4º Domingo da Quaresma – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 15,1-3.11-32
Alberto Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Na misericórdia, somos divinos!
Enquanto os escribas e fariseus tinham a ambição de levar o povo a Deus e, portanto, conduzi-lo pela observância de regras e preceitos religiosos, Jesus escolhe um caminho diferente. Ele não quer levar os homens a Deus, porque sabe que se você quiser levar os homens a Deus, inevitavelmente alguém será deixado para trás e alguém será excluído, mas Jesus traz Deus aos homens e Deus é trazido aos homens, apenas, de uma maneira: a comunicação de sua misericórdia e compaixão.
Mas são precisamente os escribas e fariseus, essas pessoas tão piedosas e tão devotas que, em vez de se alegrarem e colaborarem com Jesus em sua ação, estão contra ele. Leiamos o capítulo 15 do Evangelho de Lucas, desde o primeiro versículo.
Lucas 15,1:** «Naquele tempo, Os publicanos e pecadores aproximavam-se de
Jesus para o escutar.»
Eis aí a escória da sociedade, os excluídos da religião e os marginalizados, que sentem na mensagem de Jesus a resposta ao desejo de plenitude de vida que cada pessoa tem dentro de si. Por mais que a pessoa viva na direção errada de sua existência, por mais imersa no pecado, sempre há nela um desejo de plenitude de vida, um desejo de felicidade que, infelizmente, muitas vezes, escolheu mal, afundando-se em desespero e dor, mas essa voz esteve sempre acordada. E, portanto, há a resposta ao seu desejo em Jesus.
Lucas 15,2: «Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. “Este
homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles”.»
Enquanto
Jesus está sendo ouvido pelos publicanos e pecadores, os fariseus, que são os
piedosos, e os escribas, que são os teólogos oficiais, murmuravam! É
interessante como, nos Evangelhos, as autoridades religiosas, os mestres
espirituais, os escribas e os fariseus evitam pronunciar o nome de Jesus. Jesus
significa “o Senhor salva”, e eles não precisam dessa salvação do Senhor e se
voltam para ele sempre com um termo bastante grosseiro e pejorativo: “este
(esse), aquele”.
E aqui está o escândalo: “Esse homem acolhe os pecadores e come com eles”. Jesus não apenas os recebe, mas também come com eles. Comer significa compartilhar a vida. Se você come com alguém que está infectado, inevitavelmente sua impureza é passada para todos os outros. Eles não entenderam que, com Jesus, os pecadores, os incrédulos, os impuros, não precisam se purificar para serem dignos de comer com ele, mas o que os purifica é comer com ele. Mas as pessoas religiosas não entendem isso.
Lucas 15,3: «Então Jesus contou-lhes esta parábola:»
Esta parábola, logo veremos, não é dirigida aos discípulos de Jesus, mas aos escribas e fariseus, isto é, aos seus inimigos.
Lucas 15,11-12: «“Um homem tinha dois filhos. O filho mais novo disse ao
pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre
eles.»
Essa é a conhecidíssima parábola do “filho pródigo”, e a analisaremos, apenas, em suas características essenciais porque é bastante longa. E é importante para a compreensão desta passagem, que o pai dividiu seus bens entre os dois filhos. Então, ele deu o que era devido ao filho mais novo, mas o dobro – de acordo com a lei judaica – ao filho mais velho. Este filho mais novo está indo embora.
Lucas 15,13: «Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu e
partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada.»
Esse lugar distante era uma região pagã. Ali, ele demonstra a sua incapacidade de gerir sua própria vida e de viver segundo os seus recursos.
Lucas 15,14: «Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve uma grande
fome naquela região, e ele começou a passar necessidade.»
Então, ele cai em desgraça porque chega uma grande fome. Aquele que apostou tudo no dinheiro, quando não tem mais dinheiro, encontra-se um nada. Aquele que era um patrão em sua casa, encontra-se sob o comando de um chefe. De patrão ele se torna servo.
Lucas 15,15-16: «Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou
para seu campo cuidar dos porcos. O rapaz queria matar a fome com a comida que
os porcos comiam, mas nem isto lhe davam.»
O evangelista especifica, claramente, o lugar para onde vai: ao campo, cuidar de porcos. Sabemos que, na cultura judaica, o porco é um animal impuro! Portanto, esse filho mais novo cai na maior degradação possível, tomado pelas dores da fome! Afinal, nem a comida dos porcos lhe era dada!
Lucas 15,17-19: «Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados do meu pai
têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou-me embora, vou voltar
para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço
ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’.»
Pela
reflexão que o filho faz, vemos que esse pai era generoso não apenas com seus
filhos, mas também com seus trabalhadores. Atenção para entender bem essa
passagem! Às vezes, esse filho é apresentado como modelo de conversão, de
arrependimento. Nada disso! Este é um cara que sempre pensa em si mesmo e com
base no dinheiro. O que lhe falta não é seu pai, mas lhe falta pão. Não é o
remorso que agora o impele a voltar para o pai, mas a dor da fome.
