jovens ancaps [= anarcocapitalistas] no YouTube dedicada
a espalhar o besteirol. São em sua maioria brancos de classe média que
desprezam as ideias de esquerda e têm interesse em investimentos e
criptomoedas.
Apesar de não estar presente
em nenhum debate acadêmico sério do mundo, o anarcocapitalismo vem ganhando
espaço no mainstream brasileiro. Além dos jovens na internet, há
também grandes empresários difundindo o engodo.
Hélio Beltrão
Filho, sócio herdeiro do Grupo Ultra
e ex-executivo do Banco Garantia, é um engenheiro com experiência no mercado
financeiro que tem se dedicado a divulgar o anarcocapitalismo no Brasil.
Ele é fundador do Instituto Millenium e presidente do Instituto Von
Mises, dois think tanks brasileiros criados para difundir os ideais
ultraliberais. As duas entidades são ligadas a Atlas Network, organização
financiada pelos irmãos Koch e pelo
Departamento de Estado dos Estados Unidos, cuja missão é espalhar o
libertarianismo empresarial pelo mundo.
Não
é surpreendente que haja sempre ricaços dispostos a financiar e propagar
a
ideia de que a única forma de tornar o mundo melhor
é
deixar os ricos viverem em paz, sem impostos,
sem
regras, sem aborrecimentos.
Afinal, dizem, eles são
ricos por intervenção divina, não podem ser penalizados por serem bons, por
serem competentes, por terem sobrevivido à selva do darwinismo econômico (mesmo
que eles tenham ganhado suas fortunas graças aos esforços de algum
antepassado).
Esses radicais acreditam
que as pessoas são pobres por serem incapazes, incompetentes ou preguiçosas. A pobreza, portanto,
acabará quando acabarem os pobres. As desigualdades sociais, portanto,
não são sua preocupação central. Elas seriam resolvidas, por mágica, pela mão
invisível do mercado – ou, então, talvez pelas mãos armadas dos exércitos
particulares?
Beltrão
está próximo do olavismo.
Tem
orgulho em dizer que foi, junto de Olavo de Carvalho, um dos primeiros
a
confrontar o “marxismo cultural” no Brasil.
O libertarianismo do
empresário não se sustenta na hora de interpretar acontecimentos históricos. Ele afirma que em 1964 não houve golpe, mas um
“contragolpe”. Seu pai, Hélio Beltrão, foi ministro do Planejamento (que
ironia!) durante a ditadura militar e signatário do AI-5. “Havia uma disputa
de golpes, e os militares fizeram um golpe antes que a esquerda o fizesse”,
afirmou numa entrevista em que comemorou a vitória de Bolsonaro, a quem
considera um “político genial”. Beltrão está empolgado com a presença de
liberais no governo e “diz que se belisca todo dia para saber se é verdade”.
“Sempre tive dúvidas se isso seria possível. E acho que é só o começo”.
Beltrão parece seguir a
tradição de liberais-libertários que usam o palavreado dessa ideologia para
justificar, defender e racionalizar regimes
autoritários, como Roberto
Campos no Brasil da ditadura ou os Chicago boys no Chile de Pinochet.
Malabarismo retórico e intelectual que deve fazer com que Stuart Mill se revire
em seu túmulo.
Os anarcocapitalistas
costumam se sentir bem ao lado de conservadores de
extrema direita em todo lugar do mundo. O pai do anarcocapitalismo, Murray
Rothbard, elogiou o então candidato ao senado David Duke, o homem
mais conhecido da Ku Klux Klan. O mesmo que declarou simpatia por
Bolsonaro no ano passado.
Em nome do pluralismo de
ideias, a Folha de S. Paulo achou razoável oferecer uma coluna no caderno
Economia para esse anarcocapitalista do mercado financeiro, o que seria
equivalente a oferecer espaço no caderno de Ciência para um terraplanista. Na
estreia da coluna semanal, Beltrão apresentou o anarcocapitalismo como uma
“sutil evolução do liberalismo clássico dos séculos 18 e 19” e desandou
no misticismo ao pregar as maravilhas de uma sociedade com mercados totalmente
desregulados.
No texto seguinte, em que
trata dos ciclos econômicos, Beltrão mostra o quão frágil é seu conhecimento
sobre macroeconomia. Diz que “o nível cultural e moral de uma nação é espelhado
em sua taxa de juros de mercado. Quanto mais baixo o nível, mais altas as
taxas”. Como as taxas de juros reais no Brasil estão sempre entre as mais
altas do mundo, só podemos concluir, seguindo o raciocínio de Beltrão, que
somos uma gentinha bem rastaquera. Mas, há salvação, basta estudar “as
teorias dos ciclos, em especial a descrita por Mises, e otimize você mesmo sua
carteira de investimentos”.
