Festa do Batismo do Senhor – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 3,15-16.21-22
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Batismo: gesto de fidelidade ao plano de Deus
João Batista, no deserto, havia anunciado o batismo como sinal de conversão, ou seja, uma mudança de vida, para o perdão dos pecados. A resposta é inesperada: todas as pessoas se juntam a ele. O povo entendeu que o perdão dos pecados não pode acontecer no Templo, com um ato litúrgico, com um sacrifício ao Senhor, mas com uma mudança de vida.
Mas se o povo acreditou e correu para João Batista, as autoridades religiosas, os líderes não o fizeram, sempre resistindo a qualquer convite para mudar.
Lucas 3,15-16b:** «Naquele tempo, o
povo estava na expectativa e todos se perguntavam no seu íntimo se João não
seria o Messias. Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas
virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a
correia de suas sandálias.»
O povo acredita ter identificado esse profeta no deserto como
o esperado libertador de Israel. Mas João, imediatamente, esclarece que não.
João respondeu a todos dizendo que mergulhava as pessoas em um líquido que é
externo ao ser humano, que é um sinal de mudança de vida para obter o perdão
dos pecados. O evangelista usa uma expressão que deve ser inserida no contexto
cultural da época para compreendê-la: «Eu não sou digno de desamarrar a
correia de suas sandálias».
O que João Batista quis dizer com essa expressão? Havia uma
lei na instituição matrimonial da época, que se chamava “do levirato”. Sobre o
que era essa lei? Quando uma mulher ficava viúva sem filhos, seu cunhado era
obrigado a engravidá-la. A criança nascida dessa relação carregaria o nome do
marido falecido (cf. Dt 25,5-7). Era a forma de perpetuar o nome da pessoa.
Quando o cunhado se recusava a engravidar essa mulher (sua
cunhada), provavelmente por motivos de interesse, porque a mulher sem filhos,
sem descendência, era mandada de volta para o seu clã familiar. Aquele que, na
escala social, jurídica, tinha direito depois dele, procedia à cerimônia de
descalçamento (cf. Dt 25,8-10), retirava as sandálias dessa pessoa (do cunhado
que não quis ter relações com a cunhada viúva), pegava-as e cuspia nelas. Era
um gesto simbólico que significava o mesmo que dizer: “seu direito de
engravidar essa viúva, agora, me pertence”.
Aqui está, então, o significado dessa expressão de João Batista, que encontramos no Antigo Testamento, nas histórias de Rute e em vários livros. Dizendo-se não ser digno de desamarrar as sandálias daquele que vem e é mais forte que ele, João Batista afirma: “não sou eu que devo fecundar esta viúva!” É bom lembrar que o povo de Israel era considerado uma viúva. Essa será uma tarefa “daquele que virá”.
Lucas 3,16c: «Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo.”»
Enquanto João imergiu as pessoas na água, símbolo de uma
mudança de vida, ele (o messias) irá embeber, imergir, e impregnar os seres
humanos da própria vida divina.
Então, aqui, a liturgia corta alguns versículos que indicam a eliminação de João Batista. É a resposta do poder para a conversão. Os poderosos nunca querem mudar! Mas também é a estupidez do poder, porque a perseguição sempre faz a vida florescer, não a extingue. Sempre que os poderosos desejam apagar uma voz, surge uma ainda mais poderosa e mais forte.
Lucas 3,21a: «Quando todo o povo estava sendo batizado, Jesus também
recebeu o batismo.»
Retomamos nossa leitura no versículo 21. Então o povo
entendeu que, entre Jerusalém e o templo onde, por meio de um sacrifício ao
Senhor, o perdão dos pecados era obtido, e o deserto, por um rito de imersão, era
neste último (o deserto) que se encontra a verdade.
Eis que aparece Jesus, que também vai ser batizado. Mas por que Jesus é batizado? O batismo era um símbolo de morte para o povo. Morrer para o passado, aquilo que era um estado, para começar uma vida nova. Também para Jesus, o batismo é um sinal de morte, não para um passado de pecado que ele não tem, mas a aceitação da morte no futuro. Jesus dirá mais tarde, neste mesmo evangelho, que há um batismo no qual ele deve ser batizado e ele está em angústia até este momento chegar. Trata-se de sua morte. Portanto, para Jesus, ser batizado significa: por fidelidade ao amor de Deus, aceitar a perseguição e até a morte.
Lucas 3,21b: «E, enquanto rezava, o céu se abriu...»
O que esse céu que se abre significa? É a comunicação permanente e definitiva do homem com Deus, o céu indica a realidade divina. Quando há um homem que se compromete a manifestar fielmente o amor de Deus, a comunicação entre Deus e o ser humano é contínua. Com Jesus essa comunicação será ininterrupta.
Lucas 3,22a: «... e o Espírito Santo desceu sobre
Jesus em forma visível, como pomba.»
O evangelista diz que “o Espírito Santo desceu sobre Jesus”.
O artigo definido indica a totalidade. O Espírito é a força, a energia do amor
de Deus, que desce sobre Jesus. Por que o evangelista indica em forma visível,
em forma corpórea? Para dizer que foi algo real, plenamente; como uma pomba. A imagem
da pomba recorda vários elementos, diz respeito à criação, quando o Espírito de
Deus pairava sobre as águas e na interpretação rabínica dizia-se que era como
uma pomba. Então, em Jesus está a nova criação. Acima de tudo, relembra a pomba
que saiu da arca de Noé, depois do dilúvio, em sinal de perdão.
