Concilium ou Communio? Um (futuro) papa na redação

Andrea Tornielli
Vatican Insider
27 de junho de 2011

Communio, a revista teológica nascida em 1974, era uma oficina que forjou boa parte da atual classe dirigente da Igreja: não só Ratzinger, mas também muitos bispos e cardeais.

A iminente nomeação de Angelo Scola [foto ao lado] a arcebispo de Milão, decisão de Bento XVI destinada a incidir consideravelmente no equilíbrio da Igreja italiana e internacional, é a confirmação da estima que o teólogo sempre gozou junto a Ratzinger, como também do fato de que, para alguns postos-chave, na Cúria Romana e nas grandes dioceses, o conhecimento pessoal do pontífice é um elemento destinado a ter influência.

Mas a chegada de Scola à diocese mais importante da Europa atesta, mais uma vez, a importância daquele cenáculo de estudiosos reunidos em torno da revista teológica internacional Communio no início dos anos 1970.

Em 1969, Paulo VI, acolhendo uma proposta do primeiro Sínodo dos Bispos, havia instituído a Comissão Teológica Internacional. Joseph Ratzinger foi chamado a fazer parte dela desde o início e, naqueles anos, se encontrou do lado daqueles que, embora afirmando sem reservas a renovação conciliar, não acreditavam que a Igreja devesse viver em um estado de "revolução permanente".

Em 1965, no momento do encerramento do Concílio Vaticano II, um grupo de teólogos que havia exercido uma notável influência sobre os trabalhos conciliares, havia fundado a revista internacional Concilium, e entre eles estava o próprio Ratzinger. Ele, no entanto, alguns anos depois, já não compartilhava mais com a postura da revista e com o fato de que a elite teológica considerava o Concílio concluído como um canteiro de obras permanente, pisando no acelerador das reformas bem além da letra do Vaticano II.

Assim, a pedido do grande teólogo Hans Urs von Balthasar, no início dos anos 1970, foram postas as bases para uma nova revista, Communio, que se apresenta como um polo de atração para todos os teólogos que se tornaram intolerantes com relação ao radicalismo da Concilium. O nome da revista é significativo: os promotores querem servir à Igreja e promover a comunhão. Entre os fundadores, está também o famoso teólogo jesuíta Henri de Lubac, futuro cardeal.

Ratzinger logo se envolveu naquela que von Balthasar definirá como uma "teia de aranha" de apoiadores internacionais da nova revista. Entre os primeiros a fazer parte dela estão também aqueles que o futuro papa define como alguns "jovens promissores do (movimento) Comunhão e Libertação". Angelo Scola é um deles.

Uma conversa à mesa

Eis como o novo arcebispo de Milão, na época estudante de teologia, recorda o primeiro encontro com Joseph Ratzinger, ocorrido durante a Quaresma de 1971, em Regensburg: "Um jovem professor de direito canônico, dois sacerdotes com menos de 30 anos estudantes de teologia e um jovem editor estavam à mesa, convidados pelo professor Ratzinger, em um típico restaurante nas margens do Danúbio que, em Regensburg, corre nem muito lento, nem muito impetuoso, e por isso pensamos no belo Danúbio Azul. O convite havia sido feito por von Balthasar para discutir sobre a possibilidade de fazer uma edição italiana daquela revista que depois se chamaria de Communio".

"Com o seu trato delicado, gestos comedidos, mas com olhos muito móveis – continua Scola –, Ratzinger nos ilustrava o menu: uma longa sequência de suculentos pratos bávaros... Parecia conhecê-los bem, já que era um habitué do restaurante. Nós, superados o embaraço inicial, como bons latinos, e além disso jovens, nos lançamos em comparações entre menus bávaros e lombardos. Eu me lembro bem que perguntei ao nosso hóspede o que ele nos aconselhava: pacientemente, ele começou a nos ilustrar cada prato da lista, levando-nos a provar mais de um para termos uma ideia da cozinha bávara. Não sem confusão, acabamos, sob o olhar benevolente e o sorriso, talvez um pouco impaciente, do nosso hóspede, a escolher uma vasta e exagerada variedade de pratos. Ratzinger fechou a lista de pedidos dizendo ao garçom algo como 'o de sempre para mim'. O garçom trouxe ao conhecido teólogo uma torrada e uma espécie de limonada. A nossa surpresa beirava o constrangimento. Com um sorriso, desta vez verdadeiramente grande e bem-humorado, o cardeal nos acalmou, exclamando: 'Vocês estão em viagem... Se eu como muito, como posso estudar depois?'. No retorno ao carro, notamos, porém, aquela frase: 'O de sempre'".

