32º Domingo do Tempo Comum – Ano B – HOMILIA
Evangelho: Marcos 12,38-44
Alberto Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Os religiosos somente servem se
servirem o povo
No templo de Jerusalém, Jesus denunciou os mais altos dirigentes da instituição religiosa como bandidos e assassinos (cf. Mc 12,1-12) e acusou-os de terem transformado a casa do seu Pai num covil de ladrões (cf. Mc 11,15-18). Naturalmente estes dirigentes da instituição religiosa detestam Jesus, querem matá-lo, não podem por causa da multidão, lançam ataques contra ele, armadilhas das quais Jesus sai vitorioso e, agora, é Jesus quem parte para o contra-ataque. Depois de ter demolido com uma anedota a teologia dos escribas, os maiores teóricos oficiais da instituição religiosa, Jesus passa agora a condenar o seu comportamento. É o que nos escreve o evangelista Marcos no capítulo 12, versículos 38 a 44.
Marcos 12,38a: ** «Naquele tempo, Jesus dizia, no seu ensinamento a uma grande
multidão: “Tomai cuidado com os doutores da Lei!».
Para as palavras de Jesus, o evangelista não usa o termo discurso ou palavras, mas ensino, portanto é algo que vale para sempre para as comunidades de crentes de todos os tempos. Ele lhes disse em seu ensinamento: “Cuidado”, isto é, tomem cuidado, mas sobre quem Jesus está alertando para se ter cuidado? Não dos pecadores, nem daqueles que não guardam a lei, mas dos escribas. Os escribas eram os teólogos oficiais, o magistério oficial da instituição religiosa, as pessoas de grande importância cuja palavra tinha o mesmo valor que a palavra de Deus. E Jesus diz tenham cuidado, tenham cuidado com eles, pois devem ser evitados, são perigosos.
Marcos 12,38b-39: «Eles
gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas;
gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos
banquetes.»
E Jesus dá algumas indicações de como distingui-los, diz que eles adoram andar com vestes compridas, ou seja, usam roupas religiosas que deixam claro que têm um relacionamento privilegiado, superior ao resto do povo com Deus. Eles gostam de receber saudações nas praças, como adoram ser homenageados, serem reverenciados com seus títulos. Jesus zomba deles amigavelmente, ironicamente, dizendo que gostam de ter os primeiros assentos nas sinagogas. O primeiro assento na sinagoga não significa o assento da frente. Nas sinagogas havia como degraus e os primeiros assentos eram os de cima, portanto distantes do resto do povo. Quando se come, eles são reconhecidos porque estão sempre nos primeiros lugares nos banquetes. O primeiro lugar do banquete é o mais próximo do anfitrião, onde se é servido primeiro e se come melhor.
Marcos 12,40: «Eles
devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles
receberão a pior condenação”.»
E fazem tudo isto, diz Jesus, porque devoram as casas das viúvas. A viúva significa uma pessoa que, não tendo homem, encontra-se sem proteção, é o elemento fraco da sociedade. Pois bem, estes devoram as casas das viúvas e aqui a tradução diz e eles rezam longamente para serem vistos, o evangelista escreve literalmente “e aparentemente rezam por muito tempo”. Ou seja, Jesus não lhes reconhece o fato de rezar, se fazem ver rezando, mas o seu objetivo é esvaziar e tomar para si o bem dos outros! E, pela primeira vez, na boca de Jesus, há a palavra “condenação”. Trata-se de uma condenação muito severa, que não é para os pecadores, mas para a autoridade máxima do templo, os escribas, aqueles que tinham que ensinar ao povo a vontade de Deus, eles receberão uma condenação mais severa!
Marcos 12,41-42: «Jesus estava sentado no Templo, diante do cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava suas moedas no cofre. Muitos ricos depositavam grandes quantias. Então chegou uma pobre viúva que deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada.»
Então o evangelista explica-nos a razão disto: Jesus está sentado diante do tesouro, eis que o tesouro é o verdadeiro Deus no templo! Ele observa como a multidão atira moedas, mas chega, escreve o evangelista, uma viúva pobre que jogou duas moedinhas, praticamente nada, que somam um centavo! Então, ele chama a si os seus discípulos. Observe-se que Jesus deve chamar sempre estes discípulos, eles sempre se afastam porque não partilham a sua linha, a sua ação.
Marcos 12,43-44: «Jesus
chamou os discípulos e disse: “Em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais
do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de
sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para
viver”. »
E aqui
estão as palavras de Jesus, as quais são uma declaração importante, pois
inicia-se com a expressão “em verdade”. Jesus diz: eu lhes digo que esta
pobre viúva não jogou as moedas para Deus, mas no tesouro! E o termo “tesouro”
aparece pela terceira vez para indicar que este é o verdadeiro Deus do templo,
mais que todos os outros. Jesus diz que todos os outros jogaram o que lhes
sobrava, mas esta viúva jogou tudo o que tinha, tudo o que tinha para viver!
