«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 14 de novembro de 2020

É tempo de ética

 Em novo livro, Giannetti faz reflexão sobre a ética e seus extremos e nuances

 Fernanda Perrin 

Economista parte de fábula sobre o poder da invisibilidade para descrever e desmontar ideais platônico e cristão de honestidade

EDUARDO GIANNETTI

 O que você faria se pudesse ficar invisível? 

É em torno desse questionamento singelo que o economista Eduardo Giannetti desenvolve uma elaborada reflexão sobre a ética, tema de seu mais novo livro, “O Anel de Giges”, que chega às livrarias nesta segunda (16 de novembro). 

O objeto que dá nome à obra vem da “República”, de Platão. Como provocação a Sócrates, defensor da ideia de que ser uma pessoa justa é um bem em si — ou seja, independe das vantagens que o comportamento acarreta —, Gláucon, irmão mais velho de Platão, conta a história de Giges. 

Na fábula, um camponês (Giges) descobre um anel capaz de torná-lo invisível. De posse do objeto, vai até a sede do reino da Lídia, região que habitava, seduz a rainha, mata o rei e toma posse do trono. 

Para Gláucon, portanto, a história mostraria que um cidadão pacato, quando protegido do olhar alheio e do risco de punição, não hesita em obter vantagens para si, violando sem medo preceitos éticos e morais que até então —hipocritamente — respeitava. 

Mais: não há possibilidade de agir de outra forma, defende Gláucon, que encara a busca incessante do autointeresse e a felicidade como equivalentes entre si. Nessa visão, diante da garantia de impunidade, não há por que respeitar regras sociais que se interponham entre o sujeito e o benefício almejado. 

Em resposta, Sócrates defende que uma pessoa verdadeiramente ética não mudaria em nada sua conduta de posse do anel, uma vez que ser honesto e justo corresponde à felicidade. 

Como observa Giannetti, há, portanto, um debate entre a ética como um valor instrumental (um meio para alcançar coisas, utilizado na medida em que for compatível com o autointeresse do indivíduo e jogado fora quando deixa de sê-lo, como defende Gláucon) e como valor intrínseco (um bem em si, como coloca Sócrates).

No pensamento de Platão, o Giges-ideal, modelo de comportamento a ser perseguido pelos guardiões de sua sociedade utópica, é aquele para quem a posse do anel pouco importa. Isso porque ele não se apraz com o aplauso alheio e se orienta apenas em fazer o que é correto e justo (tendo sido moldado pela educação recebida desde a infância). 

Em um dos pontos mais interessantes do livro, Giannetti aproxima a ética platônica da cristã.

De modo semelhante ao Giges platônico, o Giges ideal cristão guia-se por uma renúncia de si mesmo: não há espaço para autointeresse egoísta, mas sim uma genuína disposição da alma pelo respeito à lei moral. É ela a sua felicidade. 

Apresentadas as concepções, o autor passa a criticá-las. “O fulcro da ética platônica-cristã é a reconfiguração do campo de forças intrapsíquico mediante a subordinação das pulsões, fantasias e inclinações espontâneas da psique — o mundo-gueto da alma — ao primado de uma vontade ordenadora e à soberania do bem.” Irrealista, inexequível, indesejável. Alguém que reprima a tal ponto suas paixões a ponto de não ser afetado pela posse do anel não é desejável, em suma. Em algum momento esse dique vai romper. 

No outro extremo, tampouco defende-se o Giges inescrupuloso da fábula de Platão como uma visão realista do comportamento humano. 

A questão que Giannetti coloca é: existem apenas essas duas possibilidades? Não seriam elas extremos raros no mundo empírico, tipos ideais que obscurecem tudo o que, de fato, encontramos entre um ponto e outro? 

Pensando sobre esse ponto, o autor busca um dos clichês em termos de teste de honestidade: a carteira perdida. Um estudo extenso publicado na revista Science em 2019 simulou a perda do objeto, com e sem dinheiro, em diversos países. 

Acompanhava a carteira um cartão com um endereço de e-mail (para possibilitar uma tentativa de retorno) e uma lista de compras. O valor contido nas que levavam dinheiro era de US$ 13,45 (ajustado país a país pela paridade do poder de compra). 

Contra as apostas de economistas, a taxa de devolução das carteiras foi maior entre aquelas com dinheiro do que nas vazias, em todos os países pesquisados. 

O resultado contraintuitivo é atribuído pelos autores a:

* fatores econômicos (a vantagem financeira e o custo de procurar o dono da carteira) e

* psicológico (altruísmo e não querer sentir-se um ladrão). 

Ou seja, há toda uma gradação ética possível, guiada não apenas por uma lógica racional egoísta, mas também por elementos subjetivos, como autoimagem e empatia. Giannetti acerta ao bater na tecla da importância dos afetos para a satisfação humana (em mais um clichê: “a felicidade só é real quando compartilhada”). 

A discussão que o livro pincela, mas não avança, é o impacto de fatores culturais nessa dispersão. Como mostra o experimento, a taxa de devolução das carteiras cheias e vazias variou enormemente país a país. Outro exemplo citado no livro, sobre diplomatas e multas de trânsito, convida a uma análise semelhante — mas não é atendido. 

Os impulsos, as paixões, os afetos e a empatia que Giannetti com razão destaca são universais e, portanto, não explicam as diferenças culturais em termos de ética observadas. 

Essa lacuna na análise se faz sentir quando tentamos fazer a ponte da reflexão ética individual para a coletiva, pensando de que forma o conjunto diverso de tantos Giges possíveis explica sociedades mais ou menos justas e desiguais. 

L I V R O

Autor: Eduardo Giannetti

Título: O Anel de Giges

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 320

Preço de capa: R$ 69,90

Publicação: 16 de novembro de 2020 

Fonte: Folha de S. Paulo – Mercado – Cifras & Letras – Sábado, 14 de novembro de 2020 – Pág. A22 – Internet: clique aqui (acesso em: 14/11/2020).

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