Festa da Apresentação do Senhor – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 2,22-40
Frei Alberto Maggi
Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)
Ser família de Jesus significa acolher e praticar a sua
palavra
Apesar da extraordinária experiência que os pais de Jesus tiveram, especialmente sua Mãe, eles ainda estão ancorados na tradição do povo que vê o relacionamento com Deus baseado no cumprimento e na obediência “conforme a lei de Moisés” [a expressão “lei de Moisés/Lei do Senhor” comparece cinco vezes nessa passagem de Lucas].
O evangelista, neste episódio,
quer antecipar e simbolizar as dificuldades que Jesus mesmo terá em oferecer ao
seu povo um relacionamento diferente com Deus, não mais baseado na obediência
às suas leis, mas na acolhida do seu Espírito e do seu Amor.
Eis portanto, o evangelista, no episódio conhecido como a “apresentação de Jesus no templo”, apresenta dois grupos contrários. Um, representado pelos pais de Jesus, que trazem o menino Jesus para realizar um ritual inútil, porque a intenção deles é de fazer “filho de Abraão” aquele que, na realidade, já é “Filho de Deus”. O segundo grupo, representado por Simeão ― o homem do Espírito ― e a profetiza Ana, que pretendem impedir esse ritual desnecessário!
Lucas
2,22-24: «Quando se completaram os dias para a purificação da mãe e do filho,
conforme a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de
apresentá-lo ao Senhor. Conforme está escrito na Lei do Senhor: “Todo
primogênito do sexo masculino deve ser consagrado ao Senhor”. Foram também
oferecer o sacrifício — um par de rolas ou dois pombinhos — como está
ordenado na Lei do Senhor.»
Os pais vão “para a purificação
da mãe e do filho” ― porque o nascimento de uma criança fazia a mãe impura e,
portanto, ela tinha que se purificar através de uma oferta, e aqui a oferta é
dos pobres, isto é, um par de pombas ― e, sobretudo, para pagar o resgate do
filho.
Na verdade, o Senhor queria para si mesmo “todo primogênito do sexo masculino”. Se os pais queriam que o filho fosse deles, deviam pagar ao Senhor Deus o equivalente a vinte dias de trabalho, ou seja, cinco shekels.
Lucas 2,25-33: «Em Jerusalém, havia um homem chamado Simeão, o qual era justo e piedoso, e esperava a consolação do povo de Israel. O Espírito Santo estava com ele e lhe havia anunciado que não morreria antes de ver o Messias que vem do Senhor. Movido pelo Espírito, Simeão veio ao Templo. Quando os pais trouxeram o menino Jesus para cumprir o que a Lei ordenava, Simeão tomou o menino nos braços e bendisse a Deus: “Agora, Senhor, conforme a tua promessa, podes deixar teu servo partir em paz; porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória do teu povo Israel”. O pai e a mãe de Jesus estavam admirados com o que diziam a respeito dele.»
O evangelista, enquanto Maria e José levam o menino para
o templo ao realizar esse rito, nos apresenta uma surpresa, o evangelista usa
uma expressão que indica maravilha. Simeão significa “o Senhor é ouvido”. É “o homem
do Espírito”, que tenta impedir esse ritual desnecessário! De fato, “Simeão
tomou o menino nos braços” e, enquanto os pais queriam cumprir tudo “o que
a lei ordenava”, profere uma profecia que deixa os pais “admirados” e
confusos.
Na realidade, ele diz que Jesus será “glória do teu
povo Israel”. Maria e José já sabiam disso, de fato, essa era a tarefa do
Messias, o Filho de Deus. Mas, eis a novidade: “luz para iluminar as nações”,
quer dizer, para iluminar os povos pagãos. Simeão bendiz e proclama que o Amor
de Deus é universal, não é mais só para o povo eleito, e sim para toda a
humanidade”.
Portanto, os inimigos de Israel, ou seja, os pagãos, não deveriam nunca mais ser dominados como se acreditava e como a tradição apresentava, mas deveriam ser acolhidos como irmãos!
Lucas
2,34-35: «Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe de Jesus: “Este menino vai ser
causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel. Ele será um
sinal de contradição. Assim serão revelados os pensamentos de muitos corações.
Quanto a ti, uma espada te traspassará a alma”.»
Logo depois, Simeão dá a Maria uma bênção, que termina
numa forma bastante trágica. Jesus é comparado aqui com algo que o próprio
Lucas, no seu evangelho, vai apresentar mais tarde, como “uma pedra”: pedra que
pode ser angular, isto é, servir como alicerce para a construção, ou pedra que
faz tropeçar as pessoas, ou até as esmigalha. De fato, diz de Jesus: “Este
menino vai ser causa tanto de queda como de reerguimento para muitos em Israel”.
