A questão palestina é pior do que se imagina!
Não havia processo de paz para ser destruído
Roger Cohen
The New York Times
A causa palestina está cada vez mais debilitada e o
mundo árabe agora
tem outras prioridades para se preocupar
Cidade Velha de Jerusalém e o complexo da Mesquita de Al-Aqsa Foto: AFP / AHMAD GHARABLI |
Meus
colegas Anne Barnard, Ben Hubbard e Declan Walsh captaram muito bem a reação
palestina e árabe ao reconhecimento
oficial de Donald Trump de Jerusalém como capital de Israel. “Uma explosão de violência ainda virá, mas,
até agora, só percebemos uma explosão de lamentos.”
Jerusalém,
cidade de paixões, sempre foi um barril de pólvora. A Segunda Intifada começou em 2000, quando Ariel Sharon, numa atitude
provocadora, visitou o Monte do Templo, chamado pelos muçulmanos de Nobre
Santuário. Mas isso foi há 17 anos, quando o choque entre israelenses e
palestinos estava no cerne do conflito que tomava conta do Oriente Médio e o
apoio árabe à causa palestina era mais do que apenas retórica.
Ismail Haniyeh, líder do Hamas, convoca
agora uma terceira intifada. Mas se
defronta com o cansaço, o cinismo e uma mudança de prioridades no mundo árabe. O anúncio feito por Trump não destruiu o
“processo de paz”. Não há nenhum processo de paz a ser destruído.
Agora,
o inimigo xiita é mais ameaçador do que
a causa palestina para muitos Estados árabes sunitas. Todos sabem quanta
legitimidade democrática Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina,
tem: nenhuma. A causa palestina,
corroída pela desunião e por uma cultura de vitimização, está cada vez mais
debilitada. A indignação internacional não muda isso.
O
anúncio tem o mérito, como o presidente observou, de reconhecer uma realidade,
e essa realidade reflete talvez os sentimentos mais profundos dos judeus. Uma
real frustração exigiria que se tivesse a crença de que o status inconclusivo
de Jerusalém poderia ser usado como moeda de troca para uma solução final em um
processo de paz e faria uma diferença determinante nesse processo.
Mas, como observei acima, não existe nenhum
processo de paz. Se esse “processo”
existiu, foi apenas usado como uma camuflagem ideal para o aumento constante do
número de colonos israelenses (hoje, são mais de 600 mil), favorecidos pelo
governo de direita do premiê Binyamin Netanyahu.
Alguns
dirão que Trump arruinou qualquer noção que ainda poderia existir de que os
Estados Unidos sejam um mediador honesto
entre Israel e os palestinos. Não conheço ninguém que acredite nisso: os Estados Unidos apoiam e favorecem Israel
frente aos palestinos por várias razões de política interna, estratégicas e
sentimentais.
Bem,
Trump provocou a ira inabalável dos palestinos e destruiu qualquer chance de
paz. Mas não há nada inabalável com
relação à política palestina, além de muita retórica e ineficácia em termos de
ação, refletindo sua impotência. Abbas acabará cedendo se, em algum
momento, uma oferta lhe for feita.
Palestinos protestam contra reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel |
Trump
arruinou a credibilidade internacional e a capacidade de liderança dos Estados
Unidos. Lamento, ele já fez isso muitas vezes. O poder internacional americano se esgotou. O presidente rompeu com
todas as grandes potências. Na verdade, juntou-se ao presidente Vladimir Putin [da
Rússia].
No
início do ano, o governo russo declarou:
“Consideramos Jerusalém Ocidental a capital de Israel”. No entanto, a
declaração de Moscou foi mais equilibrada: “Reafirmamos nosso compromisso com
os princípios aprovados pela ONU de um acordo entre israelenses e palestinos
que deve incluir o estatuto de Jerusalém Oriental como capital do futuro Estado
Palestino”.
Claro que Israel reivindica
Jerusalém inteira como sua capital (incluindo a parte oriental, onde vivem mais
de 200 mil colonos). Os palestinos não aceitarão um plano de paz em que uma parte de
Jerusalém não integre sua capital. Trump declarou que o seu anúncio não
pressupôs “os limites específicos da soberania israelense em Jerusalém”, mas seu aspecto mais nocivo foi dar um apoio
robusto implícito ao direito de Israel, sem fazer menção a nenhum direito da
Palestina.
Além
disso, ele colocou a vida dos americanos
em perigo e aviltou o povo palestino, cuja vida sob uma ocupação que dura 50
anos é um exercício diário de humilhação. Trump também desconsiderou as
resoluções do Conselho de Segurança da ONU, desautorizando a lei internacional.
O gesto de Trump foi absurdo e
imprudente. Mas o que há de novo nisso?
O
genro do presidente, Jared Kushner,
deve agora formular seu plano de paz. Pobre, débil e lânguido Jared! Ele
tentará conseguir que seus amigos sauditas façam agrados aos palestinos e a
Israel. Mas não mais do que isso. E não vai funcionar. O projeto do Grande Israel já foi longe demais para se chegar a um
“acordo final”.
Desde
o assassinato de Yitzhak Rabin, há 22 anos, num momento que a paz era possível,
os ideólogos religiosos
etnonacionalistas que acreditam que toda a terra entre o Rio Jordão e o Mar
Mediterrâneo pertence a Israel, segundo a Bíblia (e não importa quem viva
ali hoje), estão com a faca na mão, com a cumplicidade de Netanyahu. Um
assassinato bem-sucedido.
São esses os fatos. O comunicado de Trump não
vai mudá-los. O anúncio foi dirigido
amplamente a um público doméstico de evangélicos e grupos de judeus americanos.
Trump afirmou que esse foi “um passo há
muito tempo esperado para o processo de paz avançar”. Um absurdo. Lamente.
Traduzido do inglês por Terezinha Martino.
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