A política tem jeito?
Dom Odilo
Pedro Scherer
Cardeal-Arcebispo
de São Paulo – SP
Temos de crer que sim.
Mas é uma construção paciente,
lúcida e perseverante de todos
Dizer que a política está em crise já virou
lugar-comum. A política anda em baixa, gozando de pouca credibilidade pública,
e não é para menos. Motivos para isso são os fatos de má política e os intermináveis escândalos de corrupção envolvendo
personagens públicos.
Somam-se a isso a escassez de propostas de interesse coletivo em partidos que por vezes
não passam de legendas para abocanhar verbas do Fundo Partidário, a
carência de debates políticos de qualidade, o corporativismo e o poder posto a
serviço de setores, muitas vezes, minoritários da sociedade ou de grupos
econômicos e financeiros, em vez da promoção do interesse mais geral da
sociedade.
Para o cidadão também é motivo de
perplexidade e desconfiança a política demasiadamente polarizada, que se
expressa em ataques pessoais sistemáticos a adversários, não importando o teor
das propostas em questão. Não admira que
a cidadania fique distante das discussões políticas e os jovens, sobretudo, não
se interessem por elas.
A política, no entanto, é essencial à convivência social e à consecução
do bem comum.
Naturalmente, a boa política. E essa não cai do céu, nem é um produto de
consumo que se possa adquirir na bolsa, no atacado ou no varejo. É fruto de um esforço paciente, lúcido e
perseverante do conjunto da sociedade.
Haveria outra saída? Sem acreditar na possibilidade de uma política de boa qualidade, os caminhos
a percorrer poderiam ser três:
* a anarquia,
* o exercício autoritário do
poder ou
* a aspiração enganosa por
salvadores da pátria, a quem confiar a tarefa que, supostamente, a sociedade
não seria capaz de assumir com suficiente autonomia e maturidade.
Nenhum desses caminhos é desejável. A democracia, com seus defeitos e
fragilidades, continua sendo o melhor regime para o exercício da política.
É preciso apostar na reabilitação da boa política, que não se restringe à busca
do poder voltado para interesses corporativistas ou ambições apenas pessoais. Entrar num ano eleitoral sem acreditar na
prática democrática poderia ser muito ruim, até mesmo desastroso, para o Brasil.
PAPA FRANCISCO - Indicações para a boa política |
Em que consiste a boa política?
Sem a pretensão de dizer novidades, nem de
ser exaustivo, mas como parte da sociedade civil que olha com perplexidade e
preocupação o quadro político atual do Brasil e sente a necessidade de uma
profunda renovação e melhora da vida política, ouso apresentar uma contribuição
para a reflexão.
O papa
Francisco, em recente mensagem dirigida a um grupo de políticos (Bogotá,
1.º/12), deu algumas indicações
fundamentais para o exercício da boa política.
1º) Antes de tudo, a PESSOA HUMANA, com sua inalienável dignidade e seus direitos
fundamentais, deve estar sempre no centro da ação política. A pessoa humana
ou partes da sociedade nunca devem ser sacrificadas em função de frias metas
econômicas, ou de outros eventuais interesses. Esse princípio já seria
suficiente para uma boa avaliação dos programas de partidos e governos.
Considerando que todas as pessoas são iguais
em dignidade, deve ser respeitada e promovida uma justa hierarquia de direitos
e deveres, de maneira que os direitos
universais tenham prioridade sobre os secundários, ou sobre supostos
direitos, que poderiam ser apenas desejos e aspirações. As pessoas não sejam tratadas, na prática, como desiguais.
A desigualdade
social e econômica abissal que temos no Brasil está a significar que alguns
têm mais direitos que outros e talvez devam ser considerados superiores em
dignidade aos demais cidadãos. A
afirmação de privilégios é uma prepotência e revela uma injustiça aberrante,
que a boa política não deveria consolidar, mas corrigir.
2º) Uma segunda recomendação do papa Francisco: que a política seja exercida como um SERVIÇO
À SOCIEDADE. Não raro, a boa política pode demandar, de quem a pratica,
sacrifícios nada indiferentes e até heroicos. Francisco retoma uma afirmação de
seu predecessor Pio XII (1958), que se referia à política como “elevada forma de caridade”. A ação política é um
serviço inestimável para a consecução do bem comum, que diz respeito ao
conjunto de condições da vida social, mediante as quais as pessoas, famílias e
associações podem alcançar mais facilmente a sua realização plena.
A finalidade principal da política não é a
afirmação de ambições ou vaidades individuais, a derrota dos adversários e a
prepotência de facções, umas sobre as outras. Nem é a afirmação de meros
interesses de grupos, sem levar em conta o bem da sociedade como um todo. Muito
menos ainda poderia tornar-se uma forma opressiva de controle e de ingerência
onipresente na vida privada dos cidadãos.
A boa política
precisa estar comprometida com o serviço à vida humana e com o ambiente da
vida, nossa “casa comum”, com a promoção de condições dignas de vida para todas
as pessoas,
em vez do sacrifício e do descarte de cidadãos mais vulneráveis em função de
metas econômicas e estratégicas, ou para assegurar privilégios a outros
cidadãos. A proteção e promoção da
família é investimento seguro em maior solidariedade e seguridade social.
A boa política
requer gestão séria dos recursos públicos e exclui desonestidades e toda forma
de corrupção, que é um atentado à justiça e ao bem comum, cujas vítimas são,
sobretudo, os membros mais indefesos e fragilizados da sociedade. A boa política é exercida próxima do povo,
sintonizada e solidária com suas angústias e seus sofrimentos. A ostentação
e a defesa corporativista de interesses da própria classe política, em desprezo
pelas carências de larga parte da população, são um escândalo.
Tem jeito a
política brasileira? As escolhas estão nas mãos da cidadania. Não podemos deixar de crer
que a boa política é possível. Mas é uma construção paciente, lúcida e
perseverante de todos. Ela não cai do céu, nem é um produto pronto para ser
consumido.
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