«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Prepotência do homem, impotência de Deus [Formidável!]

O professor e doutor em teologia da Faculdade Valdense de Teologia de Roma, Paolo Ricca [foto ao lado], responde, no texto a seguir, a uma pergunta enviada por um leitor à revista Riforma, publicação das Igrejas evangélicas batistas, metodistas e valdenses, 17-06-2011.

Segundo Ricca, o mistério do Deus no qual acreditamos é que Deus é onipotente "no sentido de que é amor, e o seu poder nada mais é do que o poder do amor. Com a sua vida e a sua morte, Jesus retratou esse amor ao vivo, diante de nossos olhos, e nós vimos que é um amor desarmado, ou seja, um amor que não se trai impondo-se com a força". A tradução é de Moisés Sbardelotto e revisado pela IHU On-Line.

Eis o diálogo.

Sou membro da Igreja valdense de Luserna São João. No Domingo de Ramos deste ano, participei do culto durante o qual foi realizado o batismo ou a confirmação de nove catecúmenos que, publicamente, diante de quase 400 pessoas, leram uma confissão de fé em que está presente a afirmação que segue: "Não acreditamos que Deus seja onipotente". Pergunto-me, então: o que é a confirmação hoje? Há 41 anos, mais ou menos, à pergunta do pastor "Credes nisto?", eu respondi: "Sim, com a ajuda de Deus".

Daniela Tomasini – Luserna São João

* * *

Essa carta contém duas questões, uma implícita e a outra explícita. A primeira diz respeito à afirmação de nove catecúmenos de Luserna São João (vales valdenses), que, por ocasião da sua confirmação (ou batismo), leram publicamente, durante o culto, uma "confissão de fé" na qual, dentre outras coisas, declararam: "Não acreditamos que Deus seja onipotente".

Na presença dessa declaração, presumo que a nossa leitora (e, provavelmente, não só ela) se propôs a óbvia pergunta: "Uma afirmação desse tipo é cristã?". Dessa pergunta implícita, surgiu a explícita: "O que é a confirmação hoje?", que acredito que deve ser lida assim: "Como é possível confirmar, isto é, acolher como membros da Igreja, pessoas que não acreditam em um Deus onipotente?".

São duas perguntas extremamente sérias. Deveria responder a ambas, mas, por razões de espaço, posso responder só à primeira, articulando a resposta em três pontos.

1. A afirmação de que Deus é onipotente faz parte – como todos sabem – do ABC da fé cristã. A Bíblia diz isso de muitos modos, no Antigo e no Novo Testamento. Em muitas passagens do livro de Jó e do Apocalipse, o Onipotente é o próprio nome de Deus: ao invés de dizer "Deus", diz-se "o Onipotente".

Essa qualificação é repetida, concordemente, pelas grandes confissões de fé da Igreja antiga, assumidas por toda a cristandade de todos os tempos, até os nossos dias. O Credo Apostólico, por exemplo, começa notoriamente assim: "Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra...". "Todo-Poderoso" [onipotente] é o único adjetivo que o Credo atribui a Deus Pai, como se a primeira coisa a ser dita quando se confessa a fé nele fosse justamente esta: declarar a sua onipotência. "Onipotente" é o atributo divino que resume e fundamenta todos os outros.

Assim sendo, é difícil não dar razão a Karl Barth quando escreve: "Falar da impotência de Deus significa simplesmente esquecer que se fala dele (...) Deus não é nada semelhante a uma sombra, a um fantasma inofensivo, é o contrário da impotência" (1). Mas também é o contrário da onipotência humana.

Por isso, quando se fala da onipotência de Deus, é preciso sempre lembrar e sublinhar o fato de que não é a onipotência que é Deus; é Deus – o Deus que se revelou a Israel, que Jesus chamou de "Pai" – que é onipotente. Deus não é um atributo da onipotência, mas a onipotência é um atributo de Deus.

A onipotência, em si mesma, não só não é divina, mas pode até ser diabólica. Muitos comandantes militares e líderes políticos, possuídos por um delírio de onipotência, causaram infinitos lutos e sofrimentos à humanidade. A onipotência de Deus não tem nada em comum com a sua suposta onipotência, que tem o rosto sinistro da tirania, da violência e da prepotência. A onipotência de Deus é exatamente o contrário da sua. Poder-se-ia dizer que Deus é "impotente" ou "não onipotente" com relação aos critérios humanos da onipotência, sempre repleta de prepotência.

2. Por outro lado, é um fato conhecido que o discurso sobre a não onipotência de Deus, ou sobre a sua impotência, foi feito pelo menos por dois notáveis expoentes do pensamento religioso, um cristão, Dietrich Bonhoeffer, e o outro judeu, Hans Jonas.

O primeiro, nas suas Cartas do cárcere, falou repetidamente da "impotência de Deus". São passagens conhecidas, frequentemente citadas. Vou citar apenas uma, exemplar, da carta do dia 16 de julho de 1944: "Deus se deixa empurrar para fora do mundo, sobre a cruz. Deus é impotente e fraco no mundo, mas é justamente assim que ele permanece conosco e nos ajuda. Claramente se diz em Mateus 8,17 que Cristo não nos ajuda em virtude da sua onipotência, mas sim em virtude da sua fraqueza, de seu sofrimento!". A carta termina falando sobre o "Deus da Bíblia, que conquista poder e espaço no mundo por meio da sua impotência" (2).

