Armas em vez de livros e remédios
Alfredo J. Gonçalves
Padre
Carlista e Assessor das Pastorais Sociais
São
Paulo – SP
Ganha
a bancada da bala.
Vazia
e fraca em termos de conteúdo e argumentos,
resta-lhe
o apelo ao bombardeio de infâmias,
ao
confronto e à agressividade gratuita.
Incapaz
de escutar, somente é capaz de relacionar-se com pedras na mão
Padre Alfredo J. Gonçalves |
Que podemos esperar de um projeto
político-econômico que facilita o acesso às armas e, ao mesmo tempo, restringe
o orçamento destinado ao ensino superior, em particular nas ciências humanas, e
corta gastos com a saúde da população mais carente? A partir dessa, insinuam-se
outras perguntas:
* quem ganha e
quem perde com a produção e comércio de armas?
* Quem ganha e
quem perde com a expansão do conhecimento, da ciência e da pesquisa?
* Quem ganha e
quem perde com a precariedade dos serviços de saúde?
Ganha um pensamento retrógrado, obtuso e autoritário que, em lugar de um
diálogo livre, aberto e plural das instâncias e instituições democráticas,
insiste sobre o comando dos mais fortes ou dos que fazem mais barulho. Impõe em lugar de propor, ordena antes de
ouvir. Qualquer tipo de oposição a esse “pensamento único” é vista como um
atentado à moral, ao povo e a Deus. E os
opositores não passam de “marxistas” infiltrados da esquerda. Retorna a retórica dos tempos da guerra fria, com
sua ideologia de segurança nacional e seus fantasmas. Ruídos, impropérios,
difamações e intrigas superam o que deveria ser uma relação política sadia e
saudável (não sem tensões, evidentemente) entre os diferentes atores em cena.
Ganha a bancada da bala. Vazia e
fraca em termos de conteúdo e argumentos, resta-lhe o apelo ao bombardeio de
infâmias, ao confronto e à agressividade gratuita. Incapaz de escutar, somente
é capaz de relacionar-se com pedras na mão. Para ela, curta de ideias e de
paciência, o twitter e o revólver constituem os melhores instrumentos. Quem se encontra despido de razão, arma-se
com o grito e a violência, procurando a todo custo desqualificar o adversário.
Frente a este último, não lhe resistindo ao raciocínio argumentativo, passa ao ataque puro e simples da pessoa,
surdo às motivações em jogo.
Mas ganham também os gigantescos conglomerados nacionais e/ou
transnacionais, venham eles da área
das telecomunicações, da produção e
venda de armamentos ou da “indústria
da doença” ou farmacêutica. Ganha o monopólio da fabricação de armas, da
saúde privada e de um saber técnico, pragmático e utilitarista que,
deliberadamente, dispensa questionamentos, dúvidas, críticas, e alternativas ao
atual uso e abuso dos recursos naturais,
da força de trabalho humana e do patrimônio cultural e religioso do conjunto da
humanidade. O viver bem hoje, aqui e agora, luxuosa e ostensivamente,
sobrepõe-se ao bem viver do outro e da comunidade, da vida em todas as suas
formas e das gerações futuras.
Quanto aos perdedores, já os
conhecemos bem. Em grande parte, não moram, não possuem endereço fixo.
Escondem-se nos porões mais sórdidos, nas periferias mais longínquas ou nas
favelas sob a vigilância e a exploração das milícias. Desqualificados em termos
de estudo e capacitação, perambulam como desempregados, subempregados,
sem-terra, sem trabalho e sem teto. Ou como migrantes, prófugos e refugiados,
rechaçados da própria terra e forçados a buscar uma pátria. Um exército de “braços descartáveis” que se
conta aos milhares e milhões. Muitos
cidadãos estão condenados a passar de um hospital a outro, em intermináveis
filas, suportando o fardo de suas dores e humilhações. Inúmeras mães choram
os filhos cedo ceifados pelas balas da violência, anônimos uns, insepultos
outros.
Vivem na espera e na esperança.
Encheram-lhes os ouvidos de promessas, mas, nas reformas levadas mais urgentes
e necessárias, deixam-nos à margem de qualquer tipo de participação. Prevê-se o
resultado: nesta política de corte conservador, que leva à máxima potência uma
espécie de darwinismo social, ganham os
moradores da Casa Grande, as corporações, o poder dos lobistas, os donos e
senhores de ontem, de hoje de sempre. Perdem, esperam, lutam e sonham os
que habitam a Senzala. Mas é nela e
a partir dela que o Reino de Deus mergulha suas raízes profundas, eternas e
luminosas.
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