«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Missa da Noite de Natal – Ano A – Homilia

 Evangelho: Lucas 2,1-14

 Frei Alberto Maggi*

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

A ternura e a bondade dominaram a escuridão e conquistaram o coração humano

Em uma homilia durante a Missa da Vigília de Natal, 24 de dezembro de 2018, na catedral de Codroipo, município italiano da região do Friuli-Venezia Giulia, província de Udine, o estudioso bíblico Alberto Maggi descreve a festa de Natal da seguinte forma:

«Tão magro e seco é o que os Evangelhos escrevem sobre o Natal, como se tornou melosa a forma de apresentá-lo e vivê-lo. O nascimento de Jesus é, de fato, como se untado em um melaço adocicado, que corre o risco de atolar a verdade evangélica em um belo conto de fadas que toca as cordas dos sentimentos, mas que pouco ou nenhum efeito tem sobre a vida de quem crê».

Palavras fortes, claro, mas eu as sinto tão verdadeiras. Pensando nas muitas conversas das últimas semanas, estou convencido de que é por causa desse doce melaço que para muitos o Natal se tornou um feriado maldito. Vazio de qualquer referência evangélica, resta apenas a lembrança amarga das alegrias passadas, separações dolorosas, doenças e lutos. E os médicos nessas horas têm trabalho adicional porque muitas vezes essas feridas da alma são transferidas para o corpo.

Em vez disso, o que é apresentado nos evangelhos é o oposto da história de um feitiço infantil. É necessário, portanto, proceder a uma eficaz operação de limpeza, para atingir o sentido profundo da narração evangélica, fazendo-a ressurgir daquele acúmulo de lendas, tradições, devoções, folclore, que a sepultaram. O biblista continua: «A luz que surge depois da obra de restauração é o anúncio da realização do desígnio de Deus para a humanidade:E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós”» (Jo 1,14). 

Lucas 2,1-2:** «Naqueles dias foi publicado um decreto do imperador Augusto ordenando o recenseamento do mundo inteiro. Esse primeiro recenseamento aconteceu quando Quirino era governador da Síria.»

Esta é a nova canção de Natal que traz os traços de uma revolta, uma revolta não violenta, contra os poderosos e valentões deste mundo, como César Augusto que conta os homens (= recenseamento) para conseguir dinheiro e poder. 

Lucas 2,3-5: «Todos iam registrar-se, cada um em sua própria cidade. Também José – que era da casa e da linhagem de Davi – subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.»

PRIMEIRA SURPRESA: Lucas escreve que neste contexto de controle social «José subiu da Galileia à cidade de Davi, chamada Belém». Quem conhece a Bíblia sabe que a cidade de Davi é Jerusalém, a capital onde o grande rei iniciou sua monarquia. Mas Lucas discorda. Afirma que a cidade de Davi é Belém. Sim, porque em Belém Davi era pastor, em Jerusalém era rei. Quer deixar claro que aquele que está para nascer será descendente de Davi, mas não terá as características de um rei, mas sim de um pastor. E isso é subversivo, se você pensar que os rabinos pregavam que no dia do juízo o Messias varreria da terra todos os ímpios e, antes de tudo, os pastores, porque eram considerados homens muito livres, bandidos.

E nesta versão da cidade de Davi, Deus manifesta seu poder por meio do evento “invisível” do nascimento de uma criança.

Um acontecimento insignificante que brota logo no censo, mostrando a força mansa, mas implacável do tenro broto de Jessé que consegue erguer o solo mais resistente.

E, aqui, está o julgamento histórico. Se o homem divinizado, César Augusto, mortifica os homens verificando-os e contando-os, o Deus feito homem garantirá que todos os homens sejam colocados em posição de se tornarem plenamente humanos. Dele aprenderão a viver neste mundo radicalizando o bem. 

Lucas 2,6-7: «Quando estavam ali, completaram-se os dias de ela dar à luz. Ela deu à luz o seu filho, primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.»

O nascimento de Jesus em Belém é narrado por Lucas como uma história de resiliência. José e Maria são obrigados a submeter-se aos caprichos do imperador, fazem uma viagem cansativa e perigosa, adaptam-se a um abrigo improvisado, passam a noite com pastores e animais foragidos. No entanto, esses eventos adversos não os irritam, pelo contrário, os impulsionam a fazer todo o possível a partir de sua pobreza, invisibilidade social, falta de poder para mudar as coisas.

E, assim, brota a força branda, mas poderosa, aquela que nasce da fraqueza, de ter sofrido abusos, mas sem se deixar dobrar. É assim que o bem começa a crescer no ritmo da vida de uma criança, até se tornar implacável, um contrapoder que se mostrará o único capaz de mudar as coisas

Lucas 2,8-14: «Na região, havia pastores que passavam a noite no campo, tomando conta do rebanho. Um anjo do Senhor apresentou-se a eles e a glória do Senhor os envolveu de luz. Eles ficaram tomados de grande temor. O anjo então lhes disse: “Não temais! Eu vos anuncio uma grande alegria, que será também a de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor! E isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido envolto em faixas e deitado numa manjedoura”. De repente juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste louvando a Deus e dizendo: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e na terra, paz a todos por ele amados!”»

Caríssimos, o Natal ensina-nos a procurar o futuro na história dos pequeninos deste mundo, entre os invisíveis, os rejeitados, os descartados. Ali está o verdadeiro laboratório do qual depende o destino da humanidade. E é nesses mundos paralelos que devemos buscar nossas alianças.

