«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

O Brasil não aprende!

Por trás de desastres, a cultura da falta de ética

Renata Cafardo e Marco Antônio Carvalho

Existe impunidade e falta um princípio de responsabilidade,
afirmam especialistas
Tragédia em Minas Gerais
BRUMADINHO (MG):
Bombeiros buscam vítimas após rompimento de lama

Foto: Washington Alves/Reuters

A segunda tragédia em menos de 15 dias fez o País se questionar sobre por que acidentes como esses se sucedem no Brasil. Para estudiosos da sociedade, o que falta é um forte princípio de responsabilidade, que se soma à sensação de impunidade. Isso prejudica questões práticas, como manutenção, prevenção e fiscalização, que poderiam evitar mortes que devastaram o Flamengo, Brumadinho e todos os brasileiros.

Para o professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Roberto Romano, o problema é que o Brasil não tem uma democracia consolidada. “A responsabilidade é a base da democracia moderna. É o que os Estados Unidos chamam de accountability”, explica. “Aqui isso não existe, todo mundo acha que pode fazer o que quiser porque não vai pagar por isso, tanto a sociedade quanto as autoridades.”

Ele explica que essa falta de responsabilidade vem do nosso período colonial e imperial, uma vez que reis não prestam contas. Para o professor, a sociedade brasileira só melhoraria com educação e bons exemplos. “Mas o que se aprende é jogar lixo no quintal do vizinho, pegar a vaga do outro no estacionamento, ser imprudente no trânsito para chegar antes.”

O antropólogo Roberto DaMatta acredita que essa irresponsabilidade já chegou ao intolerável e que a situação começa a mudar. “As redes sociais levantaram uma consciência nacional, houve um patriotismo nessa avalanche eleitoral que tirou coronéis do Congresso. Há cobrança, indignação como nunca vi.” Segundo ele, acontecimentos ditos inevitáveis podiam ser prevenidos e “hoje todo mundo sabe disso”.

Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que o Brasil tem “grande dificuldade” de “prevenir desastres de grandes proporções”. Segundo ela, os fenômenos que causam desastres de grandes proporções exigem a atuação das instituições de controle e fiscalização para que se examine se as medidas de prevenção estão sendo adotadas.

O jurista Ives Gandra Martins não vê problema no conjunto de leis brasileiras, mas, sim, na sua efetiva aplicação. Isso, explica, se dá em parte pela organização do Judiciário, que não é ágil o suficiente para julgar os processos, e, por outro lado, da descrença da população quanto à importância de seguir as leis.

Para mudar, ele espera reformas amplas do governo Jair Bolsonaro. “Não pode haver reformas pontuais somente para atender à vontade popular. São necessárias reformas estruturais e permanentes. A aplicação insuficiente da legislação no Brasil é evidente”, disse, detalhando que há um excesso de recursos judiciais.

A impunidade enxergada por Gandra é um dos principais motivos apontados pela antropóloga Alba Zaluar para a manutenção de outra tragédia brasileira: a violência urbana e o patamar de 63,8 mil homicídios por ano. “Estima-se que 10% dos casos sejam transformados em processo. Representa uma enorme impunidade. Representa, na verdade, um estímulo a matar, pois não há efeito negativo da ação criminosa. Isso contribui muito para que se continue matando com tanta facilidade.”

O patamar de homicídios atingido em 2017, com taxa de 30,8 por 100 mil habitantes, é o maior da história do País. Alba explica que a falta de “obediência às regras do jogo” – as leis – se caracteriza pela negação ao diálogo e a opção pelo conflito violento. Ela vê isso permeando as relações entre vizinhos, no trânsito, no contato entre homens e mulheres, no meio político. Contra isso, pede mais investimento em educação.

[Comentário pessoal: Contudo, este atual governo parece não entender isso! Anda caçando “comunistas” e defensores da “ideologia de gênero” em todos os cantos, ao invés de focar no que, de verdade, importa! O Ministro da Educação gosta de discutir “sexo de anjos”, como se costuma dizer!]

Prevenção esquecida

Educação, ou “cultura de segurança”, está no centro do que fala o professor titular do Departamento de Engenharia de Minas e Petróleo da Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Médici de Eston. Ele está à frente da especialização em engenharia de segurança do trabalho na instituição e fala de forma muito enfática sobre o tema.

“O Brasil não tem cultura de segurança. Quando há um desastre, o escarcéu é feito, mas daqui a pouco tudo volta ao normal”, disse, citando desde a ausência de simulados de evacuação em prédios para casos de incêndio até o tráfego perigoso de motos entre carros mesmo com um grande número de vítimas.

Ele lembra que, sem a dita cultura de segurança, também não há a importância devida à prevenção. A situação é potencializada pelo pouco apreço a atividades adequadas de manutenção, diz Eston citando o caso dos viadutos em São Paulo, onde duas dessas estruturas estão interditadas. A conta é fechada, então, pela dificuldade de fiscalização e a impunidade. Ele pede uma mudança de comportamento. “As causas dos pequenos incidentes são as mesmas causas das grandes tragédias. Quando a consequência é pequena, uma ralada no joelho, a gente despreza. Mas não há uma causa especial para os grandes acidentes. São negligências acumuladas.”

