«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 7 de novembro de 2020

Mulheres sob ataque!

            Pacto de poder masculino na audiência do                                caso Mariana Ferrer

 Paula Sperb 

Entrevista com Miriam Pillar Grossi

Professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e cocoordenadora do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS). Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Doutora em Antropologia pela Université Paris Descartes, Paris 5 (França). 

Para Miriam Pillar Grossi, da UFSC, homens se aliam diante de ameaça feminina, mas houve mudança real no tratamento de vítimas

MIRIAM PILLAR GROSSI

Pesquisadora da violência contra mulheres na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a antropóloga Miriam Pillar Grossi acredita que as cenas da audiência de julgamento do caso do estupro supostamente sofrido pela jovem Mariana Ferrer mostram um “pacto masculino”. 

Nas cenas divulgadas em vídeo, Ferrer chega pedir ao juiz para ser respeitada após ser agredida pelo advogado do réu. Os demais homens participantes da sessão, como juiz, promotor e defensor, parecem silenciar diante do ataque sofrido. O Ministério Público de Santa Catarina afirma que o vídeo foi editado sem as intervenções do promotor, o que é negado pelo Intercept Brasil, que publicou a gravação. 

“O estupro não é sexual, é exercício de poder”, diz Grossi, que também é cocoordenadora do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) da UFSC. “Homens que sentiam que sempre podiam fazer o que queriam se sentem muito ameaçados pelas lutas sociais, lutas que têm dado migalhas de igualdade social a mulheres”, analisa a professora. 

Eis a entrevista. 

Por que não é raro que homens que cometem violência sexual contra mulheres fiquem impunes?

Miriam Pillar Grossi: É o que a gente chama de violência estrutural do Estado. No caso da Mariana Ferrer, a vítima foi tratada como ré, sem nenhuma possibilidade de ser escutada e mais uma vez violentada. Nos choca quando a instância jurídica, que representa o Estado e deveria produzir justiça, acaba produzindo violência.

O movimento feminista vem apontado isso desde a década de 1970. Felizmente, já avançamos bastante no aparato de leis no Brasil com a lei Maria da Penha, em 2006, e as delegacias de atendimento especializado, em 1985. É impressionante como são vários casos em pauta ao mesmo tempo. São muitos os casos vindo à tona, como o do Robinho. 

A senhora acompanhou o caso dos quatro jogadores do Grêmio condenados na Suíça, em 1989, por um estupro coletivo de uma garota de 13 anos. Qual a diferença com o caso do Robinho, condenado na Itália?

Grossi: Há 33 anos, em 1987, escrevi um artigo no jornal feminista Mulherio [em dupla com a pesquisadora Carmen Rial]. Eles foram tratados como heróis na chegada no aeroporto como se tivessem lavado a honra do gaúcho. O mesmo fez a imprensa esportiva na época. Agora, no caso do Robinho, há uma revolta pública que atinge também o jornalismo esportivo, que considera o fato um crime. Houve uma mudança real. Ele afirmou que “infelizmente existem as feministas”. É por causa do feminismo que as mulheres não aceitam mais esse tipo de violência. 

De modo geral, o que explica um estupro?

Grossi: O estupro não é sexual, é exercício de poder. O que a gente vê no vídeo da audiência da Mariana Ferrer é uma forma de poder extremo. Eu mesma tive que parar [a exibição] porque foi se tornando insuportável assistir. Todas nós mulheres nos sentimos naquele lugar, mesmo que não tenha sido estuprada. Aquela situação de quatro homens, um atacando a Mariana e os outros em silêncio, cúmplices, todas nós já vivemos isso.

Clique sobre a imagem abaixo para assistir ao impressionante vídeo da audiência do Judiciário catarinense com Mariana Ferrer: 

Por que essa cumplicidade ocorre?

Grossi: Eu já vivi isso em vária situações. Em uma situação onde tu és a única mulher, os homens fazem uma aliança de poder mesmo que não concordem. Dificilmente um deles se posiciona e vai dizer que é um absurdo, que não pode fazer isso. 

A senhora acredita que na audiência os homens abriram mão dos papéis institucionais em favor dessa aliança de poder?

Grossi: Os papéis que cada um deveria cumprir no julgamento deixaram de existir a partir de um pacto masculino de homens brancos que se consideram de elite, já que o Judiciário é uma elite na nossa sociedade. É também um pacto narcísico. Eles se veem, mesmo que inconscientemente, naquela situação: estão pensando que aquele estuprador, filho de empresário, poderia ser seu filho. Não digo que isso é pensado, mas também estão protegendo seus filhos, seus lugares. É algo como “quem tem poder somos nós, te cala”. A audiência da Mariana apenas reproduziu algo que é feito há dezenas e dezenas de anos. A diferença é que tivemos acesso. 

Também em Florianópolis, o prefeito é acusado de estupro. Ele alega que a relação foi consensual. Os supostos estupros teriam ocorrido dentro de estruturas da prefeitura, mas os vereadores rejeitaram as denúncia por quebra de decoro. É um caso de “pacto masculino”?

Grossi: O surpreendente no caso do prefeito é que parece que teria aumentado sua a popularidade porque mostra que ele é um macho. Com a ascensão da extrema direita — no Brasil e em países como Estados Unidos e Polônia — a lógica é a da masculinidade. Homens que sentiam que sempre podiam fazer o que queriam se sentem muito ameaçados pelas lutas sociais, lutas que têm dado migalhas de igualdade social a mulheres, mas mesmo com migalhas, eles se sentem muito ameaçados. A forma de reagir a essa ameaça é a violência.