Portanto, Bento XVI conhece Scola há 40 anos. Primeiro como colaborador da Communio, depois, a partir da metade dos anos 1980, como colaborador na Congregação para a Doutrina da Fé. A revista começará as suas publicações regulares em 1974, inicialmente em alemão e em italiano, depois em muitas outras línguas, incluindo o polonês, por iniciativa do arcebispo de Cracóvia, Karol Wojtyla.

E se havia sido Paulo VI, nos últimos anos do seu pontificado, que quis nomear alguns ilustres teólogos à liderança de importantes dioceses (o caso de Ratzinger, catapultado, ainda com 50 anos, do ensino universitário à arquidiocese de Munique e, em poucos meses, criado cardeal imediatamente, é o mais conhecido), será o seu sucessor, Wojtyla, que "pescará" da ninhada da Communio muitos expoentes da nova classe dirigente da Igreja, cooptando alguns ao Colégio dos Cardeais. Um caminho percorrido também por Bento XVI, redator da revista, que se tornou papa.

Viveiro da Communio

Além de Scola, ex-reitor da Universidade Lateranense, patriarca de Veneza e agora chefe da diocese ambrosiana, provêm do viveiro da Communio os cardeais alemães Karl Lehmann (bispo de Mainz e ex-presidente da Conferência Episcopal Alemã) e Walter Kasper (presidente emérito do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos), o suíço Eugene Corecco (bispo de Lugano falecido em 1995), o brasileiro Karl Romer (ex-secretário do Pontifício Conselho para a Família), o belga André Mutien Léonard (recentemente nomeado arcebispo de Malines-Bruxelas), o chileno Jorge Arturo Medina Estévez (ex-cardeal prefeito da Congregação para o Culto Divino, que, como protodiácono, anunciou ao mundo a eleição do colega da Communio Joseph Ratzinger), o canadense Marc Ouellet (cardeal prefeito da Congregação para os Bispos), o dominicano austríaco Christoph Schönborn (cardeal arcebispo de Viena).

Em 1992, celebrando o 20º aniversário da revista, o cardeal Ratzinger havia traçado um balanço pessoal e, sem nenhuma autocelebração, havia se perguntado: "Tivemos essa coragem o suficiente? Ou, ao contrário, nos escondemos atrás de erudições teológicas para demonstrar, um pouco demais, que nós também estamos à altura dos tempos? Enviamos verdadeiramente a um mundo faminto a palavra da fé de forma compreensível e que chega ao coração? Ou talvez ficamos, também nós, muito dentro do círculo daqueles que, com linguagem especializada, brincam jogando a bola uns para os outros?".

Tradução é de Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 28/06/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=44764
_______________________________

Cardeal Scola volta para casa: Milão

Sandro Magister
24 de junho de 2011

É iminente a nomeação do atual patriarca de Veneza a arcebispo de sua diocese natal. 
A história e o retrato de um homem que cresceu na escola de dois grandes mestres: Giussani e Ratzinger

Retornar como arcebispo e cardeal de Milão, na mesma arquidiocese que, 
há 40 anos, não quis nem ordená-lo padre, é uma bela revanche para Angelo Scola

Se tivesse sido decidida coletivamente, pelo alto clero e pela maioria do laicato milanês, sua nomeação jamais teria passado. Menos ainda se Bento XVI tivesse ouvido seu secretário de Estado, o cardeal Tarcisio Bertone. O manso Joseph Ratzinger foi inflexível com relação isso. Um nome, um só nome é que o papa tinha em mente para a maior e mais prestigiada diocese do mundo. E manteve-se firme contra toda oposição.