TRÊS ANÁLISES

No Brasil, Estado conta com certa apatia

Leandro Karnal
Filósofo, psicanalista, historiador e escritor

As tragédias sempre foram crônicas de uma morte anunciada
Tragédia em Minas Gerais
Moradores de Brumadinho (MG) observam a lama que atingiu a cidade
Foto: Washington Alves/Reuters

Historicamente, nós temos um Estado não preventivo. Nós temos um Estado, com sorte e em alguns casos, que atua de forma terapêutica. Ele reage a tragédias, mas reage mediante opinião pública e possível dano e custo eleitoral disso. Nos Estados Unidos, por exemplo, além do custo eleitoral, existe o medo do processo. Aqui, recentemente, há um medo de processo do dano eleitoral. Então, você tem de achar um culpado, mas isso não significa uma nova política para a área.

O Estado brasileiro conta com uma certa apatia. Se você considerar que o incêndio da boate Cromañón, lá em Buenos Aires, representou mais de um ano de passeatas diárias, com a participação do cardeal de Buenos Aires, hoje papa Francisco, e que o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, já foi esquecido, e nada de fato resultou daquilo, existe uma coisa que os nossos poderes, tanto empresariais quanto públicos, contam com a apatia das pessoas. A tragédia será esquecida.

[Comentário pessoal: a maioria da população brasileira age como “cordeiro” resignado diante do caos de nossa sociedade! Só sabe resmungar, reclamar, mas não agir, atuar, cobrar efetivamente!]

Afinal, vem a seguinte pergunta: quantos estão presos? Se eu levar em conta essa resposta, Brumadinho é fácil de explicar. É mais barato responder a um dano eventual do que criar um sistema coletivo de prevenção de tragédias. Isso em todos os campos. É recente o fenômeno das campanhas de vacinação. Preferimos enfrentar epidemias. Em algumas vezes, enfrentamos epidemias que já foram vencidas ou estiveram próximo de terem sido vencidas, como é o caso da febre amarela. A falta de uma política pública de vacinação faz ressurgir um fantasma do fim do século XIX, da época que levou à Revolta da Vacina no início do século XX. Nunca saímos dessa situação. Mas sempre foi assim.

As tragédias sempre foram crônicas de uma morte anunciada. Dá-se um exemplo. A cidade de São Paulo teve uma ponte na Marginal Pinheiros que se deslocou. Não conseguiram ver com clareza sequer a quem pertencia a responsabilidade pela manutenção da ponte. Em seguida, uma ponte na Marginal em direção à Via Dutra também apresentou danos. Muitas pontes estão assim. E não há uma reação pública proporcional. Mesmo quando se prendem engenheiros que deveriam ter feito a vistoria existe a grita de algumas pessoas. Não sei se são os únicos responsáveis, não tenho conhecimento se há mais gente. Agora, no mínimo, aqueles que fizeram a inspeção e não interditaram são responsáveis. No mínimo.

É difícil esperar do Estado uma ação na medida em que o
objetivo do Estado brasileiro não tem sido o bem-estar da população,
mas um projeto de poder fechado nele mesmo.

À medida que as coisas ocorrem e não há punição, eu permito que isso se repita indefinidamente. Essa falta de mobilização sistemática da nossa população já era alvo de reclamação de D. Pedro II em XIX. Ele reclamava que era uma população fácil de inflamar, mas que dificilmente mantinha esse fogo. É muito fácil haver uma comoção nacional. Mas ela passa diante de outra tragédia ou do tempo simplesmente. Nunca saímos desse estado.

Basta a gente investigar todas as nossas tragédias recentes. Mesmo aquelas que não tiveram perdas humanas, como o incêndio do Museu Nacional do Rio. A pergunta é: quem está preso por manter um prédio histórico sem nenhuma segurança? Ninguém. Quais foram as medidas para os prédios que correm risco de pegar fogo? Nenhuma. O que acontecerá quando esses prédios pegarem fogo? Nada. É muito mais barato manter esse sistema. A falta de coerção introduz um consenso permanente de que não preciso fazer isso. Se o dano for enorme a um partido, por exemplo, a tradição é mudar o nome do partido e refundá-lo. Onde estão os assassinos da boate Kiss? Onde estão os administradores do Museu Nacional? Continuam livres. Continuam aí. E os políticos se recandidataram. É uma política geral de impunidade que pode ter encontrado nas redes sociais um obstáculo que ainda não se revestiu em algo efetivo. Mas podem ter encontrado um obstáculo.

