Uma reflexão urgente!
A amizade social é uma tarefa conjunta
Pe. Alfredo José Gonçalves
Presbítero da Pia Sociedade dos Missionários de São Carlos e vice-presidente do SPM/CNBB (Serviço Pastoral dos Migrantes)
Tarefa urgente das Igrejas e instituições: recompor
o fio da confiança!
Quaresma exige conversão. O conceito de conversão, como metáfora do trânsito urbano, significa mudança de rumo. Converter é virar para um lado ou outro. No caminho rumo ao mistério pascal, a mudança tem duas dimensões:
1ª)
uma espiritual, no sentido de aprofundar a intimidade com Deus,
deixar-se guiar por sua Palavra viva;
2ª)
outra sociopastoral, na tentativa de estender a mão aos irmãos e irmãs
pobres e mais necessitados.
Esta segunda dimensão, no Brasil, ganha maior relevo devido ao tema da Campanha da Fraternidade deste ano, Fraternidade e amizade social, que lembra sermos “todos irmãos e irmãs”.
O País foi sacudido por ondas de
ódio, mentira e mútua desconfiança. Ameaças públicas semearam violência dentro
de instituições que vão desde a prática política até o interior das famílias,
passando pela Igreja e comunidades, sem poupar os laços sagrados que tecem as
relações humanas. Daí a fragmentação e a polarização sociopolíticas.
Disso resultou o fatal e letal rompimento do fio da confiança, o qual tece o
xadrez da vida social.
Sem a confiança, por mais tênue que seja, tampouco haverá ligações
vitais de amizade no ambiente familiar, religioso, comunitário ou
político-cultural.
Esgarça-se o tecido social, junto com a falta de referências sólidas para orientar a conversão em relação a Deus e à caridade solidária. Passam a bater à porta os espectros da crise, do caos e do medo.
Duas são as bases para as
referências que orientam nossas frágeis embarcações:
*
um berço sadio, revestido de ternura, estima e reconhecimento, que só a família,
a casa e o lar podem oferecer; e
*
instituições como a escola e a Igreja, entre outras, que procuram traçar
as balizas, a bússola e o rumo em direção ao porto seguro.
Nos dias atuais, porém, grande parte das famílias – em especial na base da pirâmide social – não possuem as condições mínimas para oferecer um berço saudável e, ao mesmo tempo, os limites da liberdade. Ocupadas com a sobrevivência, instável e precária, não lhes sobra tempo nem energias para “fazer da necessidade uma virtude”.
A sociedade moderna, com
gritantes disparidades sociais, ao retirar das famílias vulneráveis o
direito e o dever de criar berços sadios e estabelecer regras ao bem viver,
deixou uma lacuna intransferível. Como pode outra instituição assumir esse
compromisso, se ele foi postergado a uma idade em que prevalece a “formação das
ruas”?
Sem o substrato familiar de amor, presença, carinho, autoestima e
reconhecimento, como esperar das pessoas um comportamento responsável?
Os estigmas da exclusão social, há séculos impressos no corpo e na alma, leva-as aos becos sem saída do trabalho informal, da droga, do álcool, da prostituição, da violência!…
Aqui, quem vai cuidar dos limites e regras serão as forças policiais, os juízes e os tribunais!… Então, será tarde demais, e a vida pode terminar numa famigerada cracolândia!
Entra aí o gigantesco desafio da
Igreja e das instituições similares. Trata-se da recomposição do fio da
confiança! Não é fácil religar o que foi irresponsavelmente rasgado nos
palanques, nas praças públicas e nas ruas, mas sobretudo na mídia e nas redes
sociais. Sem esse cimento que une os tijolos das relações sociais, nada
poderá ser feito com eficácia. A confiança, e somente ela, consiste no
único instrumento para refazer ligações íntimas e amizades rompidas. E o
caminho desse processo passa, necessariamente, pela proposta sinodal de “caminhar
juntos”.
A conclusão lógica é que a amizade social é uma tarefa conjunta.
Fonte: O São Paulo – Colunista – 13 de março de 2024 – Internet: clique aqui (acesso em: 13/03/2024).
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