«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

POR QUE O BRASIL E AGORA? [Excelente análise]

JUAN ARIAS
EL PAÍS

Paradoxalmente, a culpa é de quem deu dignidade aos pobres, 
uma renda não miserável para comprar o que sempre foi um sonho
Manifestação na Praça da Sé (S. Paulo) - 18 de junho de 2103
Está gerando perplexidade, dentro e fora do País, a crise repentina que eclodiu no Brasil com o surgimento de manifestações de rua, primeiro em cidades ricas como São Paulo e Rio, estendendo-se por todo o País e envolvendo brasileiros no exterior.

No momento há mais perguntas para se entender o que está ocorrendo do que respostas. Há apenas um consenso de que o Brasil, até agora invejado internacionalmente, vive uma espécie de esquizofrenia ou paradoxo que ainda precisa ser analisado e explicado.

Iniciemos com as perguntas:

Por que surge agora um movimento de protesto como os que vêm ocorrendo em outros países do mundo, quando durante 10 anos o Brasil viveu anestesiado pelo seu sucesso compartilhado e aplaudido mundialmente: O Brasil está pior hoje do que há 10 anos? Não, está melhor. Pelo menos está mais rico, tem menos pobres e aumenta o número de milionários. Está mais democrático e menos desigual.

Como se explica, então, que a presidente Dilma Rousseff, com um consenso popular de 75% - recorde que chegou a superar o do popular Luiz Inácio Lula da Silva -, foi vaiada repetidamente na abertura da Copa das Confederações em Brasília por 80 mil torcedores da classe média que puderam dar-se ao luxo de pagar até US$ 400 o ingresso?

Por que saem para a rua para protestar contra o aumento de preços dos transportes jovens que não usam esses meios de transporte porque têm carro, algo impensável há 10 anos?

Por que protestam estudantes vindos de famílias que até há pouco não teriam sonhado em ver seus filhos pisarem numa universidade?

Por que a classe C aplaude os manifestantes, essa classe C que veio da pobreza e que pela primeira vez em sua vida conseguiu comprar uma geladeira, uma TV e até um carro usado?

Por que o Brasil, sempre orgulhoso do seu futebol, parece estar agora contra o Mundial, chegando a empanar a abertura da Copa das Confederações com uma manifestação que resultou em feridos, detenções e medo nos torcedores que chegavam ao estádio?

Por que esses protestos, em alguns casos violentos, num país invejado até pela Europa e Estados Unidos pelo seu quase desemprego zero?

Por que se protesta nas favelas onde os habitantes viram sua renda duplicada e recuperaram a paz que lhes fora roubada pelo narcotráfico?

Por que, de repente, levantaram-se em pé de guerra os indígenas que já têm 13% do território nacional?

Os brasileiros são mal agradecidos àqueles que melhoraram sua vida?

A resposta a essas perguntas que deixam muita gente, a começar pelos políticos, perplexa e assombrada, poderia se resumir em poucas questões:

Em primeiro lugar, pode-se dizer que, paradoxalmente, a culpa é de quem deu aos pobres um mínimo de dignidade: uma renda não miserável, a possibilidade de ter uma conta em um banco e acesso ao crédito para poder comprar o que sempre foi um sonho para eles.

Talvez o paradoxo se deva a isso: ter colocado os filhos dos pobres na escola, da qual não desfrutaram seus pais e avós; ter permitido aos jovens, brancos, negros, indígenas, pobres ou não, ingressar na universidade; ter dado a todos acesso gratuito à saúde; ter libertado os brasileiros do antigo complexo de culpa de "cachorros de rua"; ao ter conseguido tudo aquilo que converteu o Brasil em apenas 20 anos num país quase do primeiro mundo.

