Quando os invisíveis da sociedade se transformam em movimento
Marc Lazar
La Repubblica - Roma - Itália
(26/05/2011)
O resultado é uma queda de popularidade dos chefes de Governo, desempenhos eleitorais negativos dos seus partidos ou das suas coalizões e greves e manifestações de grande porte, como por exemplo na Grécia, em Portugal e na Grã-Bretanha. O descontentamento se expressa, portanto, segundo modalidades bem conhecidas na democracia: insatisfação com os líderes no poder, reveses eleitorais, ações coletivas clássicas.
Os protestos espanhóis acrescentam, sem dúvida, um elemento novo a esse cenário. Sobretudo porque brotam de laços espontâneos criados inicialmente pela Internet, que se serviu de caixa de ressonância de eventos-mundo ou eventos-monstro (no sentido de que esmagam os outros): os manifestantes de Madri se inspiram no modelo egípcio.
Em segundo lugar, porque agregam principalmente, mas não exclusivamente, jovens, como já havia acontecido na Itália ou na Grã-Bretanha. Esses mileuristas (isto é, jovens que ganham mil euros por mês), como lhes definiu a romancista espanhola Espido Freire, expressam a sua raiva. Eles têm diplomas universitários, mas não encontram trabalho (na Espanha, um em cada dois jovens com menos de 30 anos não tem um emprego, e a taxa de desemprego é de 20%) ou são submetidos a uma longa situação de trabalho precário que incide sobre outros aspectos da sua vida, tais como a possibilidade de ter uma casa ou de começar uma família.
Na Espanha, assim como em outros países, os baby losers [trad. literal: bebês perdedores], de acordo com a fórmula do sociólogo Louis Chauvel, tem que assumir o peso das inúmeras vantagens obtidas pelos baby boomers [acesse: http://pessoas.hsw.uol.com.br/baby-boomers2.htm]. A velha Europa corre o risco de ir ao encontro de um verdadeiro choque de gerações.
Mas o movimento espanhol tem ainda um outro aspecto, o da indignação, eco do famoso ensaio Indignai-vos!, de Stéphane Hessel [trad. bras. pela editora Leya Brasil, ano 2011, 48 págs., R$ 9,90], que se tornou um best-seller na Europa. O fato de uma mobilização nascer por motivos morais e sob o impulso de emoções repentinas não tem nada de estranho. Na Sicília, depois dos sangrentos atentados contra o general Dalla Chiesa, em 1982, e contra os magistrados Falcone e Borsellino, em 1992, uma parte da sociedade civil se levantou contra a máfia. Na França, o avanço da Frente Nacional em 1984 provocou uma mobilização dos jovens contra o racismo com o slogan "Não toque no meu amigo".
Esses dois exemplos ilustram a diferença com as ações a que estamos assistindo. As lutas contra a máfia na Sicília e contra o racismo na França foram rapidamente instrumentalizadas pelos partidos políticos, pela Rede de Leoluca Orlando, e pelo PCI na Itália e pelo Partido Socialista de François Mitterrand na França.
A indignação não é suficiente para fazer uma política. Os jovens espanhóis estão conscientes disso e mantêm uma relação ambivalente com a política. Protestam contra o governo, mas desconfiam da oposição e temem qualquer instrumentalização. Ao mesmo tempo, elaboram reformas da lei eleitoral, do Senado e do sistema partidário. Apontar para o seu movimento como um fenômeno de antipolítica seria, portanto, um grande erro. Ao contrário, sua existência atesta que a Europa é uma presa de processos contraditórios.
De um lado, registra o espetacular avanço de partidos populistas que acusam as supostas elites de construir um bloco único uniforme, estigmatizam os partidos do governo, cantam louvores ao povo que se levantou como único detentor de qualquer verdade, combatem a imigração, desfrutam todos os medos, patrocinam uma retirada para o âmbito local, regional ou nacional, reivindicam uma democracia plebiscitária com base no referendo sobre as problemáticas mais complexas e seduzem as camadas populares.
De outro lado, vê se desenvolverem mobilizações de outro gênero que, partindo de questões muito materiais, tornam-se pouco a pouco mais gerais, inventam um novo espaço público de deliberação que não o da televisão, exigem transparência, visam a controlar os governos, querem ser ouvidos, propõem melhorias para o funcionamento dos sistemas políticos, estão abertos ao mundo e criam uma democracia participativa, em que são reconhecidos predominantemente os representantes da classe média.
Certamente, essa segunda tendência ainda é incerta e muito frágil, e pode se revelar efêmera (especialmente se os indignados de Madri fracassarem na sua tentativa de condicionar as políticas públicas, como ocorreu até agora nas manifestações tradicionais dos seus pais), pode ser objeto de manipulações por parte de pequenos grupos de militantes e é fortemente contraditória quando se propõe a inventar uma outra política, ignorando os representantes eleitos e as suas organizações. Mas lança um desafio real a todas as pessoas responsáveis. Como integrar essa busca de uma melhor maneira de viver juntos e de uma democracia renovada?
Se as elites políticas e os partidos clássicos permanecerem surdos a esse grito, se se contentarem reforminhas de fachada, ao invés de fornecer respostas institucionais capazes de redesenhar a ágora moderna, e permitirem que se satisfaça essa profunda aspiração à participação, correrão o risco de decepcionar e de agravar ainda mais a crise da representação política.
Tradução de Moisés Sbardelotto.
* Marc Lazar [foto acima] é historiador e sociólogo político francês, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris - Sciences Po.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 27/05/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=43687
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