Jesus é o perdão de Deus. Mas também lembra um provérbio palestino que diz: “como o amor de uma pomba ao seu ninho”. A pomba é um animal que continua afeiçoado, muito apegado ao seu ninho original. Pode-se trocar o ninho dela, fazer um novo, mas ela não quer saber. Assim, Jesus é o ninho do Espírito, é lá onde a plenitude do amor de Deus se manifesta.
Lucas 3,22b: «E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho amado, em ti
ponho o meu bem-querer”.»
Se a voz vem do céu, portanto, vem de Deus. E aqui o evangelista faz uma colagem de vários textos do Antigo Testamento, do profeta Isaías, de um salmo, do livro de Gênesis: “Tu és o meu Filho amado”. O filho amado indica o herdeiro, aquele que tudo herda de seu pai. Portanto, Deus confirma que em Jesus está toda a sua realidade, e o povo só tem que acolhê-lo.
*
Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“O
batismo é um renascimento. Tenho certeza de que todos nós lembramos da data de
nosso nascimento. Todos. Mas me pergunto, um pouco em dúvida, e pergunto a
vocês: cada um de vocês se lembra qual foi a data do seu batismo?”
(Papa Francisco
– Audiência da Quarta-Feira, 11/04/2018)
Para haver vida, não pode haver a morte! Isso parece algo óbvio, simples de se compreender. No entanto, essa consciência não está presente em todos nós quando nos referimos ao batismo. O batismo, como vimos acima, é a superação da MORTE, seja a morte do pecado (para nós batizados), seja a morte de cruz como consequência de uma vida coerente de entrega, acolhida e libertação dos mais fracos, humildes e pobres da sociedade (no caso de Jesus). Batismo, portanto, é a superação da morte e de tudo aquilo que a provoca!
A partir dessa constatação,
surgem algumas questões que nos devem intrigar:
* Por
que nós cremos em Deus, em Jesus, o Cristo?
* Algo
mudou ou muda em nossa vida por acreditarmos ou não em Deus, em seu Filho?
* A fé em Cristo serve para algo?
Cuidado!!! Muitos poderão responder, por exemplo, dizendo: “Creio porque recebi essa tradição de meus pais e a conservo viva dentro de mim”. Ou então: “Sim, minha vida mudou, pois sou cristão, eu tento levar uma vida cristã”. Ainda: “A fé em Cristo me leva a ter esperança, a crer na vida eterna, a procurar fazer o bem nesta vida terrena”. Não devem se enganar: nem sempre ter sido batizado, dizer-se cristão(ã) e frequentador de uma Igreja cristã indica, de fato, na realidade, que sejamos seguidores e discípulos verdadeiros de Cristo nesta Terra!
Podemos ter sido batizados
na água, mas não no Espírito Santo, como nos disse Jesus (cf. Mt 3,11; At 1,5)!
Somos batizados, de fato, e cristãos verdadeiros se orientamos e damos sentido
à nossa vida, sempre, a partir daquilo que Jesus Cristo nos ensinou! Somente se
fizermos uma experiência autêntica de encontro com Deus, podemos nos considerar
batizados, de verdade, e discípulos de Cristo, na realidade!
E como podemos ter certeza de que fizemos ou estamos fazendo esse encontro com nosso Pai e Criador?
Isso é possível quando:
* sabemo-nos
acolhidos por Deus no meio da solidão;
* sentimo-nos
confortados por Ele na dor e na depressão;
* nos
reconhecemos perdoados do pecado e da mediocridade;
*
sentimo-nos fortalecidos na impotência e caducidade;
* nos
vemos levados a amar e criar vida no meio da fragilidade;
* nos
sentimos impelidos a promover e defender a vida humana e da natureza;
* somos
motivados a ser justos e promovermos a Justiça;
* nos
sentimos identificados, sempre, com os mais pobres, com os mais fracos, com
os mais indefesos da sociedade;
* enfim, nos sentimos e vivemos responsáveis por tudo e todos neste mundo criado e amado por Deus!
Concluindo, faço minhas as
belas e profundas palavras do biblista espanhol José Antonio Pagola:
«Por que acreditar? Para nos atrevermos a ser
humanos até o fim; para não afogar o nosso desejo de vida até o infinito; para defender
a nossa liberdade sem entregar o nosso ser a nenhum ídolo; para permanecer abertos
a todo o amor, a verdade, a ternura que há em nós. Para não perder nunca a
esperança no ser humano nem na vida.»
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Senhor
Deus, estou aqui para vos pedir pela minha vocação. Vós me chamastes no Batismo
para ser missionário(a) com vosso Filho. Fazei ressoar em meu ouvido e em meu
coração vosso terno e suave convite para o serviço de vosso Reino. Despertai-me,
em cada dia, para vosso amor que me liberta e me traz paz e confiança. Fazei-me
colaborador(a) de vosso Reino pelas minhas palavras, gestos e atitudes. Eu sei
que é vosso amor que me liberta. Por isso, depois de ouvir vossa voz que me
chama, quero me dispor inteiramente para vosso santo serviço. Quero amar os
mais abandonados e rejeitados em nosso mundo. Quero abraçar vossa vontade em
minha vida. Quero, em primeiro lugar, cumprir vossa vontade. Para que eu
realize esse meu desejo, eu vos peço: Dai-me vosso Espírito Santo, que é vossa
luz divina e que me santifica. Maria Santíssima, Mãe do meu Redentor, ajudai-me
alcançar o que sinceramente desejo: Servir ao vosso Filho Jesus. Amém.»
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – II Domenica del Tempo Ordinario – 20 Gennaio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 13/01/2022).
Comentários
Postar um comentário