Bento XVI não entrará para a história como um grande homem de governo. Ele deixou a cúria vaticana como a encontrou, na desordem em que já estava afundada com o seu antecessor Karol Wojtyla, muito mundialista para se ocupar com o jardim de casa. Para as mais altas posições curiais, o Papa Ratzinger se limitou, em seis anos, a pouquíssimas  nomeações, nem todas bem sucedidas, de homens conhecidos por ele pessoalmente. A primeira, a de Bertone à Secretaria de Estado, logo se revelou para o papa como uma fonte mais de problemas do que vantagens. Mas a última, a do cardeal canadense Marc Ouellet a chefe da congregação que avalia e propõe ao papa a nomeação de cada novo bispo, promete dar-lhe mais consolações. Sobre o envio de Scola a Milão, o entendimento foi perfeito entre Ouellet e Ratzinger.

E devia ser assim. A aliança entre os três é antiga, temperada por batalhas comuns. A revista teológica internacional Communio, fundada em 1972 por Ratzinger, Hans Urs von Balthasar e Henri De Lubac, como contrapartida conservadora para o sucesso da revista progressista Concilium, teve justamente em Scola e Ouellet os seus adeptos de primeira hora, e ganhou corpo em Friburgo, na Suíça, na Faculdade Teológica onde o próprio Scola estudava.

Scola havia chegado em Friburgo depois de um percurso tortuoso, ordenado padre aos 29 anos em 1970, não em Milão, a sua arquidiocese natal, mas pelo bispo de Teramo, Abele Conigli, que lhe havia hospedado depois que os seminários milaneses, aos quais Scola havia batido na porta três anos antes de sua graduação em filosofia na Universidade Católica, não lhe haviam deixado entrar por causa da sua militância no Comunhão e Libertação, movimento ao qual o arcebispo de Milão da época, Giovanni Colombo, tinha fortes reservas.

O jovem Scola era um dos rebentos de maior destaque do fundador do Comunhão e Libertação, Pe. Luigi Giussani. Por cerca de dez anos, ele foi o número dois do movimento em Milão, antes e depois do turbulento 1968, antes e depois de se tornar padre. Em 1973, o Pe. Giussani – ele teria escrito em suas memórias – pensou seriamente nele como seu sucessor.

Mas, no ano seguinte, e durante dois anos, Scola sofreu problemas de saúde. E o Comunhão e Libertação deu uma guinada antiburguesa e terceiro-mundista, que não agradou ao Pe. Giussani, e à qual o próprio Scola parecia se comprazer, como chefe naqueles mesmos anos do Istra, Instituto de Estudos para a Transição, onde corajosamente cruzava teologia e teoria política, ciências da linguagem e antropologia, Hosea Jaffe e Samir Amin. Giussani ordenou o fechamento do Istra em 1976 e tomou nas mãos todo o movimento. Desde então, o caminho de Scola continuou sendo marcado pelo pertencimento ao Comunhão e Libertação, mas sem mais cargos operativos.

Com o advento, em 1978, de João Paulo II, um papa amigo, a estrada para o Pe. Giussani e o seu movimento foi aplainada. Scola começou a ensinar teologia em Friburgo. Depois, a partir de 1982, em Roma, na Pontifícia Universidade Lateranense. Em 1986, tornou-se consultor da Congregação para a Doutrina da Fé, da qual o cardeal Ratzinger era prefeito.

Em 1991, foi consagrado bispo de Grosseto. Mas, quatro anos depois, esteve de volta em Roma como reitor da Lateranense, onde fundou e presidiu um Pontifício Instituto João Paulo II para os Estudos sobre o Matrimônio e a Família, com filiais em todo o mundo. Em 2002, foi nomeado patriarca de Veneza e, no ano seguinte, foi criado cardeal. Entrou no círculo dos papáveis, mas, quando o conclave chegou, em 2005, não corre por si mesmo, nem pensa nisso, mas sim pelo seu mestre Ratzinger.

Ratzinger, também como papa, tem uma atenção particular por ele. Quando – raramente – Bento XVI chama cardeais para consultas sobre as grandes questões da Igreja, Scola está entre eles.

De Veneza para o mundo

Veneza é uma pequena diocese com uma grande história mundial, que permite que o seu patriarca trabalhe com um amplo raio de alcance.

