Solenidade da Epifania do Senhor – Anos A, B e C – Homilia
Evangelho: Mateus 2,1-12
Frei
Alberto Maggi
Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)
Deus ama a todos e não exclui ninguém
Na festa da Epifania, a Igreja apresenta-nos o texto de Mateus no qual é proclamado o amor universal de Deus por toda a humanidade. Esse amor universal não significa apenas a extensão, que está em toda parte, mas a qualidade desse amor, para todos. Então, vamos ver Mateus capítulo 2.
Mateus
2,1: «Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo
do rei Herodes, eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém,»
Aqui,
o evangelista chama a nossa atenção. Na verdade, com um verbo em função
adverbial (ἰδού - eis) expressa a surpresa do que está
acontecendo. “Eis”, quando o evangelista usa este advérbio é sempre uma
surpresa: “magos do Oriente chegaram a Jerusalém”. Este episódio foi tão
desconcertante e tão embaraçoso para a Igreja primitiva, que passos
foram dados, gradualmente ao longo do tempo, para transformá-lo quase em um
evento de conto de fadas, um evento folclórico, ao invés de um evento de
profunda riqueza teológica.
Por
quê? O termo mago (= mágico) indicava os enganadores, os corruptores, era uma
atividade condenada pela Bíblia e vista com severidade pela primeira comunidade
cristã. Para a Didaqué, o primeiro catecismo da Igreja, a atividade do mágico é
proibida e se situa entre a proibição do roubo e a proibição do aborto,
também no Novo Testamento o mágico é visto de forma negativa.
No
entanto, os primeiros que vêm adorar Jesus, para acolher Jesus, são mesmo
magos/mágicos e sobretudo pagãos, portanto, o povo considerado o mais distante
de Deus. Os pagãos não seriam ressuscitados, os pagãos não eram dignos da
salvação e, além disso, estão dedicados a uma atividade que a própria Bíblia
condena. Aqui está a surpresa!
Esse fato foi tão embaraçoso que mais tarde, na tradição, os magos (= maghi > mágicos, em italiano) se tornaram o termo inofensivo “magos” (magi > magos/sábios da Pérsia, em italiano), eles receberam dignidade real e os fizeram reis, com base nos presentes que traziam, estabeleceu-se o número deles, e também o nome. Os personagens do presépio estavam prontos em detrimento da riqueza teológica dessa passagem.
Mateus
2,2: «... perguntando:
“Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no
Oriente e viemos adorá-lo”. »
Os
magos vêm e dizem que viram sua estrela surgir. Qual é o significado da
estrela? Era uma crença comum que todo indivíduo, ao nascer, trazia consigo uma
estrela e que, depois, ela desaparecia com sua morte. Também nós usamos a
expressão popular “nascer sob uma estrela da sorte”, mas aqui o evangelista,
sobretudo, se refere à profecia de Balaão, no livro de Números, no capítulo 24,
versículo 17, onde se lê “um astro surge de Jacó”, uma estrela, “e um
cetro se levanta de Israel”.
Era a profecia com a qual se indicava, primeiro, o rei Davi e depois passou a indicar o messias, portanto o evangelista quer dizer que esta é a estrela que indica o sinal divino do nascimento do messias.
Mateus
2,3: «Ao
saber disso, o rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de
Jerusalém.»
Entendemos o alarme de Herodes, porque ele era um rei ilegítimo, desconfiado de qualquer um que pudesse tirar seu reino. Então, aqui, ele ficou sabendo que nasceu o rei dos judeus, ele que, inclusive, matou três de seus filhos! No entanto, o que é estranho é que com ele toda Jerusalém ficou perturbada, assustada. Tanto Herodes quanto Jerusalém temem o que estão prestes a perder: Herodes o trono, e Jerusalém o templo, a hegemonia e exclusividade sobre a figura de Deus. Trono e templo estão a serviço do poder.
Mateus 2,4-8: «Reunindo todos os sumos sacerdotes e os mestres da Lei, perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. Eles responderam: “Em Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo”. Então Herodes chamou em segredo os magos e procurou saber deles cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. Depois os enviou a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-lo”.»
Bem, em seguida, temos o episódio da solicitação de informação sobre o nascimento desse messias, onde Herodes expressa a sua intenção de chegar a descobrir o lugar onde ir adorá-lo. Atenção: essa é a mentira do poder! Porque, com efeito, veremos depois que ele decide matar a criança!
Mateus
2,9: «Depois
que ouviram o rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia
adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino.»
A
estrela, sinal divino, não brilha sobre Jerusalém, que desde o início deste
Evangelho é colocada sob uma luz sombria e negativa. Jerusalém é a cidade da
morte, aquela que mata os profetas e os enviados de Deus, e a estrela, sinal
divino, não brilha sobre Jerusalém. Assim, Jesus ressuscitado, neste evangelho
segundo Mateus, jamais aparecerá em Jerusalém.
A estrela os precede exatamente como o Senhor precedeu o povo de Israel no caminho do êxodo da libertação. O evangelista tem consciência de que não está dando uma indicação histórica, uma crônica. Não é possível que uma estrela pare sobre um lugar, então são indícios teológicos, são sinais divinos.
Mateus
2,10: «Ao
verem de novo a estrela, os magos sentiram uma alegria muito grande.»
Enquanto Jerusalém e Herodes tremeram de medo pelo que estavam prestes a perder, aqui, estão os pagãos e, além disso, dedicados a uma atividade reprovada pela Bíblia, sentindo grande alegria pelo que estão prestes a dar.
Mateus
2,11-12: «Quando
entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele,
e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro,
incenso e mirra. Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para
a sua terra, seguindo outro caminho.»
