2º Domingo da Quaresma – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 9,28b-36 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Qual é o “seu” Messias?

Chegamos ao segundo domingo da Quaresma. Com Jesus, estamos caminhando rumo a Jerusalém, a cidade onde ele sofrerá muito, morrerá e ressuscitará. Estamos, pois, caminhando em direção à Páscoa. No domingo passado, celebramos Jesus que, uma vez assumida a missão de salvador da humanidade, foi posto à prova, não somente, por quarenta dias, mas em toda a sua vida nesta Terra. Contudo, obediente à vontade do Pai, expressa nas Escrituras Sagradas, venceu toda sedução diabólica!

Um pouco antes da cena que nos é proposta para este segundo domingo da Quaresma, Jesus havia feito o primeiro anúncio de sua paixão, morte e ressurreição (Lc 9,22). Em seguida, esclareceu quais eram as condições para ser seu discípulo, onde se destacou a necessidade de “dar a vida” pelo projeto do Reino de Deus (Lc 9,23-27). É claro que isso causa ressentimentos, causa decepção naqueles que buscam seguir Jesus. 

Lucas 9,28b:** «Naquele tempo, Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar.»

Eis, aqui, a nossa passagem deste domingo, é o capítulo 9 do evangelista Lucas do versículo 28 ao 36. Nos evangelhos, sempre são importantes as indicações de local e tempo. De fato, o evangelista escreve na primeira parte desse versículo (28a): “Uns oito dias depois dessas palavras”, ou seja, depois que Jesus anunciou a sua morte. Por que o número oito? É típico dos evangelistas nunca mencionar a morte de Jesus sem também dar uma indicação de sua ressurreição. O oitavo dia é o dia da ressurreição de Jesus. Então Jesus, agora, mostra quais são os efeitos para a pessoa que passa pela morte. Não são de destruição, de aniquilação, mas de empoderamento.

Jesus levou Pedro consigo. Esse discípulo é apresentado com o único apelido negativo indicando sua teimosia. Ele levou, também, João e Tiago. Serão os discípulos mais difíceis que Jesus levará sempre consigo nos momentos importantes de sua vida.

O evangelista escreve: “... e subiu à montanha”, com o artigo definido, não é uma montanha qualquer, mas não está indicado. O evangelista não quer indicar um lugar topográfico, mas teológico. A montanha é o lugar da esfera divina, da condição divina. 

Lucas 9,29: «Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante.»

É típico de Lucas, nos momentos importantes de Jesus, apresentá-lo em oração. Esse versículo mostra os efeitos da morte anunciada anteriormente. A morte não mergulha a pessoa na escuridão, mas a envolve na luz. A morte, como dissemos, não destrói a pessoa, mas libera todas as suas energias de amor e vida. 

Lucas 9,30: «Eis que dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias.»

Quando o evangelista usa a expressão: “E eis que”, ele indica algo inesperado, uma surpresa. Por que Moisés e Elias? Foram os personagens que, no Antigo Testamento, falaram com Deus, mas sobretudo Moisés foi o grande legislador e Elias foi o profeta que com zelo, e também com violência, fez cumprir a lei de Moisés. 

Lucas 9,31: «Eles apareceram revestidos de glória e conversavam sobre a morte, que Jesus iria sofrer em Jerusalém.»

O nosso Lecionário traz a palavra “morte”, mas em grego encontramos a palavra “êxodo”. Esta é uma característica típica do evangelista Lucas, usar este termo “êxodo” para indicar a libertação que Jesus veio trazer. Em Jerusalém, a cidade santa, Jesus será assassinado pelos mais altos representantes de Deus, pela instituição religiosa. 

Lucas 9,32a: «Pedro e os companheiros estavam com muito sono.»

E, aqui, o evangelista menciona algo incompreensível para nós: “Pedro (de novo com o apelido negativo) e seus companheiros...”. Agora, eles não são mais companheiros de Jesus, mas seguem Pedro. Diante de tal revelação, o evangelista nos apresenta esses discípulos oprimidos pelo sono. Por quê? O sono significa incompreensão em relação ao que está acontecendo. 

