Economia: O Governo perdeu o rumo

José Roberto Mendonça de Barros*
Dilma Rousseff - Presidente da República do Brasil
Uma sucessão de más notícias fez o governo perder o rumo. O PIB do primeiro trimestre foi péssimo, mais do que confirmando nossa análise neste espaço ("2013 não começou bem I e II", publicados respectivamente, em 20/01 e 17/02). Ao mesmo tempo, as pesquisas mostraram claramente que a inflação e especialmente o custo da alimentação entraram firme na vida e na preocupação das famílias, algo grave para um governo, antes de tudo, empenhado na reeleição.

Por outro lado, aceleraram-se os sinais de piora do setor externo, tanto na balança comercial como na conta corrente, o que colocou pressão sobre o real [nossa moeda], gerando uma forte tendência de desvalorização.

A menor arrecadação, por seu turno, torna o expansionismo fiscal, mais claro e complicado. Finalmente, o Congresso, pelo menos por um momento, recusou-se a aprovar tudo o que o Executivo queria.

Esses eventos aconteceram em meio a uma cada vez mais clara recuperação da economia global. Os últimos dados dos EUA (incluindo a divulgação de um volume de emprego bastante decente, gerado no mês de maio), do Japão e de vários emergentes reporiam essa visão. A valorização do dólar (que reforça a pressão para o enfraquecimento do real) e a extrema sensibilidade dos mercados a qualquer sinal, vindo do Fed, de mudanças na política monetária são indicativos da aceitação pela maior parte do mercado que a economia americana está da vez mais próxima de uma fase de crescimento, algo que já tratamos por várias vezes.

Resta ainda, é verdade, o receio de que a economia chinesa possa fraquejar, não conseguindo segurar os 7,5% de crescimento do PIB em 2013. Embora esta seja uma possibilidade, não é nosso cenário base. Nele, o rebalanceamento da economia chinesa na direção de ganhos de salário real, do consumo e de mais investimentos em qualidade da água, do ar e da energia alternativa deverão continuar. A proposta de compra da Smithfield (empresa americana líder na produção de suínos) feita pela Shuanghui é um grande indicador da importância de melhorias substanciais na qualidade da alimentação demandada pela população e tão relevante nesta fase do crescimento chinês,

Em resumo, os problemas e o enfraquecimento do crescimento brasileiro não podem ser debitados ao exterior. São produtos de uma estratégia que fracassou, agravando questões que vêm se acumulando.

De fato, após o vale-tudo que foi a campanha de 2010, os excessos econômicos produziram uma piora na situação macroeconômica que se tornou clara, com pressões inflacionárias e outros desequilíbrios, que levaram a um crescimento modesto em 2011
A estratégia do governo, então, foi de 
  • relançar a economia a partir dos estímulos no consumo e 
  • da tentativa de avançar investimentos a partir da liderança do Estado, incluindo empresas estatais.
Dezesseis pacotes depois e um crescimento pífio em 2012 (0,9%), pode-se dizer que a estratégia fracassou
  • A demanda de consumo, ao invés de crescer, desacelerou; 
  • as exportações enfraqueceram e as importações seguem ocupando espaços cada vez maiores no mercado; 
  • o investimento público pouco avançou
  • os custos subiram muito e 
  • os atrasos são recorrentes (a transposição do São Francisco e a ferrovia Transnordestina são os exemplos mais acabados desses atrasos). 
  • A Petrobrás tem vivido um momento difícil com a estagnação da produção; 
  • a Eletrobrás está com o seu fluxo de caixa totalmente comprometido e não terá como funcionar direito se o Tesouro não a socorrer. 
  • Os ditos campeões nacionais não adicionaram nada de relevante para o crescimento. 
  • O PIB de 2011-2013 será um pouco maior que 2% e, por melhor que seja 2014, a média do governo Dilma será da mesma magnitude.
Hoje, certas coisas estão absolutamente claras. 
[1º] Três anos de crescimento próximo de 2% não representam um evento fortuito, mas uma tendência mais estrutural, passado o efeito dos grandes ganhos de preços de commodities.

[2º] Em segundo lugar, nosso problema não está na demanda, mas sim, na falta de competitividade da produção nacional. Alterar essa situação vai exigir um programa estrutural de longo fôlego e duração. Tal programa ainda não existe. Discursos salvacionistas serão solenemente ignorados pelos fatos.

[3º] Em terceiro lugar, a situação macroeconômica está desarranjada, a começar pela inflação que se mantém firme no topo da meta. O IPCA de maio mostrou que 230 dos 365 componentes do índice subiram mais que 10% nos últimos doze meses!

Isto levou o Banco Central a elevar os juros e sinalizar que vem mais por aí. Entretanto, ao mesmo tempo, as autoridades permitiram uma nova desvalorização do real, para a faixa de R$ 2,15 por dólar, o que vai pressionar a inflação, pelo menos, via alimentos. De fato, na semana terminada na última quinta-feira, o milho tinha subido 1,9% e a soja 3,8%. Para completar o quadro, o Tesouro resolveu injetar R$ 15 bilhões na infausta Valec (!!!)

A alta de juros e da inflação, a desvalorização do real e a política fiscal expansionista não se casam.

Corremos o risco de acabar por piorar um pouco mais o crescimento, a inflação, o setor externo e a dívida do governo.

Mais uma vez, o ativismo e o movimento estão tentando substituir a reflexão, com baixa taxa de sucesso. 

* José Roberto Mendonça de Barros é economista e sócio da MB associados.

Fonte: O Estado de S. Paulo - Economia & Negócios - Domingo, 9 de junho de 2013 - Pg. B4 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-governo-perdeu-o-rumo-,1040464,0.htm

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