Se o presidente da República pode dizer que não estupraria uma deputada porque ela não merecia, por ser feia, por que os homens não podem dizer algo parecido?

Eles se sentem legitimados por quem está no poder. 

A governadora interina de Santa Catarina, Daniela Reinehr (sem partido), evitou responder se repudiava o nazismo ao ser questionada sobre o tema, uma vez que seu pai é simpatizante do nazismo. Em um primeiro momento, antes de finalmente se posicionar, ela alegou seu “papel como filha” em respeito ao pai. O patriarcalismo afeta também a política?

Grossi: Como feminista, me alegra ter uma mulher em lugar de poder, mesmo que seja uma conservadora. No entanto, este caso é lamentável. Primeiramente, ela falou a partir de suas relações, com esse compromisso [com o pai] primeiro. Também é estratégico porque na atual política, as mulheres, como a ministra Damares Alves, estão aparentemente no poder, mas servem para garantir a estabilidade das relações de dominação. Quando a governadora se coloca como filha, ela agrada o eleitorado conservador que pensa “ela não quer o poder, ela respeita a família, a hierarquia”. Mas é nestas mesmas famílias onde muitas vezes as mulheres são violentadas e estupradas. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Cotidiano – Sábado, 07 de novembro de 2020 – Pág. B2 – Internet: clique aqui (acesso em: 07/11/2020). 

As mulheres na pré-história

 Fernando Reinach

Biólogo, PHD em biologia celular e molecular pela Cornell University e autor de A Chegada do Novo Coronavírus no Brasil; Folha de Lótus, Escorregador de Mosquito; e A Longa Marcha dos Grilos Canibais 

Fósseis de mulheres caçadoras sugerem que divisão de tarefas por gênero é recente na história humana

É muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça.
Foto: REUTERS/Shannon Stapleton

Até recentemente mulheres criavam os filhos enquanto os homens sustentavam a família. O fato de essa divisão de tarefas ser observada em sociedades primitivas é um dos argumentos usados para defender o ponto de vista de que esse é o arranjo que sempre existiu entre os Homo sapiens. Os defensores dessa ideia argumentam que essa divisão de tarefas é algo tão básico como o fato de caminharmos sobre dois pés. 

Por outro lado, muitos antropólogos acreditam que a caça de grandes mamíferos é uma atividade coletiva, principalmente quando feita com lanças de madeira e pontas de pedra. Foi só com o advento do arco e flecha e das armas de fogo que um único ser humano se tornou capaz de matar um grande mamífero. É a colaboração entre um grande número de indivíduos que permite perseguir, cercar, imobilizar e matar a presa. O fato de nossos ancestrais viverem em pequenos grupos e se movimentarem constantemente dá suporte a essa ideia. 

A verdade é que não sabemos como se organizavam as famílias humanas antes do surgimento da agricultura ou quando saímos da África e nos espalhamos pelo planeta. Portanto, é impossível saber se essa divisão de tarefas é uma característica da espécie ou parte dos hábitos culturais adquiridos nos últimos milênios. É nesse contexto que a descoberta de fósseis de mulheres caçadoras é tão importante. 

Em 2013, lavradores na província de Puno, no Peru, perto da vila de Mulla Fasiri, localizada 3.925 metros acima do mar, encontraram uma grande quantidade de artefatos humanos espalhados em uma área de 1,6 hectares. 

Uma pequena área de 36 metros quadrados foi escavada em 2018 e revelou, logo abaixo do solo, 20 mil artefatos que indicavam a presença de seres humanos na região. Foram encontrados vários esqueletos um deles o de uma mulher de 17 anos que havia morrido 8 mil anos atrás. Ela foi enterrada deitada de lado e junto a ela foi achado um pequeno agrupamento de artefatos. 

A posição desses artefatos sugere que eles deviam estar em uma bolsa que se decompôs com o tempo. O mais importante é que todos os artefatos encontrados são usados na caça de grandes animais. Entre os artefatos estão pontas de lança, pedras na forma de facas usadas para retirar o couro do animal, facas de pedra para retirar a carne e pedras usadas para limpar o couro. Ou seja, essa mulher de 17 anos muito provavelmente era uma caçadora que vivia permanentemente no altiplano se alimentando da caça e de partes de plantas. E, como era comum nessa cultura, foi enterrada junto com seus objetos pessoais. 

Intrigados pela descoberta os cientistas fizeram um levantamento de todos os fósseis humanos da época enterrados com artefatos de caça. Foram encontrados dezenas de esqueletos espalhados desde a América do Norte até o sul do Chile. O que descobriram é que aproximadamente um terço das pessoas enterradas com utensílios de caça eram mulheres. 

O interessante, no caso, é que em muitos dos trabalhos que descrevem esses achados os cientistas descartam ou fazem pouco do fato de o esqueleto ser de uma mulher. A conclusão é de que existe a possibilidade de que nossos ancestrais, que viviam como coletadores e caçadores, praticavam a caça em grupos e nessa atividade mulheres e homens compartilhavam as tarefas. Se isso for verdade, é muito provável que a nossa espécie tenha passado a maior parte de sua existência no planeta em uma organização familiar em que homens e mulheres dividiam a atividade da caça. 

E, portanto, a divisão das tarefas entre os sexos, como observamos nos últimos milênios, só apareceu muito recentemente na história de nossa espécie. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Ciência – Sábado, 07 de novembro de 2020 – Pág. A20 – Internet: clique aqui (acesso em: 07/11/2020).

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