Lucas 9,32b-33: «Ao despertarem, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com ele. E quando estes homens se iam afastando, Pedro disse a Jesus: “Mestre, é bom estarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Pedro não sabia o que estava dizendo.»

O apelido pejorativo “Pedro” reaparece. É a terceira vez, o número três segundo a linguagem dos evangelistas, sempre indica o que é definitivo, então Pedro insiste em sua teimosia. Quando Pedro dirige a palavra a Jesus, ele não o chama de “mestre” como vejo aqui na tradução, mas o termo usado por Lucas é “chefe” (grego: epistáta), alguém a quem se submeter. Esta é a ideia que Pedro tem de Jesus.

Por que essas tendas? Das três festas muito importantes que pontuavam a vida religiosa de Israel, a festa da Páscoa, a festa de Pentecostes e a festa das Tendas, a última era a mais importante. Tão importante, que não precisou ser nomeada, bastava dizer “a festa” e ficou claro que era a festa das Tendas. Era a festa que comemorava a libertação da escravidão egípcia, e durante uma semana ― ainda hoje em Israel ― vive-se sob os galhos, sob as tendas.

Bem, a tradição dizia que o Messias chegaria durante a Festa das Tendas. Em memória da antiga libertação, a nova libertação seria inaugurada. Assim, o esperado messias, o da tradição, se manifestaria nesta festa. É por isso que Pedro pede para construir três tendas. Ele quer que Jesus se manifeste como o messias.

Quando há três personagens, geralmente o mais importante é colocado no centro. Para Pedro, o mais importante não é Jesus, no centro, para Pedro, está Moisés, o legislador. Depois, Jesus assim como Elias, ao lado, como aqueles que fazem esta lei ser praticada. Mas para Pedro o mais importante é Moisés. 

Lucas 9,34: «Ele estava ainda falando, quando apareceu uma nuvem que os cobriu com sua sombra. Os discípulos ficaram com medo ao entrarem dentro da nuvem.»

Pedro ainda não havia concluído o seu discurso, então, “desceu uma nuvem que os cobriu”. A nuvem, no Antigo Testamento, é uma imagem da presença ativa de Deus. Então, Pedro e os demais discípulos fazem essa experiência de Deus. É estranha, no entanto, a reação de Pedro! Na primeira vez que ele se viu na frente de Jesus, durante a pesca milagrosa, pediu a Jesus que se afastasse dele, porque era pecador (Lc 5,8-9). E, desta vez, fazendo uma experiência de Deus, tem medo dele! Por isso, o evangelista nos faz entender o quanto uma tradição religiosa, uma ideologia religiosa, pode ser um obstáculo para a compreensão do verdadeiro Deus. 

Lucas 9,35: «Da nuvem, porém, saiu uma voz que dizia: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que ele diz!”»

Por “filho” se entende não apenas aquele que nasceu do pai, mas aquele que se assemelha a ele no comportamento. Então, Deus diz que ele está todo em Jesus. “O Eleito. Escutai-o!” É um imperativo, isto é: “Ouçam-no!” Depois, desaparece Moisés, desaparece Elias e há só Jesus para se escutar, é uma indicação muito preciosa que o evangelista dá à sua comunidade. Devemos ouvir a mensagem de Jesus, e o que está escrito nos textos de Moisés ou nos livros proféticos deve ser confrontado com o ensinamento de Jesus: se estiver em harmonia leva-se em conta, senão não será a norma de comportamento para a comunidade cristã. 

Lucas 9,36: «Enquanto a voz ressoava, Jesus encontrou-se sozinho. Os discípulos ficaram calados e naqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto.»

Esse silêncio é típico dos inimigos de Jesus. Por que eles não contam nada? Porque não estão de acordo. Continuam ruins. Querem um Jesus segundo a lei de Moisés e segundo o zelo violento de Elias, não aceitam Jesus sem Moisés e sem Elias. Então eles discordam de Jesus e ficam em silêncio. Portanto, o caminho da comunidade de Jesus, de compreensão de sua realidade, ainda é longo. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“E se o Cristo e o Messias vierem, e eles forem dois caras diferentes?”

