Solenidade da Ascensão do Senhor – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 24,46-53
Alberto Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
O Cristo não se separa de seus discípulos, mas ascende aos
corações de seus seguidores
Para compreender a passagem que a liturgia nos apresenta na festa da Ascensão, devemos nos referir à concepção cosmológica, ou seja, como a relação entre a terra e o céu era compreendida no tempo dos evangelistas. Deus estava localizado em cima, nos céus, seres humanos eram colocados na terra, de modo que tudo que vinha de Deus era dito que descia para os homens, e tudo que ia dos homens para Deus subia.
Então vamos ler o que o evangelista nos escreve, é o capítulo 24, versículos 46-53. Em primeiro lugar, o evangelista escreveu que Jesus “abriu-lhes a inteligência para entenderem as Escrituras” (Lc 24,45). Não basta ler as Escrituras, é preciso abrir a mente, ou seja, abrir-se para o novo, caso contrário não as compreenderemos.
Lucas 24,46:** «Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Assim está
escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia...»
Jesus já ressuscitou, confirma que tudo isso fazia parte do plano de Deus, mas sobretudo que a morte não impediu Jesus. Jesus ressuscitou ao terceiro dia e o número três, sabemos agora, pela simbologia bíblica, significa o que está completo, o que é definitivo, daí a vitória definitiva sobre a morte.
Lucas 24,47-48: «... e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão
dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas
de tudo isso.»
O
termo usado pelo evangelista indica as nações pagãs, portanto é uma mensagem
que é universal. Aqui, o evangelista retoma o mesmo anúncio de João Batista,
modificando-o ligeiramente. João Batista havia anunciado um batismo de
conversão para o perdão dos pecados, aqui o batismo é omitido e a conversão é
proclamada a todos os povos. A conversão significa uma mudança nos valores que
orientam a vida de uma pessoa. Se você viveu para si mesmo até agora, a partir
de agora você vive para os outros.
A
mudança de vida, deixando para trás o egoísmo que orientou a existência e
abrindo-se ao novo, obtém o cancelamento do passado pecaminoso.
E,
sublinha o evangelista, parece uma ênfase leve, mas na realidade tem um grande
significado, “começando por Jerusalém”. É um desafio que Jesus lança
porque era em Jerusalém, no templo, que as pessoas tinham que ir para obter o
perdão dos pecados trazendo oferendas, sacrifícios a serem feitos a Deus. Bem, para
Jesus não há mais necessidade de um espaço sagrado, não há mais necessidade de
um rito litúrgico para o perdão dos pecados, mas é necessária a mudança de vida.
Mas não só isso, Jesus havia dito que “será proclamado a todos os povos”, indicou os povos pagãos, e nos coloca “a partir de Jerusalém”. Jerusalém, a cidade santa, sede da instituição religiosa, é equiparada por Jesus aos povos pagãos, “sois as testemunhas destas coisas”.
Lucas 24,49: «Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu. Por
isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto”.»
Jesus está anunciando o envio de seu Espírito que dará força aos discípulos para entender sua mensagem e, sobretudo, traduzi-la em atitudes vivificantes para os outros. Mas Jesus pede que, até aquele momento, literalmente, “permaneçam sentados”, portanto, imóveis, inativos, “até que sejais revestidos da força do alto”. Assim é o anúncio do que, mais tarde, será o Pentecostes.
Lucas 24,50: «Então Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia.
Ali ergueu as mãos e abençoou-os.»
Aqui,
o evangelista usa um verbo técnico, que é o usado no livro do Êxodo, para
indicar a ação libertadora de Deus ao povo judeu, escravizado no Egito. O
Senhor é aquele que tirou seu povo da terra da escravidão. Bem, o fato de o
evangelista usar essa mesma expressão significa que a terra prometida,
realmente, se transformou em terra de escravidão. Foi a instituição religiosa
que aprisionou Deus e aprisionou seu povo por seu próprio interesse, por sua
própria conveniência.
E,
então, o êxodo de Jesus termina por tirar os homens dessa instituição,
tornando-os totalmente livres.
Este levantar das mãos é um sinal de vitória. Aqui, o evangelista se refere ao livro do Êxodo, quando Moisés levanta as mãos na batalha contra Amalec (Ex 17,10-11). Quando Moisés levanta as mãos ele vence, então o de Jesus é um gesto de vitória. Ele triunfou sobre a morte, ele triunfou sobre a instituição religiosa.
Lucas 24,51: «Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o
céu.»
Eis que, como dissemos no início, o que o evangelista quer nos dar não é uma cena de separação, mas de proximidade. Não é um distanciamento, uma ausência aquilo que o evangelista nos está apresentando, mas uma presença ainda mais intensa. Jesus está, agora, na plenitude da condição divina. O homem que os sumos sacerdotes assassinaram, considerando-o amaldiçoado, na realidade, tem em si a plenitude da condição divina!
Lucas 24,52-53: «Eles o adoraram. Em seguida voltaram para Jerusalém, com
grande alegria. E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus.»
