9º Domingo do Tempo Comum - Ano C - Homilia

Evangelho: Lucas 7,1-10


NOËL QUESSON
Naquele tempo, 
1 quando acabou de falar ao povo que o escutava, Jesus entrou em Cafarnaum. 
2 Havia lá um oficial romano que tinha um empregado a quem estimava muito, e que estava doente, à beira da morte.

Três evangelistas - Mateus, Lucas e João - apresentam este relato da cura de um servo do centurião de Cafarnaum. Cada um dos três autores faz a sua própria leitura de um mesmo fato, insistindo sobre este e aquele ponto a fim de responder à comunidade de seu tempo a qual se endereçava. Nós temos que interpretar esse episódio em relação à situação atual, respeitando, obviamente, a verdade tradicional do fato. Nós, também, ainda mais que na época de Jesus ou de Lucas, estamos num mundo onde crentes e incrédulos se esbarram.
Cafarnaum, povoado portuário a noroeste do lago de Tiberíades, era na verdade um local fronteiriço, lugar de passagem de caravanas. Cafarnaum, base de Simão Pedro, tinha sido escolhida por Jesus como centro de evangelização (cf. Mt 4,13-17). Esta cidade possuía uma alfândega (Mc 2,13) e uma pequena guarnição do exército de ocupação composta, sem dúvida, como todos os exércitos romanos, de "mercenários" vindos de todo o Império: gauleses, germânicos, citas, sírios etc. [...]
Com satisfação, Lucas destacará o quanto Jesus possuía ideias grandes e abertas... em contradição com a atitude corrente de seu tempo que permanecia muito particularista. Em sua pregação em Nazaré, Jesus já anunciara esta "abertura", destacando os milagres feitos por Elias e Eliseu em favor da viúva de Sarepta e do sírio Naaman (Lc 4,24-38).

3 O oficial ouviu falar de Jesus e enviou alguns anciãos dos judeus, para pedirem que Jesus viesse salvar seu empregado.

A doença!
Ponto de fraqueza do homem... Marca de sua condição humana... Situação dolorosa, sobretudo quando se sabe que é incurável: o servo estava "à beira da morte".Em todas as civilizações, a "saúde" é considerada como o bem mais necessário. A doença, ao contrário, é o próprio símbolo da fragilidade. Ora, é um fato que, o "lugar da fraqueza" é, também, um dos lugares privilegiados do reencontro com Deus, bem como, um dos lugares privilegiados da compaixão e da mútua fraternidade.
Esta página do evangelho nos recorda que os crentes não tem, aqui, nenhuma vantagem. O oficial pagão nos dá uma bela lição de bondade: ela ama seu servo e deseja salvá-lo. Além disso, este homem é espantosamente respeitoso das convicções dos outros. Ele toma cuidado de não comprometer Jesus, e dirigi-se a ele por intermédio de duas delegações de "judeus". A Lei, de fato, proibia formalmente, sob pena de impureza, de entrar na casa de um pagão ou de fazer contato com ele. Será esta a crítica que se fará a Pedro, alguns anos mais tarde (cf. At 11,3).
Faça-nos, Senhor, não somente tolerar aqueles que não pensam como nós, mas respeitá-los, e saber reconhecer todos os valores humanos que eles trazem. Dê-nos, Senhor, a delicadeza deste centurião!

4 Chegando onde Jesus estava, pediram-lhe com insistência: “O oficial merece que lhe faças este favor, 
5 porque ele estima o nosso povo. Ele até nos construiu uma sinagoga”.

Talvez o centurião fosse daqueles pagãos que eram chamados de "tementes a Deus" que, sem ser verdadeiramente judeus, eram simpatizantes do judaísmo. Lucas somente sublinha que esse pagão "construiu a sinagoga". Encontramos esse tema lucano do dinheiro: aquele que se desprende de seu dinheiro, encontra-se mais pronto a encontrar o evangelho. Entre os não crentes ou agnósticos que me cercam [...] eu lhes facilito a busca pelo evangelho? Ou lhe dificulto e protelo?

6 Então Jesus pôs-se a caminho com eles. Porém, quando já estava perto da casa, o oficial mandou alguns amigos dizerem a Jesus:

Observamos que Jesus não hesitou um segundo, segundo Lucas, e partiu com a delegação dos Anciãos para a casa "impura" do pagão. Segundo o evangelho de João, ao contrário, Jesus havia criticado o oficial (que fazia o pedido em pessoa) de solicitar um sinal antes de crer (Jo 4,48).

“Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres em minha casa. 
7 Nem mesmo me achei digno de ir pessoalmente ao teu encontro. 

Parece que havia mais, nesta fala, que a dificuldade de relacionamento entre judeus e "goîm" (nações pagãs). O oficial tem, diante de Jesus, o choque que todo homem deve experimentar aproximando-se de Deus, este temor, que Pedro também sente (cf. Lc 5,8). É notável, em todo caso, que a Igreja não tenha encontrado fórmula melhor para colocar em nossos lábios no momento em que, nós mesmos, nos aproximamos da eucaristia... "Senhor, eu não sou digno...".

Mas ordena com a tua palavra, e o meu empregado ficará curado. 
8 Eu também estou debaixo de autoridade, mas tenho soldados que obedecem às minhas ordens. Se ordeno a um: ‘Vai!’, ele vai; e a outro: ‘Vem!’, ele vem; e ao meu empregado: ‘Faze isto’!, ele o faz”.

"Diga somente uma palavra...".
A partir de sua experiência de comandante militar, o oficial compreende a palavra como uma palavra potente, capaz de operar aquilo que pronuncia. Ele reconhece em Jesus uma palavra desse tipo, capaz de realizar tudo aquilo que ela decide. [...]
Ao pedir a Jesus de não se incomodar de se deslocar, esse pagão sublinha, ainda, o poder excepcional de Jesus. Habitualmente, os curandeiros não conseguem suas curas a não ser a custa de gestos corporais onde a presença física é necessária. Jesus, pode fazer um milagre à distância, somente pela palavra. 
E nós, evocando nossa experiência sacramental, pensamos que, para nós também, Jesus está longe de nossos olhos, mas que ele é, entretanto, poderoso pela sua Palavra. Cremos nesta Palavra-Sacramento que realiza nossa salvação?

9 Ouvindo isso, Jesus ficou admirado. 

Eu procuro imaginar o rosto de Jesus, seu sorriso, por exemplo... ou o tom de sua voz: um homem maravilhado, um homem contente, um homem que admira.
Os evangelhos observam esta "admiração" de Jesus, somente, em duas ocasiões. Nos dois casos, é diante de pagãos, pessoas que não fazem parte do povo de Deus: uma cananeia, uma estrangeira do território de Tiro e Sidônia (Mt 15,28)... e este oficial romano de Cafarnaum (Lc 7,9).
Para Jesus, as barreiras e as fronteiras são abolidas: não há mais estrangeiros. São Paulo traduzirá essa novidade numa fórmula de grande força: "Não há mais grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro, cita, escravo, homem livre, mas Cristo: ele é tudo em todos" (Cl 3,11; Gl 3,28; 1Cor 12,13). Nosso mundo atual é aquele onde as comunicações entre os países mais distantes tornaram-se, extremamente, rápidas. Uma chance nova é dada à humanidade de se "encontrar" e de "fraternizar-se". Mas não basta que as civilizações e as culturas estejam, doravante, em contato umas com as outras, pois esses contatos multiplicados não fazem que, frequentemente, exacerbar os nacionalismos, os racismos de todas as formas. Ser discípulo de Jesus, é alargar seu coração. 
Tu, Senhor, tens ainda muito trabalho a realizar no mundo, e em nós...

Virou-se para a multidão que o seguia, e disse: “Eu vos declaro que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”.
10 Os mensageiros voltaram para a casa do oficial e encontraram o empregado em perfeita saúde.

Tem-se, na verdade, a impressão que este relato foi escrito não para, primeiramente, nos narrar um milagre (ele é de uma extrema discrição), mas para destacar a fé deste estrangeiro. Jesus afirma que o oficial pagão tinha mais fé que os judeus, fechados em suas certezas, emaranhados em suas tradições, zelosos de respeitar as regras da Lei. O pagão, paradoxalmente, era livre... pronto para acolher a novidade de Jesus.
E nós? Mantemos uma disponibilidade nova para o crescimento de nossa fé? Estamos prontos para progredir? Não teríamos, também nós, bloqueios que impediram muitos fiéis judeus de seguirem, de fato, Jesus?
Senhor, nós cremos..., mas aumentai a nossa fé!

Tradução do francês por Telmo José Amaral de Figueiredo.

Fonte: QUESSON, NOËL. Parole de Dieu pour chaque dimanche - Année C. Limoges: Droguet-Ardant, 1982, p. 188-192.

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