(Thomas Eugene “Tom” Robbins: 89 anos – escritor norte-americano)

Quantas coisas nos fazem perder o foco, extraviar do caminho, distrair-nos com o que não é importante! Por isso, a Quaresma é um convite para adentrarmos no deserto com Jesus. Ele assim o fez no Evangelho do 1º Domingo da Quaresma, penetrando no deserto da sua vivência a fim de enfrentar as seduções atraentes que se apresentaram durante toda a sua vida entre nós. No deserto nos encontramos diante do essencial, diante da sobriedade, diante da carência, por isso, não há com o que se distrair, não há o que desperdiçar! 

Estou me referindo a isso, a fim de chamar a atenção para a atitude de Pedro (e seus companheiros), no Evangelho deste 2º Domingo da Quaresma. O fato de possuir uma ideia bem cristalizada de messias em sua mente, faz com que ele tenha dificuldade em compreender (daí o sono da ignorância!) e aceitar o messias que é Jesus. Chegando ao ponto de colocá-lo abaixo (na realidade, ao lado) de Moisés e Elias! 

Por isso, é bom nos perguntarmos, sempre, como formamos a ideia que temos de Jesus Cristo? De onde retiramos aquilo que forma a nossa crença nele? 

Há um sábio provérbio chinês apropriado para essa circunstância:

“Nunca é tão fácil se perder como quando se julga conhecer o caminho”.

Nessa cena da transfiguração, ficam claros alguns aspectos fundamentais de Jesus Cristo: a) Jesus está disposto a ir até as últimas consequências com seu projeto de reino de Deus, incluindo a morte! b) Está prometida a sua glorificação, mediante a ressurreição. c) Deus está presente em todos esses acontecimentos da vida de Jesus (nuvem que envolve a todos). d) Jesus é a expressão e a palavra mais evidentes de Deus para a humanidade! Em Jesus, Deus se dá por inteiro! Ele se identifica, completamente, em seu Filho! Nenhum outro profeta, nenhum outro personagem pode substituí-lo! 

Isso quer dizer algo muito simples e sério:

Não há outro modo de conhecer e obedecer a Deus a não ser conhecendo e seguindo Jesus Cristo, seu Filho! E, para conhecer o Filho, basta observar o seu estilo de vida, seu projeto revela-se na maneira dele ser e atuar neste mundo!

Agora, assim como Pedro e outros discípulos, podemos viver em uma permanente contradição, como nos adverte J. M. Castillo:

«Por um lado, vai a nossa “fé”, enquanto o “seguimento” de Jesus não focaliza nossas vidas no mesmo projeto de humanização que traçou a vida de Jesus para nós.»

Qual é a solução? Há uma só! Nós, que nos consideramos cristãos e cristãs, necessitamos “interiorizar” a nossa religião a fim de reavivar a nossa fé. Isso quer dizer que (J. A. Pagola):

«Não basta ouvir o evangelho de maneira distraída, rotineira e desgastada, sem desejo algum de escutar. Não basta, tampouco, uma escuta inteligente preocupada somente em entender. Necessitamos escutar Jesus vivo no mais íntimo de nosso ser... precisamos escutar a Boa Nova de Deus, não a partir de fora, mas a partir de dentro.» 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus Cristo, ícone da majestosa glória do Pai, luz da luz, face do amor, faze-nos subir à tua presença sobre o monte da oração e do diálogo com o Pai. Conquistados pelo teu fulgor, desejaríamos que tu nos tivesses sempre contigo sobre o monte onde amor e glória se fundem, mas o coração se perde com o pensamento do batismo de sangue no qual devemos nos empenhar para participar de tua vida. Assusta-nos o sacrifício, o dom total de nós mesmos. O monte da oração é muito árduo para escalar sem ti. Único é o caminho que alcança a meta: passar através da altura do Calvário. Nossas forças não podem resistir, gostaríamos de fugir, desviar nossos passos e nosso olhar para outro lugar. Mas tu, por um momento fugaz, dá-nos também, como aos três apóstolos, Pedro, Tiago e João, o dom de ver além da vida quotidiana, para que até a cruz se transfigure e já não nos assuste. Amém.»

(Marino Gobbin. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico C. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 139-140)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – II Domenica di Quaresima – 17 marzo 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 25/02/2025).

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