«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O que é decoro?

Indecoro

Roberto Romano
Professor de Filosofia e Ética

Se as mãos de muitos políticos estão sujas, ao menos limpem a língua.
Com muito sabão!

Quando a realidade política e social se degrada e atinge o insuportável, o discurso apodrece, evidencia sinais de morte. As formas administrativas do Brasil agonizam. Contra o que dizem muitos colegas da universidade, seguidos por inúmeros jornalistas, discordo da tese segundo a qual as nossas instituições “funcionam normalmente”. A menos, claro, que o critério da normalidade seja o hábito de formar quadrilhas para o roubo das riquezas físicas ou espirituais de um povo.

Mesmo em situações de crise a instituição e os indivíduos que a manejam devem manter o decoro. Esse é um cálculo difícil. Um gramático inglês do século 16 exemplifica: se a duquesa vai à corte, ela não pode usar roupas mais brilhantes do que a rainha. Mas se a mesma pessoa usa vestimentas inferiores às de suas iguais, é indecorosa. No cálculo do aceitável em sociedade, consideram-se o corpo próprio e os demais. E cada um merece tratamento relativo à sua dignidade.

O decoro surgiu na Grécia e recebeu um nome: Aidós. Trata-se da vergonha imposta a quem não se comporta em público. Penas severas eram aplicadas aos que, por educação falha ou vício de caráter, desrespeitavam os cidadãos de Atenas. Sem a vergonha os valores democráticos empalidecem porque o corpo e a língua indecorosos mostram que a lei foi corroída pela selvageria.
PÁRTENON - ATENAS (GRÉCIA)
Este templo dedicado à Atenas foi construído entre 480 e 323 a.C.

Na Idade Média o decoro foi retomado pelos monges. A roupa e os gestos não poderiam depor contra um religioso que, supostamente, tinha optado pela pobreza. Frades vestidos como barões eram a prova de que os votos sagrados haviam sido desobedecidos. Daí o uniforme das ordens, sem enfeites de prata, ouro, pedras preciosas. A “dama pobreza”, segundo Francisco de Assis, exige que seus pretendentes vivam como ela, vestida apenas pela graça divina. A língua deveria seguir a mesma regra.

Da Renascença em diante, o decoro passou a nortear as palavras, as roupas, os gestos dos reis, dos nobres, dos burgueses. Ele é um exercício de respeito aos outros e meio de garantir o respeito a si mesmo. Quem não tem prerrogativas, mas quer exercê-las, é indecoroso. Um hóspede que toma o papel da dona da casa, indicando aos demais o lugar onde devem tomar assento, é indecoroso. E se a anfitriã deixa o indiscreto fazer o gesto inconveniente, ela é indecorosa. Sua prerrogativa não deve ser negada sequer pelo marido, pelos filhos, pais, etc. Se um bispo comum, numa visita papal, ousa dar a bênção Urbi et Orbi... ele não apenas enlouqueceu, mas seu ato é indecoroso.

Uma regra que ajuda a decidir as inclinações à moda chinesa, quando pessoas estão diante da porta: não é a mais jovem, mais bonita, mais velha a ceder a passagem. Dá o lugar quem o possui. Se o mais jovem é presidente da República, ele cede a passagem, primeiro aos velhos, depois às mulheres, depois aos demais. Não é falta de respeito um inferior na escala governamental passar primeiro.  É indecoro do que detém o mais alto cargo não ceder a passagem, mostra que ele ignora a etiqueta e as verdadeiras prerrogativas do seu posto.

Assim, na escrita, diz o citado gramático inglês do século 16: se um autor não usa imagens no texto, é indecoroso por desprezar a fantasia e o gosto do leitor. Se as usa aos borbotões, é indecoroso, pois despreza inteligências e culturas. O poeta decoroso jamais dirá algo como “a face rosada e fina do general”. É indecente um general ter faces que só cabem às crianças e às raparigas em flor.

Se uma autoridade quer ser respeitada, deve respeitar o povo (que fica chocado com palavrões e outras marcas de indecoro). Certas falas devem ser evitadas. Não por causa do hipócrita “politicamente correto”. Trata-se de algo sério. Os reitores são “magníficos”, mesmo se não ostentam magnificência. A comunidade acadêmica é a proprietária do título, usado em seu nome. Deputados, senadores, edis são “excelentíssimos” não porque sejam dotados de excelência. O título pertence ao soberano, o que possui a maiestas, termo latino para designar o ente mais elevado no coletivo. Na monarquia, a maiestas é apanágio do rei, que usa o título em nome do povo. Na democracia é o próprio povo que a empresta, a cada eleição, aos representantes. É assim que o decorum exige tratar o povo com respeito. Não por “boa educação”, mas por subordinação da “autoridade” diante de quem a “autoriza”. E a regra funciona para todos os Poderes, incluindo o Judiciário e o militar. Sem tal respeito, temos larápios da soberania, não representantes. 
CONGRESSO NACIONAL - BRASÍLIA (DF)
Sede da Câmara dos Deputados e do Senado Federal

A expressão “soberania popular” e o termo “majestade” incomodam ouvidos indecentes. Mas eles permitem reconhecer a força das normas democráticas. Somos herdeiros do mundo grego e latino em práticas e valores. O Direito e a política não fogem à regra. No Estado moderno as ideias de soberania e majestade, contra o exercício ditatorial ou aristocrático do mando, aplicam-se à totalidade dos cidadãos (Thomas, Y., L’Institution de la Majesté, em Revue de Synthèse, julho/dezembro de 1991).

Faltar com o decoro diante da maiestas é destruir a fé pública. Um político não tem o direito de ser leviano. Seu ofício exige ponderação, a gravitas. Para os romanos, a gravitas comanda uma atitude “que não se curva em proveito do sucesso político passageiro" (Yavetz, Z., La Plèbe et le Prince).

O representante não pode tratar os cidadãos como crianças. Ele deve ser o portador de uma gravitas dicendi. “Suruba”, “canalha” e quejandos são termos levianos. A boca suja pode ser aceita entre malandros, na sua vida íntima. Mas na língua de quem decide sobre os bens públicos, com repercussões vitais sobre o País, semelhantes vocábulos indicam apenas... levitas indigna de qualquer democracia.

Se as mãos de muitos políticos brasileiros estão sujas, que eles pelo menos limpem a língua. De preferência com muito sabão.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto – Terça-feira, 21 de fevereiro de 2017 –Pág. A2 – Internet: clique aqui.

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