Para entender as palavras de Jesus devemos nos referir à lei. No livro de
Deuteronômio, no capítulo 14, versículo 28, está prescrito que com os
rendimentos do templo era necessário alimentar os elementos fracos da sociedade
da qual as viúvas e os órfãos eram exemplo. Bem, o que os escribas fizeram?
Eles não apenas não alimentavam as viúvas com os rendimentos do templo, mas
também sugavam o sangue vital das viúvas e dos elementos pobres da sociedade
para, em última análise, saciarem-se. Então eles reverteram completamente o
que era o ensino da lei: em vez de alimentar os famintos, deixá-los com
fome!
Portanto o
que Jesus diz não é um elogio à fé da viúva, mas um lamento pela vítima da
instituição religiosa e por isso, logo a seguir, há o anúncio de Jesus de
que esta instituição deve desaparecer. Jesus dirá: “Não ficará pedra sobre
pedra que não seja destruída” (Mc 13,2).
Uma
instituição religiosa que, em vez de se colocar ao serviço das pessoas, coloca
as pessoas ao seu próprio serviço, não tem direito de existir!
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
«Eu estou no meio de vós como aquele que serve.»
(Lucas 22,27b)
Antes de tudo, devemos evitar o equívoco de pensar que Jesus, no Evangelho deste domingo, esteja atacando a pessoa dos escribas, ou seja, dos maiores mestres e teólogos do judaísmo! Afinal, em meio a um grupo, sempre há os mais orgulhosos, vaidosos, prepotentes e ambiciosos, bem como, os mais simples, os mais humildes, os mais serviçais. Aqui, a crítica de Jesus é mais profunda! Ele se dirige à própria instituição religiosa que admite existir um coletivo de pessoas ― os escribas, os doutores da Lei ― que detinha a interpretação oficial da Lei, isto é, da vontade de Deus.
Ora, pessoas com tal dignidade, com tal ofício somente
podem desejar distinguir-se dos demais seres comuns mortais, mediante:
*
suas vestes diferenciadas,
* os
lugares que ocupam no ambiente religioso e festivo e
* as maiores reverências e saudações.
O contraste entre a primeira cena, aquela dos escribas, cujo comportamento merece cuidado e distância, e a segunda, na qual uma viúva dá tudo o que tem, tudo de si, num gesto de total desprendimento a Deus, é brutal e proposital! Na primeira cena narrada por Jesus, identificamos o antiexemplo dos líderes de uma religião que cria uma elite separada dos demais, detentora de privilégios e honrarias. Enquanto, na segunda cena, Jesus chama a atenção de seus discípulos para o fato de que os pobres, os humildes, os totalmente sem cargos, sem poder, sem dignidade e sem saberes são os que nos ensinam a viver o Evangelho, de verdade! Pois, a felicidade encontra-se em amar sem restrição nem cálculo, como fez a viúva, em sermos simplesmente humanos.
E, atenção, o evangelista não tem em vista os escribas,
os dirigentes judaicos, mas os dirigentes das comunidades cristãs para
as quais se destina seu Evangelho. Sinal de que já haviam muitos, no interior
da Igreja de Cristo, desejosos de desfrutar da mesma dignidade e privilégios
dos líderes judaicos condenados por Jesus! Algo que se vê, e muito, nos tempos
atuais! No entanto, Jesus nos faz compreender que o coração da verdadeira
religião se encontra, citando José Antonio Pagola, na:
* “confiança
grande em Deus,
* gratuidade
surpreendente,
*
generosidade e amor solidário,
*
simplicidade e
* verdade”.
«Ó Deus, a Palavra que nos ofereceste apresenta-te como “Pai dos órfãos e das viúvas, refúgio para os estrangeiros, justiça para os oprimidos”. Queremos conhecer cada vez melhor teus gestos de amor, aprender contigo e colaborar na obra de salvação. Por isso te pedimos: “apoia a esperança dos pobres que confiam no teu amor, para que nunca falte a liberdade e o pão que tu providencias” e também nós aprendamos “a dar seguindo o exemplo daquele que deu ele mesmo, Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém.»
(Fonte: Marino
Gobbin. 32ª domenica del tempo ordinario. Orazine finale. In: Anthony Cilia,
O.Carm. [Org.] Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico B.
Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 609.)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XXXII Domenica Tempo Ordinario – 11 novembre 2018 – Internet: clique aqui (acesso em: 30/11/2024).
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