Não é possível aqui, por óbvias razões de espaço, ilustrar o significado e o porte desse discurso de Bonhoeffer. Basta observar que, aqui, a não onipotência ou impotência de Deus não é uma afirmação geral sobre Deus em si mesmo, mas está indissoluvelmente relacionada à paixão de Jesus, por isso é uma afirmação sobre Deus em Cristo, e mais precisamente em Cristo crucificado. O discurso de Bonhoeffer nasce da meditação sobre a cruz.

Por associação, o pensamento se desloca ao apóstolo Paulo quando diz: "Quando sou fraco, então é que sou forte" (2Coríntios 12, 10). Esse paradoxo tem suas raízes e explicação na história de Jesus, que, em sua paixão, foi "forte" justamente na extrema fraqueza da cruz ou, como diz Bonhoeffer, "conquistou espaço e poder neste mundo" na completa impotência de um inocente executado pela violência e prepotência humanas. Na história da paixão, Herodes, Pilatos e Caifás aparecem como onipotentes; Deus em Jesus aparece como impotente. Mas não é uma impotência derrotada, mas sim vitoriosa.

O segundo discurso sobre a não onipotência de Deus – também muito conhecido – é o do filósofo judeu Hans Jonas, que, no seu breve escrito O conceito de Deus depois de Auschwitz, sustentou a seguinte tese, que, na verdade, já havia sido defendida por outros antes dele. Falando em primeira pessoa, Jonas basicamente diz: "Foi-me ensinado, quando criança, que Deus é bom e onipotente. Depois de Auschwitz, não posso mais acreditar que Deus seja ambas as coisas, porque, se fosse verdadeiramente bom e onipotente, teria impedido Auschwitz. Se não fez, quer dizer ou que ele não é bom (portanto, permaneceu indiferente diante daquela tragédia inaudita), ou que não é onipotente (portanto, não pôde ou não soube impedi-la). Assim, devo escolher entre acreditar em um Deus onipotente, mas que não é bom, ou em um Deus bom, mas que não é onipotente. Prefiro acreditar em um Deus bom, mas não onipotente".

Como se vê, o discurso de Jonas tem uma coerência interna, não alheia à lógica da fé. Se eu realmente tivesse que escolher entre onipotência e bondade de Deus, confesso que eu também escolheria, como [Hans] Jonas, a bondade. Mas acredito que essa escolha não é necessária, pela razão que veremos em breve.

3. Neste ponto, depois de ter esclarecido (minimamente) em que sentido Deus é onipotente e em que sentido se pode falar de uma impotência ou não onipotência sua, só resta me dirigir diretamente aos nove catecúmenos de Luserna São João e perguntar-lhes: "O que vocês queriam dizer declarando 'Não acreditamos que Deus seja onipotente'?". Não acredito que queriam dizer que Deus é um pobre diabo de deus (desculpem o trocadilho!), que não consegue fazer o seu trabalho, que não têm capacidade para isso e talvez nem mesmo vontade, é um Deus de série B, que faz aquilo que pode, mas não pode muito e, portanto, não pode tudo, porque o seu poder é limitado (por quem?). Se foi isso que vocês quiseram dizer – mas não acredito –, então é claro que a sua afirmação, que na realidade é uma negação, coloca-se fora da fé cristã.

Se, ao contrário, como eu penso, pretendiam falar do Deus que conheceram mediante a história de Jesus, que, na primeira parte da sua vida, se manifestou verdadeiramente como onipotente (pensemos nos chamados "milagres", que, nos evangelhos, são chamados significativamente de "obras poderosas") , as multidões de fato o seguiam porque ele conduzia, de maneira vitoriosa, a grande batalha da cura contra a doença, da graça contra o pecado, da liberdade contra todas as formas de servidão, da vida contra a morte. Mas depois, na última parte da sua existência – a paixão –, ele não se manifestou mais como onipotente, embora continuando a sua batalha contra o mal, mas combatendo de outro modo, isto é, tomando-o sobre si, carregando-o sobre as costas junto com a cruz, enfrentando a violência com a não violência, a mentira (das falsas acusações contra ele) com a verdade, os insultos com o silêncio, a indignação com paciência, condenação com a inocência, a prepotência com a impotência, o ódio com o perdão – se foi isso que quiseram dizer, então o seu discurso foi e é um discurso profundamente cristão, que poderíamos formular assim: Deus é verdadeiramente onipotente por saber também renunciar à sua onipotência (como fez Jesus: Filipenses 2,5-11!), assim como Deus é verdadeiramente Deus por saber se tornar homem, é verdadeiramente santo por também saber que se "fez pecado por nós" (2Coríntios 5,21), é verdadeiramente Criador por querer e poder também se tornar criatura.

Esse é o mistério do Deus no qual acreditamos, um mistério do qual emana uma grande luz. Eis então a conclusão do discurso: Deus é onipotente? Sim, no sentido de que é amor, e o seu poder nada mais é do que o poder do amor. Com a sua vida e a sua morte, Jesus retratou esse amor ao vivo, diante de nossos olhos, e nós vimos que é um amor desarmado, ou seja, um amor que não se trai impondo-se com a força.

Nesse sentido, o amor é "fraco" ou, se quiserem, "não onipotente": no sentido de que não tem outra força do que a sua. Ou o amor vence com o amor, ou perde. É "impotente" para vencer com a força. Pode vencer apenas com o amor. Assim, a onipotência de Deus se demonstra perfeita na "impotência" do amor a trair a si mesmo, tornando-se qualquer outra coisa que não é amor.

Notas:

 1. Karl Barth, Esquisse d’une dogmatique, Ed. Delachaux & Niestlé, 1950, p. 43.
 2. Dietrich Bonhoeffer, Lettere dal carcere, Ed. Bompiani, 1969, p. 133.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line - 19/06/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=44468

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