E, como “sinal de contradição”,
“quanto a ti” ― falando diretamente para Maria, a mãe de Jesus ― “uma
espada te traspassará a alma”, ou seja, traspassará a tua vida. Qual é o
significado dessa espada que traspassará toda a vida de Maria?
A espada, tanto no Antigo como
no novo Testamento, representa a Palavra de Deus, que “é viva e eficaz como
uma espada”, assim diz o autor da Carta aos Hebreus (4,12-13): “pois a
palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois
gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas. Julga os
pensamentos e as intenções do coração. Não há criatura que possa ocultar-se
diante dela. Tudo está nu e descoberto aos olhos daquele a quem devemos prestar
contas”.
Portanto, Simeão anuncia a Maria ― que representa o povo de Israel ― que a Palavra do seu próprio Filho será como uma espada que irá forçá-la a fazer escolhas, por vezes muito dolorosas. Na verdade, já no próximo episódio que o evangelista vai apresentar, isto é, a perca e o reencontro de Jesus no templo (Lc 2,41-52), as primeiras e únicas palavras que Jesus vai dirigir à sua própria Mãe serão palavras de repreensão!
Lucas
2,36-40: «Havia também uma profetisa, chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de
Aser. Era de idade muito avançada; quando jovem, tinha sido casada e vivera
sete anos com o marido. Depois ficara viúva, e agora já estava com oitenta e
quatro anos. Não saía do Templo, dia e noite servindo a Deus com jejuns e orações.
Ana chegou nesse momento e pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos
os que esperavam a libertação de Jerusalém. Depois de cumprirem tudo, conforme
a Lei do Senhor, voltaram à Galileia, para Nazaré́, sua cidade. O menino
crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com
ele.»
O caminho de Maria se apresenta ainda bastante longo! Maria terá que compreender que de “mãe” desse menino deverá se transformar em “discípula”. Um caminho longo e doloroso, como “uma espada que transpassa a alma”.
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José
Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão PessoalPe. Telmo José Amaral de Figueiredo
«A salvação
é para aqueles que acolhem a Jesus com fé; e, para os que não o acolhem com fé,
haverá a queda.»
(Lino Rampazzo: doutor em Teologia, professor e escritor)
Apesar de termos uma religião que surge a partir do judaísmo, isso não significa que o cristianismo seja um simples prolongamento ou consequência daquela fé judia. Pelo contrário, Jesus é o “centro do tempo, da história” para nós que somos seus seguidores (cf. Lc 16,16). Por isso, a Lei Mosaica, apesar de nos inspirar, não é o nosso código de conduta, nem, muito menos, nosso estatuto de vida em sociedade.
Afinal, o centro do Evangelho, do cristianismo não se encontra no templo e seus rituais, nem no sagrado contraposto ao profano (puro e impuro), como se observa no judaísmo do tempo de Jesus. Para o Filho de Deus, o essencial é a manifestação da bondade, do amor, da misericórdia para com os enfermos, os famintos e os pobres em geral. Seu foco encontra-se na melhoria das relações entre os seres humanos. A salvação, resumindo muito, não se encontra no cumprimento de normas, leis, ritos e tradições, mas na vivência do amor ao próximo e a si mesmo!
Por isso, Jesus será um “sinal de contradição”, que não significa “ser do contra”, com o sentido de criticar tudo e todos, mas ser um sinal de salvação, uma oferta de salvação. Diante dessa oferta cabe, apenas, um sim ou um não! Afinal, é impossível aceitar a proposta deste “mundo” e aquela de Cristo! O grande perigo que nós, cristãos, corremos atualmente, é menosprezarmos o poder de convencimento que a sociedade na qual vivemos tem sobre cada um de nós.
Estas palavras de Papa Francisco (Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 2) nos ajudam a compreender, muito bem, o que se passa em nossa vida hoje:
«O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado.»
«Nós te louvamos e te bendizemos,
Pai, porque mediante o teu Filho, nascido de mulher por obra do Espírito Santo,
nascido sob a lei, nos resgatou da lei e preencheu a nossa existência de luz e
de esperança nova. Faz com que nossas famílias sejam acolhedoras e fiéis em
relação aos teus projetos, ajudem e sustentem nos filhos os sonhos e o
entusiasmo novo, os envolvam de ternura quando são frágeis, os eduquem ao amor
a ti e a todas as criaturas. A ti, nosso Pai, toda honra e glória.»
(Fonte:
MESTERS, Carlos. O.Carm. Orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a
cura di]. Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico B.
Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 634.)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – Presentazione del Signore – Anno C – 02 febbraio 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 01/02/2025).
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