21º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia

 Evangelho: João 6,60-69 

Frei Alberto Maggi *

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Somente “tu tens palavras de vida eterna”

Jesus concluiu o longo discurso proferido na sinagoga de Cafarnaum (Jo 6,4-58), durante o qual conseguiu desagradar a todos:

* a multidão que esperava fazê-lo rei,

* os líderes religiosos,

* os judeus, que viam o perigo deste Jesus que revolucionava a relação com Deus, e, o que é mais dramático nesta página, custará a ele o abandono de muitos de seus discípulos. 

João 6,60:** «Naquele tempo, muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?”»

O evangelista usa, pela única vez em seu Evangelho, o termo grego “scleros” ― o qual é traduzido por “dura” no texto acima ― que, em relação a um discurso, significa o que é insolente, o que é ofensivo. O que foi ofensivo e insolente na fala de Jesus? Jesus se distanciou do mito do êxodo, da libertação. Jesus disse claramente: estão todos mortos no deserto (Jo 6,49) e isso lhes era inaceitável. Mas também entenderam o convite de Jesus para que se fizessem pão, alimento de vida para os outros, porém eles queriam mandar, queriam reinar, não queriam servir aos outros! 

João 6,61-63a: «Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes? O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada.»

Jesus, ficou sabendo dentro de si que “seus discípulos estavam murmurando”, murmuram exatamente como os judeus, os líderes religiosos. Então, a respeito disso, disse-lhes: “Isto vos escandaliza?” O verbo “escandalizar” aparece aqui e, depois, no capítulo 16, quando Jesus anunciou a perseguição e a morte.

Então, a referência é à morte dele, é a morte que escandaliza, a morte de Jesus, porque pensavam que a morte fosse o fim de tudo.

E, de fato, disse: “E quando virdes o Filho do Homem subindo para onde estava antes?A morte era considerada uma descida e a ressurreição uma ascensão. E aqui está a frase de Jesus: “O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada”. Jesus havia dito que daria seu pão como carne, o que significa que o Espírito dá vida, a carne não adianta? Comer pão, a referência é à Eucaristia, sem, no entanto, fazer-se pão para os outros é inútil

João 6,63b-64: «As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem”. Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de entregá-lo.»

Prosseguiu Jesus: “As palavras que vos falei são espírito e vida”, ou seja, são palavras que libertam o ser humano e liberam energias vitais sempre crescentes. É a Eucaristia que é dinamismo do amor recebido e do amor comunicado. Disse, ainda, Jesus: “Mas entre vós há alguns que não creem”, quer dizer, deram uma adesão a Jesus que não é radical, é por interesse próprio e não pelos interesses dos outros, seguiam Jesus por conveniência própria.

Enquanto os outros evangelistas anunciam a traição no contexto da ceia pascal, o evangelista a insere, aqui, para deixar claro que este longo discurso é uma referência à Eucaristia

João 6,65-69: «E acrescentou: “É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”. A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis ir embora?” Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o Santo de Deus”.»

A ação do Pai é estimular o desejo de plenitude de vida, mas quem estava sem o Espírito de Deus iria ceder. E eis o final dramático: “A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele”. Mas Jesus estava disposto a ficar sozinho em vez de mudar seu plano que é manifestar o amor do Pai ao mundo. A resposta de Simão Pedro era, em parte, positiva, pois ele reconhece que Jesus tem as palavras que dão uma vida indiscutível no ser humano, mas a outra parte era negativa. Porque ele se referiu a Jesus como o Santo de Deus, com o artigo definido. O Santo de Deus era o messias esperado pela tradição, aquele que vinha para restaurar a monarquia, para dominar os pagãos, para impor a lei, ou seja, o messias da expectativa popular. E é exatamente a expressão que o homem possuído pelo espírito impuro usou, sempre em Cafarnaum, sempre na sinagoga, como lemos nos Evangelhos de Marcos e Lucas (Mc 1,24c; Lc 4,34c), e isso lança uma luz sinistra sobre o que se seguirá e sobre a traição, também, de Pedro

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«A fé sobe pelas escadas que o amor construiu, e olha pelas janelas que a esperança abriu.»