Então o Natal nos ensina que o verdadeiro poder está sempre desarmado. A difusão de episódios de protesto cada vez mais belicosos e violentos volta a encher as páginas dos noticiários:

* grupos de militantes neonazistas;

* grupos de ataque aos membros da comunidade LGBTQIAP+;***

* feminicídios;

* estudantes que disparam e matam nas escolas;

* grupos racistas que atacam, ferem e matam moradores em condição de rua, indígenas, etc.

Na web (= internet), nas redes sociais e nos jornais, as linguagens estão cada vez mais ferozes. Assim, acabamos nos dilacerando, talvez em nome de uma reivindicação extrema de liberdade. Se olharmos de perto. O exército dos indignados muitas vezes descarrega apenas uma raiva surda, mais filha do vazio do que da injustiça.

Também de Belém começa uma revolução, mas construtiva, que acredita na força da mansidão, na dignidade da pessoa e na onipotência dos sentimentos que, se cultivados, podem habitar o seu coração.

E aqui está o SEGUNDO MILAGRE: no meio da noite, figura de todas as noites da história da humanidade, a ternura se manifesta. Ternura precisamente onde poderiam ter surgido a arrogância, a violência, a indiferença e a maldade. Lucas nos conta não só o cumprimento do mistério de Deus, mas também o cumprimento do mistério do homem nas atitudes de Maria e José.

Assim, o nascimento do Salvador molda um modo de vida, dá forma à humanidade.

Em Maria, o acolhimento do Filho torna-se uma série de gestos simples, mas inequívocos: deita-o na manjedoura, envolve-o em panos, oferece-o ao mundo no encontro de quem quer aproximar-se dela.

Somos levados a pensar que esta ternura instintiva se torna o fundamento da humanidade de Jesus e, se pensarmos bem, o fundamento de todo o seu Evangelho.

Assim é o milagre humano que ilumina a noite de Belém, a força silenciosa que permite que o milagre divino permaneça na história e não se perca na noite.

Se isso for verdade, então entendemos que celebrar o Natal do Evangelho nos educa a sermos mais humanos, a evitar a indiferença e a praticar a mansidão. E se aqueles que vão se cumprimentar nestas horas realmente o celebrassem sob esta luz, talvez houvesse menos desespero ao nosso redor.

Sim, porque a mansidão e a ternura evangélica se opõem a qualquer sentimentalismo vazio, pois pedem para se tornar um gesto no cuidado da vida, na sensibilidade por tudo o que é frágil e vulnerável.

Tenha cuidado para não ceder à poesia novamente, no entanto. A ternura não é apenas a atitude de uma mãe para com seu filho. A ternura é constitutiva do amor adulto e maduro. É o aspecto visível daquele amor que – como diz São Paulo – não inveja, não busca os próprios interesses, não mente, não falta respeito, não se vangloria, não se orgulha, não humilha, não despreza, pelo contrário, tudo lamenta, tudo acredita, tudo espera, tudo suporta (cf. 1Cor 13,4-7).

A ternura é o destilado desse amor que nunca vai acabar. Mas é um destilado poderoso. Em Belém cumpriu-se a palavra da Escritura:

«18,14 De fato, quando um tranquilo silêncio envolvia todas as coisas e a noite chegava ao meio do seu curso, 18,15 a tua Palavra todo-poderosa, vinda do céu, do seu trono real, precipitou-se... ao meio de uma terra condenada ao extermínio. 19,6 Então, a criação inteira, obediente às tuas ordens, foi remodelada em cada espécie de seres, como no princípio, para que teus filhos fossem preservados ilesos.» (Sb 18,14-15; 19,6)

E assim continuará a acontecer em cada geração, até ao fim dos tempos, onde a Palavra mansa, mas poderosa será acolhida e vivida com inexorável ternura. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.

*** A sigla LGBTQIAP+ significa: L = lésbica; G = gay; B = bissexual; T = transgênero, travesti e transexuais; Q = queer; I = intersexual; A = assexual; P = pansexual; + = o sinal de mais está aqui para indicar que a comunidade inclui mais expressões de gênero e de sexualidade, como o arromantismo (não ter desejo de viver um romance) e o poliamor (cultivar vários relacionamentos amorosos ao mesmo tempo).

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus, nesta noite santa contemplamos o rosto de Deus no teu rosto, o teu esplendor recorda-nos o nosso antigo esplendor e antecipa e assegura-nos que, pela tua paixão, morte e ressurreição, também nós, um dia, teremos parte nesse brilho e graça. Pelo teu dom. E hoje nós, inconscientes como os pastores, chegamos à gruta para observar, para querer compreender, para tocar com as mãos o anúncio do anjo... Diante de tanta bondade e luz, fica muito claro para nós o que devemos fazer: tirar os sapatos, vestir a veste branca da graça, converter-nos e depois... comportar-nos como Maria: contemplar-te com os olhos em adoração, alimentar-nos com os olhos e o coração do teu Corpo santo que alimenta e dá vida, e... parar para apreciar todas essas coisas, ponderando-as em nossos corações. Depois e só depois de nos teres fortalecido por te teres feito nosso dom, dom da graça e instrumento de vida nova, também nós somos chamados, com os pastores, a regressar à nossa pálida vida quotidiana "glorificando e louvando a Deus por tudo o que eles tinham ouvido e visto”. Amém.»

(Fonte: Marino Gobbin. Natale del Signore: orazione finale. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 73-74.)

Fonte: Collaborazione Pastorale di Codroipo – Omelia nella Notte di Natale – Duomo di Codroipo, 24 dicembre 2018 – Internet: clique aqui (Acesso em: 15/12/2022).

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