A filosofia política de
Beltrão é cômica. O autor chega a
defender o fim do estado usando como exemplo o bom funcionamento de um shopping
center em termos de segurança.
Beltrão também tem a pachorra
de comparar a escravização de africanos e seus descendentes com o ato de pagar
impostos. E de comparar a chibata com notificações da Receita Federal.
É o tipo de argumento que só
pode conquistar o público adolescente. Ingênuos e desinformados, os anarcocapitalistas
imaginam um mundo em que reina a concorrência mais pura e perfeita, numa imagem
idílica do capitalismo, risível no início do século 19, que dirá nos dias de
hoje. Em uma sociedade anarcocapitalista, todos os serviços seriam
prestados por empresas ou indivíduos, que competiriam livremente entre si. Saúde, educação, segurança e até tribunais de
justiça deveriam ser contratados de particulares.
O grupo ultraliberal Clube
Farroupilha, de Santa Maria (RS), também levanta a bandeira do
anarcocapitalismo. Seus integrantes são oriundos da Universidade Federal de
Santa Maria, sendo que dois deles viraram políticos do partido Novo do
Rio Grande do Sul. O seu fundador, Geanluca Lorenzon, de 26 anos, é
um anarcocapitalista convicto que prega o fim do estado, mas que ganhou um
cargo de diretor no ministério da Economia. Para ele, os anarcocapitalistas
cumprem a função estratégica de contrabalancear o radicalismo de esquerda. “Nós
mantemos a discussão equilibrada. Você precisa de radicais dos dois lados”.
Lorenzon fala como se
radicais de esquerda, que defendem a tomada dos meios de produção pela classe
trabalhadora, fossem influentes no debate político e não estivessem isolados
nos centros acadêmicos da vida. É que, para os anarcocapitalistas, os governos
do PT representaram o radicalismo de esquerda.
[Comentário pessoal:
como são ignorantes e ingênuos, pois os governos do PT realizaram no Brasil um
governo desenvolvimentista nacional, jamais um governo de esquerda! Basta
ver a aliança que fizeram com alguns grandes grupos empresariais do país.]
Friedrich August von Hayek (1899-1992) Economista e filósofo austríaco, posteriormente, naturalizado britânico |
Bom
senso liberal jogado no lixo
O liberalismo – que nasceu como “coisa” na Revolução Gloriosa de
1688 na Inglaterra e como “rótulo político” nas cortes espanholas em 1810 – se
opunha ao absolutismo, à tirania do estado. Mas os liberais queriam regular,
não extinguir o estado. Tanto que sua primeira bandeira foi pela
constitucionalização das monarquias – uma Constituição serve, fundamentalmente,
para proteger o cidadão contra o arbítrio do estado.
Mesmo Friedrich Hayek,
um liberal com os dois pés no chão, afirmava em “O Caminho da Servidão”,
que “a doutrina liberal (…) não nega, mas até enfatiza que, para a
concorrência funcionar de forma benéfica, será necessária a criação de uma
estrutura legal cuidadosamente elaborada”. Ou ainda que “o bom uso da
concorrência como princípio de organização social exclui certos tipos de
intervenções (…), mas admite outros que às vezes podem auxiliar
consideravelmente seu funcionamento, e mesmo exige determinadas formas de
ação governamental”.
No anarcocapitalismo, todo
esse bom senso liberal é jogado no lixo.
Ele é a doença infantil do liberalismo.
Mas vejam só como é a
dialética das coisas. O estado realmente está constantemente violando as
liberdades dos indivíduos. Por isso, temos que nos proteger dele. Por outro
lado, é a existência do estado que nos garante e nos permite exercer nossas
liberdades.
Quando,
por qualquer motivo, ocorre o desaparecimento do estado,
o
que vemos não é o reino da paz e das liberdades.
Ao
contrário, é o império do caos, da violência, do medo.
Basta pensar no que ocorre em
regiões de países em conflito, como Somália, Iraque e Síria. Ou ainda, basta
ver o cotidiano de pessoas que, desassistidas pelo estado, vivem sob o comando
de traficantes e milícias pelas periferias do Brasil.
No
sistema econômico atual, onde prospera cada vez mais a concentração de
riqueza e capitais, as empresas multinacionais, os oligopólios,
como
o consumidor se protegeria da ameaça dessas gigantes?
A ideia de segurança
inteiramente privada significa a total e completa legalização do sistema de
milícias, como ocorre em partes do Brasil.
Parece não fazer sentido,
certo? Pois é, não faz mesmo. No fim das contas, o anarcocapitalismo nada
mais é do que a corda do liberalismo esticada para além do limite da sensatez.
Fonte: The Intercept
Brasil – 05 de maio de 2019 – 12h54
(Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.
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