Ensinar em casa, é bom?
10 mitos e verdades sobre o ensino
domiciliar
no Brasil
Redação
Analisando,
atentamente e racionalmente, os argumentos pró
e contra, chega-se à
conclusão que o ensino domiciliar
no Brasil será um
grande risco
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LUCIENE TOGNETTA |
Desde que o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, no início
de 2019, o ensino domiciliar, também
conhecido como homeschoolling, é um
tema que tem causado bastante polêmica entre pais e educadores. A prática,
considerada ilegal no fim de 2018 pelos ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF), é uma das metas prioritárias para os cem primeiros dias do novo governo,
abraçada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que,
inclusive, já redigiu uma primeira versão de medida provisória para
regulamentar o ensino domiciliar no Brasil.
Segundo o Ministério, os detalhes da medida só devem ser
divulgados quando o texto, que pode sofrer alterações no Congresso Nacional e
na Casa Civil, for finalizado. Ainda assim, um de seus principais objetivos é garantir aos pais o direito de
decidir sobre a educação dos filhos. Se aprovada, a medida deve tirar da ilegalidade cerca de 7,5 mil famílias que,
segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), educavam os filhos
em casa em 2018.
Em recente evento de atualização e aperfeiçoamento
profissional para mais de mil professores do Ensino Fundamental e Ensino Médio
de nove unidades do Colégio Positivo, de Curitiba (PR), Ponta Grossa (PR),
Londrina (PR) e Joinville (SC), a pesquisadora em educação e professora do
Departamento de Psicologia da Educação da Unesp Araraquara, Luciene Tognetta esclareceu algumas
questões que envolvem a adoção do homeschooling
no Brasil.
A
especialista confirmou algumas premissas e desmentiu outras:
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Mãe ensinando seus filhos em casa |
1) O ensino domiciliar pode impactar
negativamente a formação do senso crítico em crianças e adolescentes
Verdade. “Uma
criança precisa de conflitos, que aparecem no contato com pensamentos
divergentes. Na relação entre pais e filhos, dificilmente uma criança diverge
de seus pais, pois ela os enxerga como autoridade absoluta, o que fará com que
dificilmente haja a contraposição de ideias. Para que um pensamento científico se desenvolva, é necessário lidar com
outros pontos de vista e uma criança que não tenha a possibilidade de
resolver conflitos com seus pares, de reconhecer situações diferentes daquilo
que ela acredita ser verdade, terá um prejuízo no desenvolvimento do pensamento
científico. Ou seja, no ensino
domiciliar, para driblar esta situação, é preciso que os pais tenham um preparo
metodológico maior, muito mais sofisticado, para que consigam dar conta de
algo que a escola, pela própria inserção do aluno no grupo social e nas
diferenças, daria.”
2) Os estudantes terão menos oportunidades
de convivência com outras crianças de sua idade
Verdade. “Sem o
convívio escolar, as crianças podem até ter outros contatos, mas é mais difícil
de acontecer, pois estamos falando de uma geração de famílias que não são mais
estendidas, que não possui, cotidianamente, contato com vizinhos, primos, com
outras crianças, como havia nas gerações passadas. Outro problema, no caso da
igreja, por exemplo, é o de conviver
apenas com pessoas que pensam do mesmo jeito. Sem o pensamento divergente,
não há possibilidade de sair do próprio ponto de vista e ir para o ponto de
vista do outro. A consequência é que, no
futuro, teremos adultos com muita dificuldade de lidar com pontos de vista
diferentes, visto que é na escola que se dá a possibilidade de ver novas
visões de mundo, de se descentrar e de avaliar quais pontos de vista são
melhores ou piores.”
3) Os pais não são capazes de passar todo
o conteúdo necessário para os filhos
Mito. Ainda que
haja alguma dificuldade, a educadora acredita que sim, os pais, independente da formação, com algum esforço, podem dar conta
de ministrar as aulas aos filhos. Isso porque, atualmente, é possível
encontrar as matérias disponíveis em diversos meios. Por outro lado, ter acesso ao conteúdo é diferente de método
de ensino, o que pode, sim, fazer com que a criança seja prejudicada.
“Um médico, por exemplo, pode ser um ótimo médico, mas nem sempre é um bom
professor de Medicina. Não é à toa que temos diversas pesquisas na área de
Educação que discutem métodos e didáticas. É
muito difícil para os pais, de diversas formações, darem conta do conteúdo e da
metodologia, e decidir qual é a melhor forma da criança aprender. Podemos
ir por tentativa e erro? Podemos, mas, dessa forma, estamos negligenciando o
que a ciência já verificou e, consequentemente, negligenciando a melhor
educação para o aluno”, alerta a especialista.