O
final do evangelho é decepcionante: “Eles se prostraram, adorando-o. Em
seguida voltaram para Jerusalém”. Mas como? Jesus os tirou de Jerusalém e
eles voltam para lá “com grande alegria”. E, aqui, está a surpresa
final: “E estavam sempre no templo, bendizendo a Deus”. Mas como no
templo? Eles não perceberam que o véu do templo foi rasgado (cf.: Lc 23,45) e
que Deus não estava mais no templo?
Aquele
templo que Jesus denunciou como covil de ladrões, como covil de bandidos (cf.:
Lc 19,45-48), e pelo qual esperava desaparecer (cf.: Lc 21,5-6), aquele templo
que era o lugar mais perigoso para Jesus, para os discípulos é o lugar que lhes
dá segurança.
Será necessário o Espírito Santo, será necessário o Pentecostes para libertá-los de tudo isso.
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão
Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Assim como ele
subiu ao céu sem se afastar de nós, também nós já estamos com ele, embora o que
ele nos prometeu ainda não tenha sido realizado em nosso corpo.”
(Santo Agostinho (354–430): filósofo, teólogo, escritor, Doutor
da Igreja)
Muita atenção!!!
Essa festa da Ascensão pode nos induzir a um grave erro, como nos bem adverte J. M. Castillo: «Nunca se deve entender esta celebração como a superação do “humano”, para transcender a um plano superior, que seria o plano do “divino”. Jesus ressuscitado e glorificado é sempre a plenitude do humano. E segue sendo a imagem do divino, encarnado no humano. Jesus segue sendo tão humano quanto divino».
O Espírito Santo não substitui Jesus! Ele segue sendo, até o final dos tempos, a presença de Deus entre os seres humanos. Contudo, o Espírito Santo possui um papel fundamental: manter sempre viva e atual essa presença, essa recordação do que Jesus Cristo foi, é e sempre será!
Por outro lado, é muito reconfortante saber que Jesus, nos momentos finais de sua vida na Terra, trazia em seu coração a preocupação de que o anúncio do perdão e da misericórdia divinos chegassem a todos os povos, incluindo os pagãos! Ele queria e, ainda, quer, que o chamado a conversão e a oportunidade de viver na intimidade com o Pai cheguem a todas as pessoas da Terra! Jesus deseja que todos saibam que Deus compreende e ama seus filhos e filhas sem limites!
Agora, aqui temos uma novidade! Quem Jesus
encarrega de levar essas boas novas que elencamos acima a todos os povos?
Ele quer «testemunhas» (Lc 24,48: «Vós sois as testemunhas
destas coisas») que comuniquem não teorias, mas sua experiência de um Deus
bom e contagiem as pessoas com seu estilo de vida ao trabalharem por um mundo
mais humano!
O grande perigo é nos esquecermos que, nós cristãos, somos os portadores dessa Boa Nova de Cristo, bem como, de sua bênção ao mundo!
Como nos adverte J. A. Pagola:
«Nossa primeira tarefa é sermos testemunhas da bondade de Deus,
manter viva a esperança, não nos rendermos perante o poder do mal. Este mundo,
que às vezes parece um “inferno maldito”, não está perdido. Deus o olha com
ternura e compaixão.»
Jamais podemos duvidar que as pessoas podem
mudar, elas podem ser diferentes:
* mais solidárias e menos egoístas,
* mais austeras e menos consumistas,
* mais pacíficas e menos violentas,
* mais bondosas e menos invejosas,
* mais honestas e não corruptas...
Há que se promover um cristianismo da bondade! O mundo precisa sentir, perceber e visualizar em cada cristão uma das testemunhas de Cristo, o amor e a misericórdia de nosso Deus!
«Anunciarei o teu nome
aos meus irmãos, vou te louvar no meio da assembleia. Louvai o Senhor, vós que
o temeis, que toda a raça de Jacó lhe dê glória, que o tema toda a estirpe de
Israel; pois ele não desprezou nem desdenhou a aflição do pobre; não lhe
ocultou a sua face, mas ao gritar por socorro o atendeu. Tu és o meu louvor na
grande assembleia, cumprirei meus votos diante dos seus fiéis. Os pobres
comerão e ficarão fartos, louvarão o Senhor os que o procuram: “Viva para sempre
o coração deles!” Recordarão e voltarão ao Senhor todos os confins da terra:
diante dele se prostrarão todas as famílias dos povos. Pois o reino pertence ao
Senhor, ele domina sobre as nações. Só diante dele se prostrarão os que dormem
debaixo do chão; diante dele se curvarão os que descem ao pó da terra. Quanto a
mim, para ele viverei, a ele servirá a minha descendência. Do Senhor se falará
à geração futura; anunciarão a sua justiça; dirão ao povo que vai nascer: “Eis
a obra do Senhor!”»
(Salmo 22[21], 23-32)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Ascensione del Signore – 02 giugno 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 16/05/2025).

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