Quanta idiotice!
Os imbecis e o ensino
de Filosofia
José Renato Polli
Mestre em Filosofia,
História Social e Doutor em Educação
Pós-doutorando em
Filosofia da Educação
FERNANDO SAVATER Filósofo espanhol |
Nos tempos em que eu era
articulista do Jornal de Jundiaí, escrevi um artigo que, provindo de
minha experiência como professor de filosofia, abordava um capítulo de um livro
importante, que eu utilizava em minhas aulas. Da experiência em sala de aula
surgiu o artigo, que reedito em partes, agora. Na ocasião, muitos
não compreenderam o significado, considerando que se tratava de uma mensagem
ofensiva, como se o termo utilizado, fosse um mero xingamento. Mas como toda
palavra envolve um conceito, vamos explicar novamente. Na verdade, trata-se
de um retorno aos clássicos da filosofia, que caso os mais desavisados não
saibam, constituem-se a base do pensamento ocidental, esse mesmo que querem
dizer que não serve para mais nada.
Hoje nos deparamos com a
notícia da intenção de reduzir investimentos nas graduações em filosofia das
universidades federais e até mesmo fechar cursos, se é que juridicamente um mandatário provisório tem
esse poder legal. Os agentes públicos que
anunciam, por meio de rede social, parecem realmente se encaixar perfeitamente
no conceito que abordaremos a partir do texto mencionado.
O filósofo espanhol Fernando
Savater é quem escreveu um saboroso livro sobre o tema da ética denominado Ética
para meu filho [Ed. Planeta, 2005]. Nesse livro, que eu sempre utilizei, há
um capítulo em que Savater diz que a única obrigação que temos na vida é a de
não sermos imbecis.
Explica-nos que a palavra «imbecil»
vem do latim, baculus, que significa bastão, bengala. O
imbecil é aquele que, na verdade tem um comportamento titubeante, apoiando-se
em algo para ser reconhecido. Titubeia no pensamento e no espírito, por
isso tem sempre um báculo para se sustentar. Savater enuncia vários tipos de
imbecis, mas creio que podemos, fugindo dos exemplos que o autor nos
oferece, também analisar alguns casos típicos com os quais nos deparamos
frequentemente.
O imbecil
adesista, tipo comum hoje em dia, é aquele sujeito que se coloca
numa posição de subserviência a qualquer padrão, ideologia, esquema, seita
política ou religiosa. Sua fraqueza subjetiva o impele à infeliz condição
de serviçal de causas que não entende muito bem porque lhe falta a crítica. Cumpre
sempre ordens cegamente porque não possui autonomia. Um exemplo clássico é
o de Adolf Eichmann, criminoso de guerra nazista, que fazia o que lhe
mandavam e foi responsável direto pela morte de milhões de pessoas nos campos
de concentração. É um pobre infeliz, que por não pensar, acha que tudo à sua
volta “está normal” e não se implica nas barbaridades que ajuda a patrocinar.
Os processos eleitorais que nos digam.
Um dos tipos mais vistosos é
o imbecil pseudocrítico, que fala de
Deus com ar de quem “sabe das coisas”, mas sua descompostura em desancar os
outros revela sua real condição, a de alguém que não suporta viver
contrariedades. Não entende o fluxo da história e o processo dialético, que
insere a todos, em posições diferentes, num embate permanente de posições. É um
sujeito asqueroso, que detesta a democracia, sustentador de
preconceitos e arbitrariedades, amante do autoritarismo. Às vezes chega
a ocupar altos cargos na estrutura de poder.
Dos tipos mais atuais podemos
destacar o imbecil frouxo, aquele que abre
mão de princípios facilmente (para não parecer principista ou purista, é
claro, nem de esquerda ou direita), andando ao léu das “conjunturas” e
“realidades concretas”. É o político do “diálogo”, que quer ficar bem com
todo mundo. Trata-se de um tipo sedutor, que convence pela fala
supostamente audaciosa diante dos “poderosos”.
Há também um certo imbecil que gosta de fazer tipo com a violência, acha que o papel do “homem”, daquele
que “manda” é sempre controlar a vida das pessoas com intimidações de todos os
tipos. Gosta da violência simbólica, do sarcasmo, da ironia e do deboche,
desprezando e fazendo aos que estão sob o seu domínio, reconhecerem seu “lugar
na sociedade”: mulheres, negros, trabalhadores, homossexuais, pobres.
JOSÉ RENATO POLLI Autor deste artigo |
O que dizer do imbecil abastado? Esse é um tipo de imbecil que fia
suas ações na sua referência de classe. Gosta de esbanjar e “curtir a vida
numa boa”, mesmo que para isso seja necessário matar cachorros na rua, tacar
fogo em mendigo, ou coisa dessa natureza. Esse é um verdadeiro porre, porque além
de sua arrogância de classe, possui uma ignorância ética que o desqualifica
para qualquer convivência saudável. Mas está sempre na onda, faz eco entre
movimentos do submundo, como parceiro de atos duvidosos.
Mas o que seria do mundo se
só os imbecis garantissem espaço? Certamente não se pode generalizar. Há
também vida saudável nesse entorno tão imbecilizado. Há os que gostam de
pensar o mundo de forma a transformá-lo, os que pensam as relações com os
outros de maneira mais afetiva, cordial e respeitosa, sem arrogâncias ou
centralismos. Pessoas simples, mas que ainda se esforçam por manter princípios,
coerência, simpatia, generosidade. Eles sabem que os
imbecis são como “mortos que enterram seus mortos”, por isso se afastam deles. Os
que não são imbecis continuam a viver, ou pelo menos tentar viver, uma vida boa.
Não serão decretos ou artimanhas ideológicas
de quem quer que seja que
diminuirão a sensibilidade ética e mesmo a
inteligência dos que não são imbecis.
O lugar do poder nas democracias é o vazio,
como já preconizava Claude Lefort.
Os imbecis que estão no
poder logo vão sumir. Eles passam. O
que resta além deles são os sonhos, a decência, a vida ética e
a inteligência, que decreto algum consegue
apagar. Duvido que as instituições escolares democráticas deixarão passar esse
absurdo. A filosofia, mesmo com idas e vindas, continuará sendo a guardiã de
lugar do conhecimento, como afirmou Habermas. O resto é idiotice.
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