(C. H. Spurgeon: 1834-1892 ― pregador da igreja Batista inglesa)

Eu não tenho dúvidas de que, se todos os que foram batizados e se consideram “cristãos” soubessem, em profundidade e plenamente, qual é o projeto de jesus, qual é a vontade do Pai para este nosso mundo, para a nossa vida, fariam como alguns discípulos no Evangelho deste domingo: “[...] muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele”. E isso não é exagero da minha parte! Afinal, o Evangelho deste domingo trata da Eucaristia, da Ceia semanal de nós, cristãos, porém o faz de um modo bem radical. 

O escândalo produzido por Jesus, na sinagoga de Cafarnaum, teve uma dupla motivação:

a) de um lado, muitos discípulos entenderam que comungar, na Eucaristia, se tratasse de comer a carne histórica de Jesus, o seu próprio ser carnal, físico! É o chamado “cafarnaísmo”, pois ocorreu nessa localidade da Galileia. O que, de fato, seria escandaloso e inadmissível! Mas Jesus não falava disso, obviamente!

b) De outro lado, o escândalo é provocado pela relativização que Jesus faz da maior tradição judaica, o Êxodo, bem como, pelo fato de que seus discípulos compreenderam, muito bem, que a Eucaristia é “o convite de Jesus para que se fizessem pão, alimento de vida para os outros, e eles queriam mandar, queriam reinar, não queriam servir aos outros”, como nos explicou frei Maggi em seu comentário. 

Se os cristãos compreendessem, de verdade, que alimentar-se do pão eucarístico é realizar uma união e, inclusive, uma fusão com a vida e o destino de Jesus, penso que muitos desistiriam, pois não têm essa fé! Assim, como muitos discípulos de Jesus o seguiam não com a finalidade de servir aos outros, dar sua vida para que outros tivessem uma vida mais plena, mais digna, do mesmo modo, hoje, muitos frequentam a Eucaristia com um espírito individualista, egoísta e intimista, visando, apenas e tão somente, a sua salvação individual! 

A Eucaristia não possui, para muitos cristãos, o significado original que Jesus Cristo lhe deu! Quer dizer, na Eucaristia, paixão e morte estão, irremediavelmente, entrelaçadas! É impossível comungar, de verdade, do Corpo e Sangue do Cristo, sem envolver-se, até as entranhas, até o mais profundo de nós mesmos, com seus critérios, seus valores, seus costumes, enfim, com a sua maneira de viver. 

Mas, para isso, é preciso ter fé, como afirma Jesus no Evangelho deste domingo. Muitos se colocam no seguimento de Jesus, mas por motivos não confessados ou inconfessáveis! Jesus faz referência a essa amarga experiência, quando afirma: “Em verdade, em verdade vos digo: todo aquele que pratica o pecado é escravo do pecado. O escravo não permanece para sempre na casa, mas o filho permanece nela para sempre” (Jo 8,34-35). Quem permanece na comunidade de Jesus, na Igreja, como um escravo, isto é, apegado aos seus projetos pessoais, aos seus desejos, aos seus vícios e ambições, cedo ou tarde, irá embora! 

Como constata, muito bem, o biblista e teólogo italiano Enzo Bianchi:

“Para perseverar no seguimento de Jesus não basta um ideal, nem são suficientes nobres motivações; necessita-se de uma fé firme”.

 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor, obrigado pelas tuas palavras, que despertaram em mim o espírito e a vida; obrigado, porque tu falas e a criação continua, tu me plasmas ainda, imprimes ainda em mim a tua imagem, a tua semelhança insubstituível. Obrigado, porque tu, com amor e paciência, me esperas mesmo quando murmúrio, quando me deixo escandalizar, quando me deixo tomar pela incredulidade, ou quando te viro as costas. Perdoa-me, Senhor, por tudo isso e continua a curar-me, a tornar-me forte e feliz em te seguir, somente a ti!» 

(Fonte: Maria Anastasia C. Cucca. 21ª Domenica del Tempo Ordinario. In: Anthony Cilia, O.Carm. [Org.] Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 505.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XXI Domenica Tempo Ordinario – 12 agosto 2018 – Internet: clique aqui (Acesso em: 05/08/2024).

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