Scola fundou ali um "Studium Generale", intitulado a São Marcos, padroeiro da cidade, que se articula em todos os graus do saber, desde a infância até a universidade, com estudantes de muitos países, com cursos em diversas disciplinas e com a teologia que abraça a todas, com sua própria editora.

E depois criou uma revista e um centro cultural internacional intitulado Oasis, que serve de ponte rumo ao Oriente, do Leste Europeu e do Norte da África até o Paquistão, em vários idiomas, incluindo o árabe e o urdu, com forte atenção ao islã e ao cristianismo presente nesses países, com encontros regulares entre bispos e especialistas cristãos e muçulmanos.

De Veneza, Scola lança uma palavra de ordem para definir o encontro entre os povos e as religiões: "mestiçagem". No Oasis, o bispo de Túnis, Maroun Elias Lahham, contesta-a como equívoca e incompreensível para os próprios muçulmanos. Mas o patriarca a mantém firme, a defende. Ao contrário de Ratzinger, Scola não brilha pela clareza conceitual. A experiência de vida, o encontro pessoal com Cristo, dominam nele o argumento da razão, como o Pe. Giussani sempre lhe havia ensinado. Mas essa polivalência expressiva revelou ser, para ele, uma vantagem em nível de opinião pública. Quando contrapõe a "mestiçagem de civilizações" ao depreciado "choque de civilizações", o consenso progressista é seguro. Quando publiciza as iniciativas do Oasis, Scola atrai o consenso dos multiculturalistas. Apesar da sua proveniência de Comunhão e Libertação, e apesar da sua indubitável linha ratzingeriana, Scola goza de boa fama mais do qualquer outro líder eclesiástico italiano, à direita como à esquerda.

Certamente, a vida teria sido mais difícil se, da tranquila Veneza, Scola tivesse sido projetado para o centro da batalha eclesial e política, como presidente da Conferência dos Bispos da Itália. Era esse o local de desembarque que se perfilava para ele, quando, entre 2005 e 2007, foi disputada a guerra de sucessão do cardeal Camillo Ruini como chefe dos bispos. Ruini teria gostado dele como sucessor. Mas, no Vaticano, tanto o antigo quanto o novo secretário de Estado, os cardeais Angelo Sodano e Bertone, eram muito contrários. O segundo, principalmente, fez de tudo para queimar a candidatura de Scola. A sua nomeação, defendia, "dividiria" irreparavelmente o episcopado. Na realidade, teria zerado as ambições de Bertone para que ele fosse o chefe da Igreja italiana na arena política. Finalmente, quanto coube a Bento XVI decidir – porque na Itália é o papa que nomeia o presidente da CEI –, a sua escolha não recaiu sobre Scola, nem sobre o dócil bispo que Bertone queria impor, Benigno Papa, de Taranto, mas sobre o ruiniano Angelo Bagnasco. A nomeação fracassada não desagradou em nada ao cardeal de Veneza.

No horizonte, na verdade, se perfilava, enquanto isso, Milão. Depois de dois episcopados excêntricos como os de Carlo Maria Martini e de Dionigi Tettamanzi, Bento XVI havia se convencido de que havia chegado a hora de estabelecer lá, finalmente, um bispo mais alinhado com a sua própria visão. Na mente do Papa Ratzinger, a candidatura de Scola não tinha alternativas, certamente não aquelas que o secretário de Estado, Bertone, também desta vez muito ocupado para lhe obstaculizar o caminho, havia pensado até o final. A convicção de Ratzinger é a mesma de um outro idoso cardeal de origem milanesa, Giacomo Biffi, segundo a qual, para fazer com que a arquidiocese de Milão retome o reto caminho, é preciso retomar a tradição dos grandes bispos "ambrosianos", de temperamento forte e de orientação segura.

O último deles foi Giovanni Colombo. Isto é, por ironia do destino, precisamente aquele que não quis ordenar padre aquele Angelo Scola que agora, do céu, vê chegar como seu sucessor.

Tradução de Moisés Sbardelotto e revisada pela IHU On-Line.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 25/06/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=44666

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Vocações na Igreja hoje

Eleva-se uma voz profética