A marca incorreta do inevitável

Mario Sergio Cortella
Filósofo, educador e escritor

Tragédia é tudo que nos ocorre e que não poderíamos impedir
Relatores da ONU denunciam veto de Doria a mecanismo de combate à tortura
Rompimento de barragem deixou dezenas de mortos e desaparecidos 
Foto: Adriano Machado/REUTERS

A expressão “tragédia”, usada em situações como essa e em outros desastres resultantes da negligência ou omissão humana, não deveria ser tão elástica. Do ponto de vista conceitual, tragédia é tudo que nos ocorre e que não poderíamos impedir, por estar além das forças humanas: tsunami, terremoto ou tufão. Na Filosofia, tudo o que poderia ter sido evitado ou resultou de descaso ou equívoco humano é um “drama”, e não tragédia. Um terremoto é trágico, mas a ausência de meios de alerta e proteção em algumas áreas do planeta é dramática; a seca inclemente ou o deserto é uma tragédia, mas a fome e a sede para alguns é dramática...

A ideia de tragédia neste caso traz a marca incorreta do inevitável, reduzindo as responsabilidades de quem, de fato, as tem. A sequência dramática - Brumadinho, episódios de feminicídio e o Flamengo - resulta de um adensamento de situações anteriores. Por se originarem em descasos e descuidos, poderiam eclodir de modo mais imediato, e, por isso, estão mesmo acontecendo, mais por ser possibilidade causal, marcada por coincidências negativas, do que uma fatalidade sem autoria.

A tragédia Brasil

José Nêumanne Pinto
Jornalista, poeta e escritor

Às vítimas só resta reclamar, em vez de apoiar, aplaudir, glorificar, eleger e até endeusar os vilões que as massacram
A tragédia Brasil
Os rejeitos minerais da Vale em Mariana, que mataram o Rio Doce, num descomunal assassinato ambiental, não serviram de alerta 
Foto: Gabriela Biló/Estadão

Os antigos diziam que quando Deus criou o mundo juntou num pedaço da América do Sul um país com uma costa gigantesca e belas praias, ouro nas montanhas e sol nos dias de verão. Sem terremotos, vulcões, tsunamis nem outros acidentes naturais. Então, o anjo Gabriel chamou Sua atenção para a injustiça de tal privilégio. Consta que o Criador explicou: “vais ver o povinho que porei lá”. É uma piada preconceituosa e inominável diante de tudo o que tem acontecido ultimamente nestes tristes trópicos, neste país do carnaval e do futebol, a superar em tragédia o teatro grego antigo, culminando com a coincidência de mesclar paixão coletiva e dor pessoal.

O incêndio do Centro de Treinamento (CT) do Flamengo com 10 mortos e 3 salvados do fogo parece mais um castigo divino, mas não é. É conjunção de canalhice com descaso, desídia e desumanidade, que já se haviam manifestado no incêndio do Museu Nacional e no estado lastimável que impede visitas ao Museu da Independência, no Ipiranga.

Essa mistura transforma nosso passado num monturo onde enterramos nossas oportunidades de aprender com erros e acertos que já cometemos. Os rejeitos minerais da Vale em Mariana, que mataram o Rio Doce, num descomunal assassinato ambiental, não serviram de alerta e três anos depois a lama seca de Brumadinho apodrece o Paraopeba e se prepara, de forma lenta, mas incansável, para emporcalhar Três Marias e trucidar o Rio São Francisco, o Velho Chico, “rio da unidade nacional”.

O Estado brasileiro, controlado por burocratas e políticos corruptos, se acumplicia a empresários gananciosos que exploram nossas riquezas e massacram nossos pobres à jusante de represas, expondo-os por cupidez às ondas de dejetos que sufocam humanos, bovinos e peixes.

O Criador poupou-nos de vagalhões e lavas, mas os beneficiários do uso e furto dos bens públicos os substituem pela mortandade por susto, bala ou vício. Essa Medusa, que nunca encontra Ulisses de volta a Ítaca, reproduz em sua saga milhões de cabeças vorazes que despedaçam a ventura dos humildes.

Os meninos do Flamengo são talentosos e quase todos pobres, mais do que arrimos, o que resta de fé para seus parentes e amigos. Quando sucumbem à indiferença de dirigentes de má-fé, que usam a paixão do povo como combustível para sua fortuna, fundida num bezerro de ouro insaciável, levam para a morada final as esperanças de seus entes queridos.

O pior de tudo é que os dirigentes de Vale, Museu Nacional, Museu da Independência e Flamengo, e prefeitos que escorcham os munícipes com vultosos impostos (casos do Rio inundado e desprovido de programas públicos eficientes contra inundações e desta Piratininga de viadutos rachados caindo aos pedaços), são beneficiários da pior de todas as ofensas, a impunidade. Os mandachuvas do popular rubro-negro da Gávea, os mesquinhos da mineração que não gastam com segurança nem pagam multas e os gestores públicos e privados que se escondem das penas que deviam pagar em capas de pleonasmos nunca purgarão os seus crimes com vil metal ou perda de liberdade.

A tragédia Brasil tem a agravante de não contar com o deus ex-machina do teatro grego, aquela solução final implausível em que os justos são recompensados e os culpados, punidos. E às vítimas só resta reclamar, em vez de apoiar, aplaudir, glorificar, eleger e até endeusar os vilões que as massacram.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Brasil – Sábado, 9 de fevereiro de 2019 – Pág. A22 – Internet: clique aqui; aqui; aqui; aqui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.