Portanto, não há menção à dor que ele causou à sua família. Por isso, os seus direitos caducaram; ele pensa que não pode mais ser tratado como um filho porque recebeu sua parte! Então, ele não sabe o que significa a relação de um filho com seu pai, e pede para ser tratado como um dos servos. Repito que esse filho não volta ao pai porque se arrepende, mas vai por interesse. Ele não sente falta do pai, mas sente falta do pão.
Lucas 15,20: «Então ele partiu e voltou para seu pai. Quando ainda estava
longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o,
e cobriu-o de beijos.»
A
figura sobre a qual o evangelista, agora, concentra nossa atenção é a do PAI, imagem
de Deus. Assim, o pai respeitou a vontade do filho, mas não o esqueceu, esperou
por ele. “Ter compaixão” é uma ação divina com a qual a vida é restaurada para
aqueles que não têm vida. É a terceira vez que aparece no Evangelho de Lucas. A
primeira foi no episódio da viúva de Naim, quando Jesus se compadece e
ressuscita o filho dela (Lc 7,11-17), a segunda foi com o samaritano, o homem
que se compadece do ferido e restaura sua vida (Lc 10,25-37). Assim, a ação do
pai não é ressentimento, raiva, ofensa, mas desejo de devolver a vida. E, aqui,
estão três expressões impressionantes do pai:
1ª) “Correu-lhe ao encontro”.
Isso é inconcebível na cultura do Oriente Médio. Correr é sempre um sinal de
desonra, e nunca um idoso ou pai corre ao encontro do filho, mas para o pai o
desejo de honrar o filho é mais importante que sua própria honra. O pai se
desonra para honrar seu filho.
2ª) “Ele lançou-se a seu
pescoço - abraçou-o”. Quando lemos o Evangelho, coloquemo-nos no lugar dos
primeiros ouvintes que não sabiam como a história ia terminar. Teríamos
imaginado que, depois de se atirar ao pescoço, o teria estrangulado: “Este
idiota que desperdiçou tudo e foi reduzido a ser um porqueiro”.
3ª) Em vez disso, aqui está a surpresa: “Beijou-o”. O evangelista, aqui, se refere ao primeiro grande perdão na Bíblia, quando Esaú perdoou seu irmão Jacó que havia roubado sua herança. Quando Esaú encontra Jacó, ele o beija (cf. Gn 33,1-4). O beijo é um sinal de perdão. Então o pai, imagem de Deus, perdoa o filho antes que ele peça perdão.
Lucas 15,21: «O filho, então, lhe disse: ‘Pai, pequei contra Deus e
contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’.»
O filho não confia na compaixão do pai e ataca com seu “ato de contrição”. O pai não o deixa terminar.
Lucas 15,22-24: «Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica
para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Trazei
um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho
estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a
festa.»
A
túnica era uma honra que dava dignidade a uma pessoa. Este jovem, este filho
que perdeu sua dignidade, agora, está voltando ao esplendor de sua dignidade.
Mas o mais surpreendente é a sequência.
O anel não é uma coisa para decorar, uma
pequena bugiganga. Mas o anel era o selo do administrador da casa. Assim, o pai
desse filho irresponsável, que esbanjou todo o seu patrimônio, devolve-lhe a
dignidade e uma confiança maior do que ele desfrutava. Ele coloca a
administração da casa em suas mãos, sem saber o que esse filho fará com ela.
Lembremos que o jovem pediu para ser tratado como um dos trabalhadores contratados e o pai disse: “Não, coloque sandálias nos pés dele”. Nas casas, os donos usavam sandálias, os criados andavam descalços.
Lucas 15,25-28: «O filho mais velho estava no campo. Ao voltar, já perto de
casa, ouviu música e barulho de dança. Então chamou um dos criados e perguntou
o que estava acontecendo. O criado respondeu: ‘É teu irmão que voltou. Teu pai
matou o novilho gordo, porque o recuperou com saúde’. Mas ele ficou com raiva e
não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele.»
Finalmente,
entra em cena aquele a quem a parábola é dirigida. O “filho mais velho” ―
imagem de escribas e fariseus, que não quer entrar na casa e protesta. O pai
também sai para ele, e ele choraminga. Vemos um Jesus que critica o infantilismo
em que a religião mantém seus seguidores. Recordamos que, no início, o pai
dividiu seus bens entre os dois filhos e deu ao filho mais velho o dobro do que
concedeu ao mais novo.
Então, era tudo do filho mais velho, por que ele não pegou? É a religião. A religião mantém as pessoas em um estado infantil, elas não têm uma relação de amor com Deus, mas uma relação de obediência, de serviço, e sempre esperam uma recompensa. Mas, sobretudo, aguardam autorização para se alegrar ou não.
Lucas 15,29-32: «Ele, porém, respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há
tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um
cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando chegou esse teu filho, que
esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado’. Então o
pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas
era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou
a viver; estava perdido, e foi encontrado’”.»