Os pobres que chegaram à nova classe média conscientizaram-se de que deram um salto qualitativo na esfera do consumo e agora querem mais
  • Querem serviços públicos de primeiro mundo, que não há; 
  • querem uma escola que ofereça um ensino de boa qualidade, que não existe; 
  • querem uma universidade moderna, viva, que os prepare para o trabalho futuro
  • Querem hospitais com dignidade, sem meses de espera, sem filas desumanas.
E querem tudo o que ainda lhes falta politicamente: 
  • uma democracia mais madura, em que a polícia não continue agindo como na ditadura; 
  • querem partidos que não sejam, na expressão de Lula, um "negócio" para enriquecer
  • querem uma democracia onde exista uma oposição capaz de vigiar o poder.
  • Querem políticos menos corruptos
  • querem menos desperdício em obras que consideram inúteis quando ainda faltam casas para 8 milhões de famílias; 
  • querem uma justiça com menos impunidade
  • querem uma sociedade menos abismal nas suas diferenças sociais
  • Querem ver na prisão os políticos corruptos.
Querem o impossível? Não. Ao contrário dos movimentos de 68, que queriam mudar o mundo, os brasileiros insatisfeitos com o já alcançado querem que os serviços públicos sejam como os do primeiro mundo. Querem um Brasil melhor. Nada mais.

Escutei alguns afirmarem: "Mas o que mais quer essa gente?" A pergunta me lembra a de algumas famílias onde, depois de darem tudo aos filhos, segundo elas, eles se rebelam.

Os pais esquecem às vezes que faltou algo que, para o jovem, é essencial: atenção, preocupação pelo que ele deseja e não pelo que às vezes lhe é oferecido. Necessitam não apenas ser ajudados e protegidos, conduzidos pela mão, querem aprender a ser eles os protagonistas.

E aos jovens brasileiros, que cresceram e tomaram consciência não só do que já têm, mas do que ainda podem alcançar, está faltando justamente isso: que os deixem ser mais protagonistas da sua própria história, ainda mais quando demonstram ser tremendamente criativos.

Que o façam, isso sim, sem mais violência, pois violência já sobra nesse maravilhoso país que sempre preferiu a paz à guerra. E que não se deixem cooptar por políticos que tentarão se envolver no seu protesto para esvaziá-lo de conteúdo.

Podia-se ler num cartaz, ontem: "País mudo é um país que não muda". E outro, dirigido à polícia: "Não disparem contra meus sonhos".

Alguém pode negar a um jovem o direito de sonhar?

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Fonte: O Estado de S. Paulo - Metrópole - Quarta-feira, 19 de junho de 2013 - Pg. A18 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,por-que-o-brasil-e-agora,1044132,0.htm
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Completando a análise...

VOZES SEM VOTO

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI *
Manifestação em São José do Rio Preto (SP) - Avenida Alberto Andaló
18 de junho de 2013

Arruaças de baderneiros, violação das regras democráticas, etc. - é assim que as autoridades começaram classificando as seguidas manifestações contra o aumento das passagens de ônibus. Mas terminaram se dando conta de que o movimento é político, embora ainda o pensem como se fosse luta pela tomada do poder.

Tudo parece indicar que também nós podemos ter uma primavera árabe. Utilizando redes sociais, os jovens concentram suas insatisfações num objeto de protesto, saem às ruas e passam a se confrontar com as autoridades locais. E o movimento se repete e se espalha. Entre nós espanta a rapidez com que se tem multiplicado pelo País afora.

Desde o início era nítido que a insatisfação não se limitava ao aumento do preço das passagens. Os jovens entrevistados na TV terminavam afirmando que, dada a péssima qualidade dos transportes públicos, estes não mereciam aumento nenhum. Daí a impropriedade daqueles que têm se oposto ao movimento recorrendo a argumentos técnicos: o custo do serviço, aumento menor do que a inflação, etc. Os jovens simplesmente estão dizendo que recebem um serviço inadequado e que não encontram canais políticos para exprimir suas insatisfações. Trata-se de uma crise de representação. Se eles estão subordinados ao ritual das eleições periódicas, estas pouco dizem a respeito de sua vida cotidiana. Os manifestantes são vozes sem voto efetivo.

Caem no molhado as autoridades quando proclamam que, estando nós numa democracia, o protesto deveria ser ordeiro e conforme os canais competentes. Esses canais estão viciados. Daí a necessidade de transformar um incidente num evento político. E a manifestação assume esse caráter porque, mesmo deixando de formular palavras de ordem adequadas, as pessoas passam a manifestar suas contrariedades assumindo o risco de apanharem, de serem presas, de se machucarem e até mesmo de morrerem. Igualmente o risco de que baderneiros a elas se juntem, consequência, aliás, da fraca organização política do processo.