4) O conteúdo em casa é mais próximo da
realidade da criança
Verdade. Um dos
grandes problemas da escola tradicional, atualmente, é deixar de tornar o
conteúdo mais próximo da realidade do aluno, tornando, assim, o aprendizado
mais efetivo. Nesse sentido, a educação
domiciliar ganha pontos, sobretudo quando os pais conseguem aliar domínio de
método e conteúdo. Para a escola, a especialista alerta sobre a necessidade urgente de se investir na formação
de professores, que devem ter uma abertura maior na maneira de ensinar.
“Desta forma, evita-se soluções paliativas”, avalia.
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Homeschooling - mãe ensina filha em casa |
5) Ao optarem pelo homeschooling, os pais protegem os filhos de possíveis situações de
bullying, ou mesmo de situações
constrangedoras que podem ocorrer na escola
Mito. “Levar a
criança para o ensino domiciliar para fugir dos problemas de bullying é ineficaz, pois os pais precisam fortalecer os seus filhos.
Uma das características do bullying é
ter uma vítima frágil, então, na verdade, quando se precisa agir sobre o bullying, é muito mais eficaz agir sobre
o autor, espectadores e vítima. Se não
fortalecer o filho que é vítima de bullying,
muito provavelmente ele será vítima de bullying
em outras situações”, explica.
6) O
ensino domiciliar é apontado como alternativa bem-sucedida de educação para crianças
especiais, sobretudo autistas e superdotados
Mito. “A lei de inclusão no Brasil não é
aleatória. Muito pelo contrário, ela é para o bem destas crianças. Sabemos
que a escola, muitas vezes, não está preparada para receber estes alunos, mas
quando os levamos para casa, estamos tolhendo a necessidade de políticas
públicas, ou mesmo de escolas particulares, de formar melhores professores, que
saibam intervir para além dos conteúdos escolares, que saibam transformar o
grupo para receber a criança. A lei que
prevê a inclusão dessas crianças no contexto escolar é para que elas se sintam
como seus pares, que elas possam vivenciar essa experiência de vida, de
paridade, ter essa experiência social.
Portanto, quem priva seu filho disso,
está negligenciando uma necessidade dele.”
7) Educar em casa é mais barato
Impreciso. Pagar uma
escola particular nos dias de hoje, realmente, não é tarefa fácil. Além da
mensalidade, há gastos com material, uniforme, lanches, e que variam muito de
acordo com a cidade, ou até mesmo do bairro, em que a instituição está
localizada. “Assim, não é possível afirmar que educar em casa seja mais caro ou
mais barato do que uma escola privada, visto que isso também depende do quanto os pais que educam em casa investem na
compra de livros, entre outros itens”, ressalta Luciene.
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É fundamental a criança poder interagir e relacionar-se com outras, isso favorece a aceitação das diferenças e a integração do ser humano |
8) É melhor ensinar em casa do que
enfrentar os problemas comuns a muitas escolas públicas, como falta de
professores e estrutura
Mito. Tal ideia
refuta a necessidade de se pensar de
forma coletiva. “Há muitas escolas públicas que não tem professores. Porém,
usar esse argumento para dizer que o ensino domiciliar é melhor é refutar e não entender a necessidade de coletividade,
a necessidade de lutar para ter uma
escola de melhor qualidade. É um pensamento
muito individualista”, critica.
9) Educação domiciliar é sempre ruim
Mito. Muitos
dos que defendem que lugar de criança é sempre na escola acreditam que o ensino
domiciliar é sempre ruim. Contudo, para Luciene, há períodos na vida nos quais
essa suposição não se aplica. “Acredito
ser bom manter a criança até os três anos em casa, pois ela está em um
momento em que a formação da personalidade depende da constituição da
autoridade, portanto, é bom que tenha o carinho dos pais e dos familiares
para construir uma identidade forte e a autoestima. No mais, é melhor para que ela não se exponha a doenças, pois o
organismo é mais frágil”, avalia.
10) “Se deu certo nos Estados Unidos, dará
certo no Brasil”
Mito. Você já
deve ter ouvido esta frase alguma vez na vida – e quando o assunto é educação
domiciliar, ela é quase um mantra. Porém, as situações são bem diferentes,
visto que o Brasil ainda não conta com uma regulação deste tipo de ensino, nem
meios para garantir que ele seja de qualidade, ou mesmo de que a criança está
realmente estudando e não trabalhando, por exemplo. “Nos EUA há supervisão, regulação. A lei que garante o direito da
família de educar em casa também prevê
um acompanhamento rigoroso para garantir o direito da criança em receber uma
boa educação. Nesse sentido, há
também uma preparação melhor dos pais, que sabem que há uma regulação”,
finaliza a pesquisadora Luciene Tognetta.
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