GRAVÍSSIMO: o cyberbullying
1 em cada 4 crianças já sofreu ofensas na internet;
cyberbullying desafia pais
Júlia Marques
Porcentual de vítimas cresce ano a
ano:
passou de 15% em 2014 para 23% no
ano passado.
Falta de intimidade de adultos com
tecnologia – enquanto crianças
são nativas digitais – é uma das
explicações para a dificuldade
dos pais de identificar riscos
Agressões levaram a família a mudar a jovem de escola; hoje, menina faz acompanhamento psicológico. Foto: Luciano Belford / Estadão |
Quando
entrou em um colégio novo, na zona oeste do Rio, os problemas começaram para
Laura, de 13 anos. “Ela é popular. Faz amizade fácil e é bonita. Aquilo
provocou a ira de um grupo de colegas”, lembra Rita, de 46 anos, mãe da jovem.
Para conter as brigas na escola particular, a menina foi trocada de turno, mas
a família jamais imaginaria que, mesmo
distante dos antigos colegas, as agressões continuariam em outro espaço: o
virtual.
“Achei
que haveria um basta. Mas foi pior. Pegaram
a foto dela e botaram nas redes sociais. Fizeram o horror”, conta a mãe. “Se ela abria o live (vídeo ao vivo na internet), sempre
entrava um e xingava.” Laura foi ofendida
com palavras como “rata” e “demônio” nas redes sociais.
A situação ficou insustentável até que a mãe trocou
a menina de escola no meio do ano. “A foto da minha filha deve andar na
internet. Agora, ela está com trauma, no psicólogo. Amava publicar nas redes e
não posta mais.” Os nomes de vítimas e familiares foram trocados na reportagem
para preservá-los.
Casos como o de Laura não são isolados. Pesquisa do
Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI.br), de outubro, mediu o comportamento online de jovens. Os dados revelam
que, de cada quatro crianças e
adolescentes, um foi tratado de forma ofensiva na internet, o que corresponde a
5,6 milhões de meninos e meninas entre 9 e 17 anos. O porcentual cresce ano
a ano: passou de 15% em 2014 para 20% em 2015 até chegar a 23% no ano passado.
“Nesse dado (sobre ofensas online), a criança ou
adolescente foi exposto a um risco, mas não necessariamente teve alguma
sequela”, pondera Maria Eugenia Sozio,
coordenadora da pesquisa TIC Kids Online
Brasil.
A taxa, portanto, nem sempre corresponde a cyberbullying –
quando a agressão virtual é repetida
–, mas faz soar o alerta para perigos que crianças e adolescentes correm na web
e a importância da atenção dos pais.
Efeitos
Segundo especialistas, as ofensas na internet podem ter impacto ainda maior na vida das
crianças. “Uma postagem atinge número incontável de pessoas e isso aumenta
o sofrimento da vítima. Ela não sabe quem viu ou não”, afirma a psicóloga e
pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Luciana Lapa.
Em
casos de agressão na escola, o jovem encontra refúgio em casa. “No
cyberbullying, não. Onde quer que ele vá, a agressão vai junto”,
diz Luciana. Outro problema é a gravidade das ofensas, encorajadas pela
distância física da vítima. Também é
comum que as agressões partam de pessoas da mesma faixa etária e que fazem
parte do convívio.
Para a pedagoga e psicopedagoga clínica e
institucional Denise Aragão, as ofensas
podem afetar até o desempenho na escola. “As crianças ficam preocupadas em se defender e perdem o desejo de aprender.”
O uso
crescente dos smartphones pelos jovens, com acesso cada vez mais
particular, desafia a mediação dos pais.
A gerente de operações Ana, de 53 anos, conhecia os
riscos da internet, mas se assustou quando passou por uma situação
constrangedora na família. Quando a filha tinha 14 anos (hoje ela tem 18), uma
foto íntima da garota vazou entre alunos de uma escola particular na zona sul
paulistana após uma brincadeira entre amigas. Os celulares facilitaram a
propagação.
“Ela ficou envergonhada. Foi uma semana de
constrangimentos”, conta. “Em casa, fizemos questão de explicar o quão sério
aquilo era. Mostramos que isso pode
ficar no currículo dela para o resto da vida.”
Mediação
A mãe de Helena, de 10 anos, só percebeu o problema
depois que notou que a filha estava
cabisbaixa e chorava pelos cantos. “Fizeram um grupo no WhatsApp (entre os
colegas da escola) para xingá-la por causa da cor. Chamavam de macaca e ‘nega’
do cabelo duro”, conta a assistente administrativa Adriana, de 39 anos.
Ela procurou os pais dos agressores. “Fazia uma
semana que um deles tinha dado um celular para uma das meninas. Foi aí que ele
descobriu. Acho que os pais deveriam
prestar mais atenção ao que o filho faz na internet”, desabafa.
Apesar de 23% das crianças e adolescentes terem
relatado à pesquisa que foram vítimas de ofensas na internet, só 11% dos pais
disseram que os filhos passaram por incômodos.
A
falta de intimidade de adultos com a tecnologia – enquanto as crianças são
nativas digitais – ajuda a explicar a dificuldade das famílias em identificar
riscos. “O gap existe, mas é preciso revertê-lo. Uma
sugestão é estar disponível, querer saber o que a criança faz na internet”, diz
Heloisa Ribeiro, da Childhood Brasil, entidade de proteção a
crianças e adolescentes.
1. Início.
Identifique se seu filho está pronto para acessar a internet. A web oferece
possibilidades e riscos. “É a maior rua do mundo. Se a criança não tem
maturidade para andar sozinha na rua, também não tem para ficar sozinha na
internet”, diz Rodrigo Nejm,
psicólogo e diretor de educação da SaferNet.
2. Diálogo.
Negocie com as crianças as regras de acesso, tempo e tipo de uso desde o
primeiro clique.
3.
Limite. Respeite a idade mínima de acesso definida
pelas redes sociais. Para Facebook e Instagram, por exemplo, é de 13 anos. “É
importante não permitir criar perfis pondo data de aniversário errada. É
quebrar a 1.ª regra”, diz Heloisa Ribeiro,
da Childhood Brasil.
4.
Presença. Participe da vida digital do seu filho. No
caso de crianças, acesse a internet ao lado delas e peça para mostrarem o que
fazem. É sempre importante orientar sobre comportamentos inadequados. Envolva a
escola e outros pais na discussão.
5.
Restrição. Para crianças mais novas, colocar filtros
para conteúdos impróprios pode ser útil. “Os programas de filtro ajudam, mas
não substituem o acompanhamento dos pais”, pondera Rodrigo Nejm, da Safernet.
6. Reação.
Nos casos de agressões online, aja e ampare seus filhos. “Bloqueie o agressor
também e procure ajuda. Salve evidências, denuncie, faça um print”, enumera Sara Bottino, psiquiatra e pesquisadora
da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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