1º Domingo da Quaresma - Homilia

Evangelho: Lucas 4,1-13


Naquele tempo, 
1 Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão, e, no deserto, ele era guiado pelo Espírito. 
2 Ali foi tentado pelo diabo durante quarenta dias. Não comeu nada naqueles dias e, depois disso, sentiu fome. 
3 O diabo disse, então, a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. 
4 Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Não só de pão vive o homem’”
5 O diabo levou Jesus para o alto, mostrou-lhe por um instante todos os reinos do mundo 
6 e lhe disse: “Eu te darei todo este poder e toda a sua glória, porque tudo isto foi entregue a mim e posso dá-lo a quem quiser. 
7 Portanto, se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu”.
8 Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás’”. 
9 Depois o diabo levou Jesus a Jerusalém, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo e lhe disse: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! 10 Porque a Escritura diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!’ 
11 E mais ainda: ‘Eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”.
12 Jesus, porém, respondeu: “A Escritura diz: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’”. 
13 Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno. 

JOSÉ ANTONIO PAGOLA

Pintura de BOTTICELLI para a Capela Sistina
PRIMEIRA TENTAÇÃO
NÃO DESVIAR-NOS DE JESUS

As primeiras gerações cristãs se interessaram muito pelas provas e tensões que Jesus teve de superar para manter-se fiel a Deus e viver sempre colaborando em seu projeto de uma vida mais humana e digna para todos.

O relato das tentações de Jesus não é um episódio fechado, que acontece num momento e num lugar determinado. Lucas nos adverte que, ao terminar estas tentações, "o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno". As tentações voltarão na vida de Jesus e na de seus seguidores.

Por isso, os evangelistas colocam o relato antes de narrar a atividade profética de Jesus. Seus seguidores devem conhecer bem estas tentações desde o começo, pois são as mesmas que eles terão de superar ao longo dos séculos, se não quiserem desviar-se dele.

Na primeira tentação se fala de pão. Jesus resiste em utilizar Deus para saciar a sua própria fome: "não só de pão vive o homem". A coisa mais importante para Jesus é buscar o Reino de Deus e a sua justiça: que haja pão para todos. Por isso, um dia Deus virá, mas será para alimentar uma multidão faminta.

Hoje, também, nossa tentação é pensar somente em nosso pão e preocupar-nos exclusivamente de nossa crise. Desviamo-nos de Jesus quando acreditamos no direito de tê-lo, e esquecemos o drama, os medos e sofrimentos daqueles que carecem de quase tudo.

Na segunda tentação, fala-se de poder e de glória. Jesus renuncia a tudo isso. Não se prostrará diante do diabo que lhe oferece o império sobre todos os reinos do mundo: "Adorarás o Senhor teu Deus". Jesus não buscará nunca ser servido, mas servir.
Pintura de BOTTICELLI para a Capela Sistina
SEGUNDA TENTAÇÃO
Hoje, também, desperta em alguns cristãos a tentação de manter, como seu, o poder que a Igreja teve em tempos passados. Desviamo-nos de Jesus quando pressionamos as consciências tratando de impor, à força, nossas crenças. Abrimos caminhos ao Reino de Deus quando trabalhamos por um mundo mais compassivo e solidário.

Na terceira tentação, propõe-se a Jesus que desça, de maneira grandiosa, diante do povo, sustentado pelos anjos de Deus. Jesus não se deixará enganar: "Não tentarás o Senhor, teu Deus". Ainda que lhe peçam, ele não fará nunca um sinal espetacular do céu. Somente fará sinais de bondade para aliviar o sofrimento e as dores do povo.

Desviamo-nos de Jesus quando confundimos nossa própria ostentação com a glória de Deus. Nossa exibição não revela a grandeza de Deus. Somente uma vida de serviço humilde aos necessitados manifesta seu Amor a todos os seus filhos.

IDENTIFICAR AS TENTAÇÕES
Pintura de BOTTICELLI para a Capela Sistina
TERCEIRA TENTAÇÃO
Segundo os evangelhos, as tentações experimentadas por Jesus não são, propriamente, de ordem moral. São abordagens nas quais lhe são propostas maneiras falsas de entender e viver a sua missão. Por isso, sua reação nos serve de modelo para nosso comportamento moral, porém, sobretudo, alerta-nos para não nos desviarmos da missão que Jesus confiou aos seus seguidores.

Antes de mais nada, suas tentações nos ajudam a identificar, com mais lucidez e responsabilidade, aquelas que hoje pode experimentar a sua Igreja e aqueles que a integram. Como seremos uma Igreja fiel a Jesus se não somos conscientes das tentações mais perigosas que nos podem desviar, hoje, de seu projeto e estilo de vida?

Na primeira tentação, Jesus renuncia a utilizar Deus para "converter" as pedras em pães e saciar, desse modo, a sua fome. Não seguirá esse caminho. Não viverá buscando seu próprio interesse. Não utilizará o Pai de maneira egoísta. Alimentar-se-á da Palavra viva de Deus. Somente "multiplicará" os pães para alimentar a fome do povo.

Esta é, provavelmente, a tentação mais grave dos cristãos dos países ricos: utilizar a religião para completar nosso bem-estar material, tranquilizar nossas consciências e esvaziar nosso cristianismo de compaixão, vivendo surdos à voz de Deus que nos continua gritando: onde estão vossos irmãos?

Na segunda tentação, Jesus renuncia a obter "poder e glória" sob a condição de submeter-se, como todos os poderosos, aos abusos, mentiras e injustiças sobre as quais se apoia o poder inspirado pelo "diabo". O Reino de Deus não se impõe, oferece-se com amor. Jesus somente adorará o Deus dos pobres, fracos e indefesos.

Nestes tempos de perda do poder social, é tentador para a Igreja buscar recuperar o "poder e a glória" de outros tempos, pretendendo, inclusive, um poder absoluto sobre a sociedade. Estamos perdendo uma oportunidade histórica para entrar por um caminho novo de serviço humilde e de acompanhamento fraterno ao homem e à mulher de hoje, tão necessitados de amor e de esperança.

Na terceira tentação, Jesus renuncia cumprir sua missão recorrendo ao êxito fácil e à ostentação. Não será um messias triunfalista. Nunca colocará Deus a serviço de sua vanglória. Estará entre os seus como aquele que serve.

Será sempre tentador para alguns utilizar o espaço religioso para buscar reputação, fama e prestígio. Poucas coisas são mais ridículas no seguimento de Jesus que a ostentação e a busca de honras. Essas coisas estragam a Igreja e a esvaziam da verdade!

Tradução do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: MUSICALITURGICA.COM - Homilías de José A. Pagola - Terça-feira, 12 de fevereiro de 2013 - 09h48 - Internet: http://www.musicaliturgica.com/0000009a2106d5d04.php

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