O movimento atual é contra a ditadura do discurso feito, destas siglas mortas - PAC, Minha Casa Minha Vida, etc. - executadas sempre aos pedaços. Está morto o projeto lulopetista - essa minha afirmação não nega sua enorme importância histórica. Mas ele se esgotou na repetição esclerosada, na incapacidade de se ajustar às novas situações que ele mesmo, às vezes, propiciou. Diante de uma dificuldade, apenas oferece um novo pedaço do bolo. E no jogo político, soçobrou num acordão em que PT e PMDB trocam favores e flechadas sem que os problemas reais do País sejam enfrentados. A oposição, por sua vez, não tem projeto, a não ser ocupar um lugar privilegiado nessa troca corrompida. A política atualmente praticada se afoga na farsa da repetição.

Nessas situações politicamente mortas, não é raro que o vigor da política efetiva retorne de supetão. Um Jânio Quadros, um Collor de Mello são os exemplos mais recentes. Eles rompem o sistema esclerosado, mas terminam sendo expulsos dele. Este, depois do choque, termina encontrando as vias da renovação conservadora. Note-se que em São Paulo, na última eleição, Celso Russomanno iniciou esse tipo de disparada, mas tropeçou por causa de um erro de cálculo, precisamente no preço dos transportes coletivos. Não é esse o setor em que a insuficiência de planejamento das políticas públicas se faz mais evidente na vida cotidiana?

Os jovens foram para as ruas vociferando contra o beco no qual foram empurrados. Nos últimos tempos este governo quis transformar nossa sociedade num enorme e variado supermercado. Essa modernização transformou as grandes cidades num inferno e o aparelho de Estado no lugar de troca de favores. Os jovens já têm demonstrado suas opções por outras formas de vida, o que demanda novas formas de politização. Pouco lhes interessa o ritual das eleições em que se diz o que todo o mundo já está cansado de dizer.

Cada vez mais se toma consciência entre nós de que o Estado suga parte importante do produto nacional bruto, sem que devolva os serviços prometidos e necessários a um bem-estar razoável. E os jovens se defrontam de imediato com a farsa em que se transformou a educação nacional, obviamente com raras e nobilíssimas exceções. Diante do problema mais urgente, pleiteiam mais verbas sem se dar conta da podridão do sistema. Mais do que verbas, é urgente uma completa revisão das instituições educativas vigentes. A começar pela reeducação dos educadores, que, na maioria das vezes, ignoram o que estão a ensinar. Até há pouco tempo eu me mortificava com este viés do educador se transformar num sacerdote do saber revolucionário, vendo-se sobretudo como um militante de ideias vindouras. Mais do que emancipar, porém, o educador de hoje, quando vem a ser intelectual, precisa deixar florescer. Será ele capaz disso? Mas me parece é que estamos entrando na fase do intelectual minguante.

É sabido que movimentos sociais não se transformam diretamente em movimentos políticos. Aqui, em São Paulo, o estopim da revolta pode ser removido se os novos custos do transporte coletivo forem cobertos pelas empresas que muito têm lucrado com a falta de um planejamento global. Mas isso apenas adormecerá o movimento. Até agora não surgiu nenhum demagogo capaz de fazer a ponte entre ele e a política. Por sua vez, seria um milagre se o governo federal se renovasse por inteiro, fazendo ampla reforma ministerial e administrativa, abandonando os paliativos e iniciando um programa radical de combate à inflação. Mas que não invente de fazer agora uma reforma política, porquanto os quadros que estão no poder só podem restringir os direitos democráticos. Caberia esperar, então, que alguns congressistas sejam capazes de construir uma frente superpartidária com uma agenda precisa atacando os pontos nevrálgicos da crise? Às vezes, vale esperar um milagre.

* JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI É PROFESSOR EMÉRITO DE FILOSOFIA DA USP. 

Fonte: O Estado de S. Paulo - Espaço aberto - Quarta-feira, 19 de junho de 2013 - Pg. A2 - Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,vozes-sem-voto,1044143,0.htm

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