Então
o pai, assim como foi ao encontro do filho que estava perdido, também vai ao
encontro desse filho que não quer entrar em casa. Esse filho que, em seu
ressentimento, disse: “chegou esse teu filho”. O pai recorda-lhe que
essa pessoa é o irmão dele: “este teu irmão”. Só que ele, o filho mais velho,
vivia na condição de servo e não de filho e não sabia saborear isso.
Desse modo, Jesus convida esses escribas e fariseus a se alegrar com esses pecadores, os incrédulos, que os cercam, mas infelizmente sabemos, pelo restante do Evangelho, que escribas e fariseus, cegos pelo cisco de sua justiça, de sua fidelidade à lei, nunca entenderam a misericórdia de Deus.
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão
Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“A misericórdia e a
graça divina se enlaçam de modo misterioso. Façam os homens o que fizerem, Deus
está ao seu lado para oferecer vida, beleza, bondade.”
(Roberto Romano: 1946-2021 – filósofo, pensador e
escritor brasileiro)
Podemos sintetizar o Evangelho deste 4º Domingo da Quaresma com a seguinte frase: “Perdoar é humano, ser misericordioso é divino!”
Isso porque, o perdão é a marca dos seres humanos que são finitos e sujeitos ao erro. Somos dominados por paixões, desejos, vontade de poder, ganância, orgulho, vaidades exacerbadas, usamos a nossa capacidade de pensar, raciocinar para sobreviver às custas dos outros! Como muito bem observou Roberto Romano: “Se todos erram e ferem, sem perdão a existência coletiva seria impossível”.
No entanto, por detrás do perdão, na maioria
das vezes, esconde-se a humilhação daquele que é perdoado! Aqui, sou obrigado
novamente a citar Romano:
“A doença chamada sinceridade
aproveita aquele gesto e, num instante, revela indivíduos que supostamente
perdoam, mas julgam impiedosamente os fracos caídos. Alguém que perdoou, com
muita probabilidade produz o ressentido. Quando tudo foi dito e o semelhante
está prostrado, não há perdão, mas um fardo existencial sem vida e seiva.”
A misericórdia é divina, pois somente pode provir de um ser sem desejos e paixões! Daquele que ama sem limites e de modo totalmente gratuito! Isso fica demonstrado de maneira inequívoca no Evangelho deste domingo, no qual o pai perdoa o filho extraviado, mesmo sem este demonstrar um autêntico e profundo arrependimento!
Esse Evangelho nos traz uma grave
advertência: Atenção ao tipo de deus no qual você crê! Sim, pois há duas
maneiras de entender Deus e de relacionar-se com ele, segundo o teólogo
espanhol José María Castillo:
a) O “Deus dos fariseus”, que é o “deus-patrão”:
aquele ao qual se deve obedecer e servir em uma relação do tipo contratual
(latim: do ut des = eu te dou para que tu me dês). Eu me submeto a Deus
para obter dele alguma recompensa nesta vida e a vida eterna, no futuro. É a
mentalidade presente no filho mais velho da parábola deste domingo. Uma
mentalidade tipicamente farisaica, onde existe uma rígida observância dos
preceitos religiosos, mas quase nenhuma caridade!
b) O “Deus dos perdidos”, que é o
“Deus-acolhedor”: é o deus sentido pelo filho mais novo, aquele que estava
“perdido”, o fracassado, o arruinado. Esse é um Deus no qual se confia, no qual
se encontra somente a bondade! Nessa relação não existe o “toma lá, dá cá”! Eu
me relaciono com Deus porque eu o amo, não porque eu o temo (tenho medo) ou
desejo algo dele!
É o Deus, segundo Romano, que “se alegra no instante em que os humanos se perdoam reciprocamente. Naquele momento eles são divinos.”
«Senhor Jesus, é
difícil entrar na lógica do amor, a lógica da Páscoa, do sacrifício amoroso. Tu
não vieste na terra para corrigir-nos, mas nos reconheceste tão radicalmente, a
ponto de entregar-te em nossas mãos. Não nos resta que superar a última
tentação e abraçarmos o Pai, isto é, reconhecê-lo em ti, o seu enviado. E
reconhecer significa deixar-nos salvar sem merecermos a salvação. Deixar-nos
levar e salvar sem dizer que esta salvação da morte nos é devida, que a
merecemos. Permitir-se ser amado sem ter um único ponto de apoio em nós mesmos.
Ajude-nos a entender que ser salvo significa poder dizer com amor: não o que
eu quero, mas o que tu queres. Tu sabes tudo, Senhor, toma-nos como somos,
abraça-nos, converte-nos, traz-nos de volta à casa do amor e da ternura. Sua
casa. Então a Palavra ouvida será cura e salvação, remédio de eternidade. Amém.
»
(Marino Gobbin. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio
Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico C. Leumann [TO]: Elledici,
2009, p. 159)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – IV Domenica di Quaresima – 31 marzo 2019 – Internet: clique aqui e aqui (Acesso em: 06/03/2025).
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