Paróquia anglicana nos EUA adota o catolicismo
Denise Chrispim Marin
Enviada a Bladensburg (EUA)
Conversão, decidida após debates entre fiéis de condado de Maryland, inclui catequese e primeira comunhão; padre casado não terá direito a divórcio
Nos mesmos Estados Unidos onde a Igreja Católica se vê atordoada por escândalos sexuais envolvendo seus sacerdotes, uma pequena paróquia anglicana de Bladensburg, Estado de Maryland, deu um passo inusitado. Sob a liderança do padre Mark Lewis - anglicano [foto ao lado], casado há 31 anos, dois filhos e um neto -, a Igreja de São Lucas decidiu abandonar sua tradição para abraçar o catolicismo romano.
A catequese de sua centena de frequentadores começa hoje e será concluída em 9 de outubro, em uma missa a ser celebrada pelo cardeal-arcebispo de Washington, d. Donald Wuerl. Será o momento da primeira comunhão, segundo as regras de Roma.
A ideia não surgiu de forma miraculosa nem como um estalo, mas de um longo processo de estudos e de debates entre Lewis e os membros de sua paróquia. Nada convencional, a igreja de São Lucas reúne imigrantes de diferentes países, como Taiwan, Nigéria, Libéria, El Salvador e Guiana, e alguns poucos americanos. Segundo o pároco, a diversidade linguística e cultural resultava em diferentes interpretações da fé cristã, mesmo sendo todos os paroquianos essencialmente anglicanos. A autorização dada pela cúpula da Igreja Anglicana para a ordenação de sacerdotes homossexuais, disse Lewis, não pesou na decisão. A abertura oferecida pelo papa Bento XVI para a conversão, há dois anos, tornou possível a transição.
"Concordamos que havia uma só fé e tínhamos de buscá-la. A Igreja de Roma foi a primeira a assumir a condução da fé cristã e nos pareceu mais abrangente", explicou padre Lewis ao Estado. "Eu não convenci o meu rebanho a se converter ao catolicismo. Não tenho tamanho poder. Mas estou certo de termos respondido a um chamado do Espírito Santo."
Até os paroquianos de São Lucas receberem a primeira comunhão, algumas mudanças atingirão suas crenças. O calendário religioso foi adaptado, de forma a incorporar datas de celebração de santos canonizados depois da cisão promovida pelo rei Henrique VIII, em 1534, e da criação da Igreja Anglicana ou Episcopal, como é chamada nos EUA. Um exemplo é o de Nossa Senhora de Fátima, que apareceu aos pastores portugueses em 1917.
Os ritos da missa não serão profundamente alterados porque já eram bem parecidos com os da Igreja Católica. Mas, o padre continuará a celebrá-la voltado para o altar, de costas para os paroquianos, como se fazia na Igreja Católica antes do Concílio Vaticano 2.º, concluído em 1965.
Crença
O artigo de fé essencial na celebração da missa - a crença na mudança do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo no momento da consagração - é compartilhado igualmente pela fé anglicana. Porém, algumas práticas se tornaram mais flexíveis.
O celibato dos sacerdotes, predominante na Igreja Católica, não é obrigação na tradição anglicana, que igualmente aceita o divórcio de seus pastores. Conforme as regras da conversão, Lewis fará um curso intensivo de nove meses antes de ser novamente ordenado pela Igreja Católica. Continuará casado - mas, aos 52 anos, não terá mais direito ao divórcio nem a segundas núpcias, caso fique viúvo.
Dentre os paroquianos, apenas o funcionário público aposentado Gary Schenk, de 74 anos, discordou da conversão. Schenk, que é solteiro, assegura que a questão do celibato não pesou em sua decisão. "Não tenho objeções aos padres casados nem aos solteiros", disse.
PARA LEMBRAR
A Igreja Anglicana surgiu na Inglaterra de um cisma com a Igreja Católica Romana. O rei Henrique VIII (1491-1547) desejava anular seu casamento com Catarina de Aragão para desposar sua amante, Ana Bolena, mas teve o pedido negado pelo papa Clemente VII.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Vida - Domingo, 19 de junho de 2011 - Pg. A30 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110619/not_imp734305,0.php
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Neste ano, 100 padres devem se converter
Denise Chrispim Marin
Pelo menos 100 padres e 2 mil leigos anglicanos devem se converter ao catolicismo até o final do ano nos Estados Unidos, de acordo com a Arquidiocese de Washington, entidade encarregada pelo Vaticano para conduzir esses processos no país.
A estimativa foi apresentada na semana passada, durante a conferência dos bispos americanos em Seattle, como um resultado esperado de uma "força-tarefa" do Vaticano e da Igreja Católica nos EUA. "Isso vai acontecer mais cedo do que se espera", afirmou à imprensa o cardeal-arcebispo de Washington, d. Donald Wuerl [foto ao lado].
Desde 1980, quando o papa João Paulo II abriu o primeiro modelo de conversão, segundo o qual os novos membros da Igreja teriam de se submeter estritamente às regras católicas e às suas autoridades locais, três congregações do Texas aceitaram as condições impostas.
As regras mais flexíveis aplicadas pelo papa Bento XVI desde novembro de 2009 estimularam a transição. Segundo o cardeal Wuerl, um "significativo" número de consultas de anglicanos foi registrado desde setembro, quando ele recebeu a incumbência de cuidar das conversões.
Além da igreja de São Lucas, em Bladensburg, no Estado de Maryland, a paróquia anglicana de Monte Calvário, em Baltimore, no mesmo Estado, está também em processo de transição para a fé católica romana.
O trabalho de conversão envolve, segundo o cardeal, a elaboração de um dossiê sobre os sacerdotes anglicanos - certidão negativa de ficha criminal, avaliação psicológica e carta de desligamento assinada por uma autoridade anglicana.
No caso da conversão de toda uma paróquia, há também considerações sobre a propriedade da Igreja e de suas outras instalações. Nesse ponto estancou a conversão de Monte Calvário.
No caso da Igreja de São Lucas, o imóvel será alugado pela Arquidiocese Anglicana de Washington por um período de três anos à sua contraparte católica, com opção de compra.
O padre Scott Hurd, responsável por esse caso, evitou mencionar o valor do aluguel. "A Igreja Anglicana foi muito generosa", desconversou.
Apesar de reunir apenas 2,4 milhões de fiéis nos EUA, segundo dados oficiais de 2008, as autoridades anglicanas não têm colocado travas às conversões ao catolicismo, que reúne 57,2 milhões seguidores no país.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Vida - Domingo, 19 de junho de 2011 - Pg. A30 - Internet: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20110619/not_imp734295,0.php
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