De
fato, eles entram, eles se prostram, eles adoram. Portanto reconhecem em Jesus
não só o rei, mas o filho de Deus, pois reconhecem nele a divindade, e onde o
evangelista quer chegar é a conclusão com os presentes trazidos por esses
magos, dons que indicam que o privilégio exclusivo que Israel possuía, agora é
patrimônio de toda a humanidade.
Esses
presentes são ouro, incenso e mirra.
a) O ouro era um símbolo da realeza. Pois bem,
até os pagãos farão parte não do reino de Israel, que não ressuscitará, mas do
reino de Deus, ou seja, aquele reino sem fronteiras, que é o amor universal de
Deus que não conhece fronteiras. Assim, até os pagãos passam a fazer parte do
reino com pleno direito.
b) O incenso era a oferta exclusiva dos
sacerdotes no templo. Pois bem, mesmo o privilégio de ser um povo de
sacerdotes, o Senhor havia dito a Israel “vós sereis para mim um reino de
sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19,6), onde o sacerdócio significa ter
uma relação direta com o Senhor, este privilégio também, que pertencia a
Israel, passa para toda a humanidade. Toda a humanidade se torna um povo
sacerdotal, isto é, um povo que pode entrar em relação imediata, sem
mediadores, com Deus.
c) E, finalmente, a mirra. A mirra é o perfume
da noiva para o noivo, encontramos isso no Cântico dos Cânticos (1,13; 5,1.5.13).
Um dos privilégios de Israel era considerar-se a esposa de Deus, o Senhor era o
esposo, Israel a esposa. Pois bem, mesmo esse privilégio, de ser considerada
esposa de Deus, não é mais exclusividade de Israel, mas passa para toda a
humanidade.
Este é o anúncio da Epifania: o amor universal de Deus por toda a humanidade! Ninguém pode sentir-se excluído deste amor.
* Traduzido e
editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Na
vida quem perde o telhado, em troca, recebe as estrelas.”
(Tom Zé – compositor, cantor e arranjador baiano)
Se o evangelista Lucas nos surpreendeu com o protagonismo dos pastores, na cena do nascimento de Jesus, o evangelista Mateus opera o mesmo prodígio, agora, na figura dos magos! Ambos, pastores e magos, gente abominada, desprezada, mal afamada, excluída, tornam-se as primeiras e principais testemunhas da chegada do Messias, do Salvador a esta terra! E isso, obviamente, não é casual!
O Evangelho não se cansa de nos mostrar: os pequenos, os humildes, os marginalizados têm mais facilidade de reconhecer o Cristo do que os poderosos, os famosos, os ricos e os grandes entendidos! O Messias entra pela porta dos fundos desse mundo, tanto é verdade, que Mateus faz questão de apagar a estrela, assim que os magos chegam e entram em Jerusalém, a cidade importante e das pessoas importantes! O Cristo não nasce nem se encontra em meio aos sumos sacerdotes e doutores da Lei (elite religiosa), muito menos, em meio aos anciãos, chefes das famílias ricas e proprietárias da capital (elite econômica), nem ao lado de Herodes, o rei sanguinário, obcecado pelo poder e paranoico (elite política).
Por isso, somente reconhece Deus presente neste mundo, aqueles e aquelas que são capazes de ver surgir a estrela, ou seja, os sinais divinos na história. E Deus tem a mania de surgir, de despontar, justamente, onde menos se espera! No caso de Jesus, Deus surge no mundo como uma criança, símbolo de fragilidade, falta de defesa, desvalorização! E por que Deus escolheu essa via?
O saudoso e eminente
biblista jesuíta Johan Konings nos dá uma perspicaz resposta:
«Salvação significa
ser libertado dos poderes tirânicos que nos escravizam, para realizar a
liberdade que nos permite amar. Pois para amar é preciso ser livre, agir de
graça, não por obrigação nem por cálculo. [...] O Messias que vem de Deus
apresenta-se como antipoder, como criança aparentemente sem valor. [...] Falta-nos
a capacidade de reconhecer no frágil, naquele que o mundo quer excluir, o
absoluto de nossa vida: Deus.»
(TABORDA, Francisco; KONINGS, Johan. Celebrar o Dia do Senhor: subsídios bíblicos – Ano B. São Paulo: Paulus, 2020, p. 55-56)
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Senhor, meu Pai, vi verdadeiramente a
tua estrela, abri os meus olhos para a tua presença de amor e salvação e recebi
a luz da vida. Contemplei a noite transformada em luz, a dor em dança, a
solidão em comunhão: sim, tudo isto aconteceu diante de ti, na tua Palavra. Tu
me conduziste pelo deserto, me trouxeste até tua casa e abriste a porta para eu
entrar. Ali te vi, teu Filho Jesus, Salvador da minha vida; ali rezei e adorei,
chorei e voltei a sorrir, calei-me e aprendi a falar. Em tua casa, Pai misericordioso,
reencontrei a vida! E agora estou voltando, retomei minha jornada, mas o
caminho não é mais o mesmo de antes; a tua Palavra deixou-me um coração novo,
capaz de se abrir, de amar, de escutar, de acolher dentro de si e de fazer-se
casa a tantos irmãos e irmãs que colocarás ao meu lado. Eu não percebi, Senhor,
mas tu me fizeste criança de novo, tu me fizeste nascer junto com Jesus.
Obrigado, Pai, meu Pai! Amém.»
(Fonte: CUCCA, M. A. Epifania del Signore: orazione finale. In: CILIA, Anthony
O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico A.
Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 112.)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – Epifania – 6 gennaio 2014 – Internet: clique aqui (Acesso em: 03/01/2025).
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